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Polícia

Caso Géssica: DNA comprova que arma encontrada em local não era de enfermeira morta em perseguição

Caso Géssica: DNA comprova que arma encontrada em local não era de enfermeira morta em perseguição

Enfermeira Géssica Melo de Oliveira, de 32 anos, morreu em dezembro do ano passado após ser baleada durante uma perseguição policial do Gefron. Há indícios ainda do crime de homicídio doloso, com intensão de matar, aliado ao crime de fraude processual

A investigação do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) apresentou provas de DNA que comprovam que a arma encontrada no local da perseguição não era da enfermeira Géssica Melo de Oliveira, de 32 anos, morta com dois tiros disparados por policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron), na BR-317. O caso ocorreu em dezembro do ano passado na cidade de Senador Guiomard, interior do Acre.

De acordo com o laudo de perícia criminal da Polícia Civil do Acre (PCAC), o DNA encontrado na arma não é compatível com o DNA da Géssica, e foram encontrados traços genéticos masculinos na estrutura da arma, carregador e munições.

O g1 entrou em contato com as polícias Militar e Civil do Acre e aguarda resposta. Já as defesas dos policiais envolvidos no caso não foram encontradas.

A investigação do MPAC, conclui que houve indícios do crime de homicídio doloso, com intensão de matar, aliado ao crime de fraude processual, após os policiais inserirem uma pistola no local do ocorrido, dizendo pertencer à vítima. A possível fraude processual também ficou evidenciada pelo fato de os familiares da vítima terem demonstrado não haver qualquer indícios de que houve capotamento no veículo da enfermeira.

Alisson dos Reis Pereira da Silva, advogado da Géssica, afirma que os policiais mentiram, não houve confronto e eles mataram a mulher. “Foram soltos sob a alegação de que tem crianças menores de 12 anos e que não poderiam sobreviver sem eles. E os três filhos menores que a Jéssica deixou. Poderiam viver sem ela? É uma vergonha para a Polícia Militar do Acre, policiais forjarem confronto, matar uma pessoa inocente para alegar legítima defesa. Isso é uma vergonha para a Polícia Militar do Acre”, diz.

O advogado da enfermeira, explica que o processo administrativo independe do processo criminal. Ele pede providências da corregedoria da Polícia Militar do Acre, mesmo antes da conclusão do inquérito. “Nós vamos lutar por justiça até o final, queremos a condenação desses policiais por homicídio triplamente qualificado e fraude processual”, assegura Silva.

Silva ainda esclarece que todos os disparos foram feitos de fora para dentro do veículo e a enfermeira morreu sem chance nenhuma de defesa. “É inadmissível que, em um estado democrático de direito, policiais militares, em nome do Estado, matem pessoas com tiros de fuzil pelas costas, plantam uma arma no local do crime, porque só foi encontrado DNA de homens, ou seja, DNA masculinos na arma. Então espero que, na forma da lei, eles paguem, porque ela deixou três filhos”, destaca.

O advogado ainda evidencia que Géssica era mãe, uma pessoa trabalhadora, e nos laudos comprovam que ela não estava sob efeito de bebida alcoólica e nenhuma droga. “Até hoje não foi aberto um processo de exclusão desses marginais de farda da corporação. Porque o laudo agora comprova que eles simularam um confronto pra poder dizer que a morte dela foi legítima defesa. Então é um absurdo. Agora eu quero saber a resposta do comandante da Polícia Militar e do governador do Acre”, cobra Silva.

Segundo o advogado, após a divulgação da conclusão da investigação do MP, é necessário aguardar a conclusão do inquérito policial que será entregue nos próximos dias para a justiça e após esses trâmites, o caso será julgado.

gessica 002Enfermeira teria tido um surto e saiu dirigindo em alta velocidade; Géssica deixa três filhos, todos menores de idade — Foto: Arquivo pessoal

Entenda o caso

Géssica furou um bloqueio policial em Capixaba, foi seguida por uma viatura da Polícia Militar, que pediu reforço ao Gefron e a Polícia Rodoviária Federal (PRF-AC), até a cidade de Senador Guiomard, no interior do estado, onde terminou a perseguição. A vítima morreu após ser baleada 2 vezes durante a perseguição policial na BR-317.

“Foram dois tiros pelas costas. A enfermeira que ajudou a médica no hospital disse pra mim que a coxa dela estava quebrada. Os dois tiros atingiram ela foram pelas costas e saíam no abdômen dela. Não deixaram a gente tocar nela, mas a gente percebeu que a coxa dela estava muito inchada. Vimos por cima do pano que ela estava enrolada”, lamentou a agricultora.

A coordenação do Gefron informou que um policial da equipe viu a motorista com uma arma nas mãos e atirou em direção ao carro na tentativa de pará-lo. Após os disparos, no quilômetro 102, nas proximidades da entrada do Ramal da Alcoolbrás, a enfermeira perdeu o controle do veículo, entrou em uma área de mata e bateu o carro em uma cerca.

Em nota, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp) disse que foram efetuados cinco disparos em direção ao veículo. Contudo, a família afirma que havia mais de dez perfurações no veículo. O carro foi retirado do local em cima de guincho e, conforme a família, levado para a PRF-AC.

“Minha filha filmou o carro em cima do guincho. Contamos dez buracos de tiros no carro dela”, confirmou.

Géssica tinha depressão e, possivelmente, teve um surto no sábado e saiu dirigindo em direção ao interior do estado. Após a morte, a polícia diz que achou uma pistola 9 milímetros jogada próximo ao local onde o carro parou. A arma é de uso restrito das forças armadas.

A família contesta a versão apresentada e diz que a enfermeira não tinha arma de fogo. Dois militares, que estavam na ação foram presos em flagrante e, nessa segunda-feira (4), a Justiça decretou a prisão preventiva dos policiais durante audiência de custódia. O Ministério Público Estadual (MP-AC) pediu a conversão da prisão em flagrante em preventiva. Os policiais seguem presos no Batalhão Ambiental, em Rio Branco.

O MP-AC também instaurou, de ofício, um procedimento investigatório criminal para apurar possível crime de homicídio doloso que teria sido praticado pelos militares. A investigação ocorre independentemente da apuração anunciada pela Corregedoria da Polícia Militar do Acre e pela Polícia Civil.

Vista pela última vez

Vladirene foi a última pessoa da família a ver Géssica viva. Ela mora próximo da casa onde a enfermeira vivia e, inclusive, estava com os dois filhos dela, de 11 e 6 anos, no sábado. Ela relembra que ouviu a irmã tomar banho, orar e a viu saindo de casa.

Vladirene estava na varanda de casa quando viu Géssica sair com o carro. A última lembrança que ela tem da irmã é dela sorrindo. Géssica tinha ainda uma filha de 3 anos.

“Ela tomou banho, se arrumou, ficou muito bonita, tirou o carro da garagem, abriu a porta, colocou a mão em cima da porta, ficou olhando para a rua e ficou sorrindo. Ela ligou o som do carro, entrou e saiu. Não falamos nada, ela só sorriu. Em menos de três horas vi minha irmã morta”, lamentou.

Por causa da depressão, a parente diz que os familiares tentavam evitar a saída de Géssica de casa. Porém, no dia do crime, Vladirene conta que a irmã estava muito tranquila. “Os dois meninos dela estavam na minha casa e a menina com minha mãe no bairro Vila Acre. Ela passava de semanas dentro de casa só estudando para concurso da polícia. A casa dela estava muito arrumada, os livros arrumados em cima de uma mesa e tinha uma bíblia”, recordou.

Na manhã dessa segunda-feira, a família se reuniu com o secretário de Segurança Pública do Acre, coronel José Américo de Souza Gaia, para saber mais detalhes da ocorrência.

“Ele disse que chegou aos ouvidos dele que a Géssica tinha uma arma dentro do carro, mas ela não tinha arma. Usava uma pistola de uso exclusivo da polícia. Isso não vai ficar assim, não vou deixar, minha irmã está sendo tachada de bandida. Minha irmã nunca usou uma arma”, criticou.

A agricultora afirmou que a família vai continuar em busca de justiça pela morte da enfermeira.

“Estamos pedindo socorro para todos os lados porque foi uma morte muito brutal e não pode ficar no esquecimento. Géssica era a caçula de cinco irmãos, era uma mãe muito dedicada, preferia cuidar dos filhos. Temos que falar para não ficar no esquecimento”, disse.

Diagnóstico

Ainda segundo a parente, a enfermeira teve o primeiro surto há um ano e meio. Ela foi levada para o Pronto-Socorro de Rio Branco e ficou internada durante cinco dias. Ao sair, Vladirene disse que a irmã não quis mais tomar os remédios.

“Ela disse que estava curada, que não tinha nada. Passei ainda uma semana dando a medicação para ela, mas simplesmente parou de tomar. O sonho dela era passar no concurso da Polícia Federal, estava direto para isso”, finalizou.

No Judiciário é possível ver que no começo de novembro deste ano, a enfermeira teve um surto em uma farmácia de Rio Branco. Ela estava com o mesmo carro que dirigia no sábado, quando foi morta. Inclusive, uma medida protetiva foi dada em desfavor dela porque os filhos, de 3, 6 e 11 anos de idade estavam com marcas de agressão. No processo que corre no Juizado Especial Criminal em Rio Branco, Géssica ficou proibida de se aproximar dos filhos. Nos relatos, há informações de surtos da enfermeira.

O que diz a polícia

Ainda no domingo (3), a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-AC) lançou uma nota sobre o caso e o governo do estado uma segunda. Na primeira, afirmou que “durante a ocorrência, foi possível visualizar parte de um braço empunhando uma arma de fogo. Neste momento, diante do risco iminente à integridade física da equipe policial, foram efetuados cinco disparos em direção ao carro.”

Já em uma segunda nota, o governo do Acre confirmou que dois policiais estavam detidos no batalhão da PM e que as investigações se dariam de forma imparcial.

“Garantimos ainda uma investigação imparcial e célere, de modo que a sociedade tenha uma resposta o quanto antes.”

O Grupo Especial de Fronteira (Gefron) afirma que Géssica estava armada, fazia manobras perigosas que colocavam em risco a vida de outras pessoas e, por isso, atiraram no carro para pará-la. Ainda de acordo com o grupo, a perseguição ocorreu após ela furar um bloqueio policial em Capixaba, cidade vizinha.

O g1 também conversou com uma amiga, que preferiu não ser identificada. Ela contou que a enfermeira foi deixada no hospital pelos próprios policiais e chegou como vítima de acidente de trânsito. As perfurações de bala, segundo ela, foram notadas no hospital.

“Quando ela deu entrada no hospital, não foi passado para os médicos plantonistas que ela tinha sido vítima de bala, foi dito que tinha sido vítima de acidente de trânsito. Durante a reanimação, constataram perfurações”, afirmou.

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