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Amazônia

Estudo detecta ingestão de mercúrio 31,5 vezes acima do recomendado em peixes no Acre

Estudo detecta ingestão de mercúrio 31,5 vezes acima do recomendado em peixes no Acre

As coletas de amostras de peixes foram realizadas em 17 municípios amazônicos, totalizando seis estados amostrados. No município mais crítico, de Rio Branco, a potencial ingestão de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência indicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

Um estudo feito em seis estados e 17 municípios da Amazônia coloca a cidade Rio Branco como a mais crítica em relação à ingestão de mercúrio por peixes contaminados acima do recomendado.

Os resultados mostram que peixes de todos os seis estados amazônicos apresentaram níveis de contaminação acima do limite aceitável, de ≥ 0,5 µg/g, estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em todas as camadas populacionais analisadas pelo estudo, a ingestão diária de mercúrio excedeu a dose de referência recomendada. No município mais crítico, de Rio Branco, o potencial de ingestão de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência indicada pela - Agência de Proteção Ambiental (EPA) do governo norte-americano (0,1 μg/kg pc/dia).

As mulheres em idade fértil - público mais vulnerável aos efeitos do mercúrio - estariam ingerindo até 9 vezes mais mercúrio do que a dose preconizada; enquanto crianças de 2 a 4 anos até 31 vezes mais do que o aconselhado.

Analisando os resultados em um recorte regional, foram registrados pescados com níveis de Hg acima do limite seguro em todos os seis estados amazônicos. Os estados de Roraima e Acre apresentaram as maiores prevalências de contaminação, 40% e 35,9%, respectivamente. Enquanto os estados do Amapá e Pará tiveram as menores prevalências, 11,4 e 15,8%, respectivamente.

Peixes de RO

O superintendente federal de Pesca e Aquicultura do Acre, Paulo Jean Ximenes, disse que o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) atualmente faz esse tipo de fiscalização, uma vez que o ministério da Pesca não possui veterinários.

“O pessoal do Mapa faz esse levantamento com o pessoal, através dos dejetos dos peixes e encaminha para os laboratório. Agora com relação aos peixes que não tem Sif [Serviço de Inspeção Federal] não temos como ter esse controle, na realidade. Mas, tenho falado com o superintendente da Agricultura e pedi que solicitasse que veterinários possam ir até os frigoríficos e mercados para gente ver esse problema de perto”, diz Ximenes.

Ele destacou também que parte do pescado vendido no Acre vem do estado vizinho, Rondônia, e que se estuda uma cooperação entre órgãos federais e estaduais para lidar melhor com essa fiscalização.

“Parte do pescado do Acre vem de Rondônia e temos deficiência também de funcionários e por isso que estamos tentando uma cooperação técnica para que o estado nos auxilie mais nessa fiscalização para mantermos um pescado de qualidade”, finaliza.

Atuação do Mapa

Em nota, o Mapa informou que, juntamente com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que abrange também vigilâncias sanitárias estaduais e municipais - executam o Programa Nacional de Resíduos e Contaminantes (PNCRC), que consiste em coletas ordinárias e aleatórias de amostras de alimentos, tanto na indústria quanto no comércio, para verificar a existência de resíduos de diversos contaminantes químicos ou biológicos, em alimentos, sendo um desses contaminantes o mercúrio.

“O Mapa só coleta amostras de pescado para o PNCRC em estabelecimentos de processamento de pescado que estejam sob a tutela do Serviço de Inspeção Federal (SIF). No Acre, não há nenhum estabelecimento processador de pescado com SIF. O único que existia era a Peixes da Amazônia, que atualmente está fechado. Normalmente quem coleta amostras para o PNCRC em comércio (atacados, supermercados e feiras livres é a vigilância sanitária)”, destaca a nota.

O g1 entrou em contato com a Vigilância Sanitária estadual, que disse que a fiscalização atualmente foi descentralizada para os municípios. Já a Vigilância municipal vai se posicionar ainda nesta terça.

Intoxicação

A jornalista Ana Silva descobriu a intoxicação por mercúrio em março deste ano. Ela começou a sentir alguns sintomas e, durante consulta médica, foram passados alguns exames para tentar saber o que estava acontecendo.

“Em março deste ano, ao iniciar o tratamento para menopausa, a médica questionou sobre os sintomas que eu sentia e, alguns deles, estavam ‘muito fortes’, causando desconfiança na médica que solicitou vários exames, dentre eles, mercúrio. O resultado do exame de laboratório confirmou a intoxicação. A taxa estava acima do permitido, tanto que o laboratório refez o exame para verificar se não havia erro. Os meus sintomas eram: fraqueza muscular intensa, lapsos de memória longos, insônia e espasmos nas pernas (principalmente durante o sono)”, conta.

Cada tratamento é individual de acordo com o tratamento indicado pelo médico. No caso de Ana, ela precisou dobrar a ingestão de água para conseguir expelir o mercúrio, além de tomar uma Vitamina C mais forte. “Hoje eu já não sinto mais nada e refiz, semana passada, os exames para verificar as taxas”, contou.

Contaminação frequente

Não é a primeira vez que cidades do Acre aparecem em levantamentos que apontam alta contaminação de mercúrio. Em 2013, a contaminação pelo elemento químico foi constatada em Sena Madureira e Manoel Urbano. Naquela época, representantes do Instituto Evandro Chagas estiveram nos municípios coletando material para análise.

Iracina Maura de Jesus, chefe da seção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas da época, chegou a dar entrevista na rádio Senado pontuando qual seria a explicação para um teor alto de mercúrio, uma vez que o estado não tem atividade garimpeira de ouro forte como em outros estados da Amazônia.

Ela pontuou que aspectos interferem diretamente nessa contaminação.

“Essa é uma questão interessante porque o Acre não tem fontes de lançamento de mercúrio para o ambiente na forma de garimpagem, como ocorre na bacia de Tapajós, na bacia do Madeira, porém existe a questão atmosférica, questão da formação do solo, que pode conter mercúrio, questão de desmatamento e os países vizinhos possuem garimpo em várias áreas e o Acre faz fronteira com alguns desses países que têm histórico de garimpagem nessa áreas. Todas essas fontes do mercúrio, questão da formação geológica, fontes de desmatamento, transferência atmosférica, erosão, fontes de mercúrio e fontes diretamente da ação humana podem contribuir para carga de mercúrio no meio ambiente que ataca o aquático”, pontuou.

Metodologia

As coletas de amostras de peixes foram realizadas em 17 municípios amazônicos, totalizando seis estados amostrados. Os peixes foram adquiridos em mercados públicos, feiras-livres ou com pescadores nos pontos de desembarque pesqueiro, no período de março de 2021 a setembro de 2022.

Sempre que possível foram amostradas ao menos três diferentes espécies em cada guilda trófica (carnívoro, onívoro, detritívoro e herbívoro) e no mínimo três indivíduos de cada espécie, com diferentes tamanhos.

Os peixes foram acondicionados em caixas térmicas e encaminhados para descrição por especialistas, no nível taxonômico mais detalhado possível. Foram extraídos 20 gramas de tecido muscular para determinação dos níveis de mercúrio.

A detecção dos níveis de Hg foi realizada no Laboratório de Especiação de Mercúrio Ambiental, do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), e no Laboratório de Mercúrio da Seção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas (SEAMB-IEC).

Foram analisados 1.010 exemplares de peixes, representantes de 80 espécies distintas. Ao todo, foram determinados os níveis de mercúrio em amostras coletadas em 17 municípios amazônicos (Tabela 1). Em relação aos níveis tróficos, foram coletados 110 peixes herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Desse total, 159 amostras apresentaram níveis de mercúrio abaixo do limite de detecção, e 38 apresentaram níveis de mercúrio abaixo do limite de quantificação, totalizando 197 amostras (19,5%) com níveis de detecção indeterminados.

O que é o mercúrio

O mercúrio é um metal que faz parte da constituição da Terra — um elemento natural encontrado nos rios, solo, água e até no ar. Seu uso na indústria é permitido — e até nos garimpos de ouro, desde que seja autorizado pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

Quando o mercúrio atinge os rios, ele se transforma em metilmercúrio, um contaminante altamente tóxico, cujos poluentes acabam disseminados em altas quantidades, que se espalham rapidamente através da correnteza.

No garimpo ilegal, o mercúrio também contamina a atmosfera, já que para separar o ouro, é comum que o amálgama seja queimado sem utilizar um sistema de controle ambiental. Com o calor, o metal se torna vapor e se alastra pelo ar. Por isso, o mercúrio é um poluente global.

Todas essas atividades que utilizam o mercúrio como subproduto se transformam em um perigo para os seres vivos, principalmente para os peixes, que incorporam essa substância tóxica e transmitem aos humanos, como já apontaram alguns estudos.

Muitos animais selvagens também fogem da região para escapar da atividade garimpeira. Outros morrem ou são caçados pelos garimpeiros, deixando a população indígena sem ter o que colocar na mesa.

Quais os riscos do mercúrio para a saúde?

Segundo os especialistas, essas lesões no cérebro causadas pela contaminação são irreversíveis. No entanto, quando um adulto é exposto ao metilmercúrio, os danos costumam ser menores e mais espaçados. Isso significa que, em um cérebro adulto, os sintomas podem ser mais sutis ao longo da vida.

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