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Fazenda de cliques: como funciona o esquema de compra e venda de engajamento nas redes sociais

Fazenda de cliques: como funciona o esquema de compra e venda de engajamento nas redes sociais

Primeiras click farms surgiram na Ásia, mas empresas brasileiras têm ganhado popularidade atendendo clientela 100% nacional, que abrange influencers, políticos e artistas

Quem entra no site da Dizu encontra uma empresa voltada para dois públicos que são um espelho do nosso tempo: “pessoas que desejam se tornar famosas” e “pessoas que possuem interesse em ganhar uma renda extra pela internet”. Trocando em miúdos, ela conecta digital influencers (ou aspirantes) a qualquer um precisando de dinheiro. O que esta mão de obra precisa fazer para ganhar uns trocados? Curtir e comentar postagens sem parar e/ou assistir a vídeos em looping para, claro, inflar os números de contas em Instagram, TikTok, Facebook e YouTube.

Este “ecossistema”, também usado por celebridades e políticos para tentar enganar o algoritmo das plataformas, é chamado de “fazenda de cliques” (click farm, em inglês) e tem ganhado terreno no Brasil atolado pela crise econômica. Além da Dizu, Ganhar no Insta, Kzom e outras empresas oferecem este tipo de serviço e, no fim das contas, botam em xeque a forma como o “mercado de influência” se organiza e atua. Afinal, quem tem mais seguidor é realmente mais influente? Aquela postagem com tantos comentários, de fato, “bombou”?

— Este fenômeno das fazendas de cliques é uma roda que se retroalimenta — diz Ana Paula Passarelli, cofundadora da agência Brunch, especializada em gerir a carreira de influenciadores. — De um lado, há trabalhadores precisando desse dinheiro. Do outro, celebridades digitais precisando disso para que continuem minimamente relevantes no modelo que temos hoje, que ainda privilegia números de seguidores e visualizações.

Quanto vale o clique

As primeiras fazendas de clique surgiram nos primeiros anos da década passada, em países do Sudeste da Ásia, como Filipinas e Indonésia, atendendo a mercados externos. No Brasil, elas têm ganhado tração nos últimos anos, com uma clientela 100% nacional, que abrange influencers, políticos e artistas, como ressalta o professor da Universidade Estadual de Minas Gerais Matheus Viana Braz. Há dois anos, ele coleta dados sobre o trabalho dessas fazendas e diz que, em muitos casos, o perfil que paga pelo serviço já tem milhares de seguidores, mas o like nem sempre é garantido. Quando precisa que um determinado post tenha bons números de curtidas e comentários (normalmente trabalhos publicitários, os famosos #publi), é hora de recorrer ao exército arregimentado pelas click farms made in Brazil, que prometem engajamento vindo de gente de verdade.

— Temos que questionar o lugar das fazendas na falsa construção de figuras de autoridade — diz Matheus. — Com elas, fica difícil identificar se a interação é falsa ou real, orgânica ou manipulada.

Quem opta por falsear a realidade nem chega a gastar muito por isso. Um pacote para ganhar mil seguidores brasileiros “reais” em até 24 horas no Instagram custava ontem, em média, R$ 35, num dos sites que oferecem este tipo de serviço. O lote de mil curtidas saía por R$ 5; cem comentários com emojis numa postagem, R$ 16.

Destes valores, quase nada fica com os “clicadores em série”, o que mostra a precarização desse trabalho. Num grupo de WhatsApp que reúne 218 participantes, de diversas partes do Brasil, uma integrante contava na sexta-feira à tarde que “lucrou” R$ 1,30 (isso mesmo, um real e 30 centavos) depois de ficar “trabalhando” por cinco horas. Estes profissionais do clique não gostam de revelar seus nomes e admitir que exercem a atividade, o que torna tudo ainda mais nebuloso. Mas o site do Ganhar no Insta divulga uma tabela de pagamento: uma curtida no Instagram vale, no máximo, R$ 0,01.

Diante de uma remuneração tão baixa, surge, então, um paradoxo: o trabalhador do clique tenta se desdobrar e cria contas falsas para realizar ações de forma automatizada, os chamados bots, espécie de robôs. O resultado é uma proliferação de perfis aparentemente reais (com fotos, destaques e curtidas), mas todos fake, atuando nas redes de forma mecânica. No fim das contas, nada é o que parece ser.

—O cliente quer comprar seguidor real, não quer o bot. Mas o trabalhador cansado precisa criar esse robô. São camadas e camadas fake — diz Rafael Grohmann, professor da Unisinos e coordenador do Laboratório de Pesquisa DigiLabour.

Papel de cada um

E qual o papel das plataformas de redes sociais nesta obsessão por números, que desembocou na fazenda de cliques? Autora do livro “De blogueira a influenciadora” e pesquisadora em comunicação digital, Issaaf Karhawi lembra que até houve um movimento do Instagram, em 2019, de ocultar o número de curtidas numa “tentativa de acalmar a busca insana por métrica”. Mas, no ano passado, a rede social deixou esta escolha nas mãos do próprio usuário.

— As métricas são a essência de todas as plataformas. Se não estão visíveis para todos, estão num painel para o próprio usuário — diz Issaaf Karhawi. — No ambiente digital, superestimamos os números.

Em nota, a Meta, controladora de Facebook e Instagram, disse que dedica recursos significativos no combate a essas práticas, que violam as diretrizes da plataforma. O TikTok informou que usa “uma combinação de inteligência artificial e moderação humana para identificar conteúdos em discordância com as Diretrizes da Comunidade”. Já as empresas das fazendas de clique não responderam às solicitações da reportagem até o fechamento desta edição.

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