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Crônica do golpe

Crônica do golpe

As ameaças golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já eram feitas antes da reunião ministerial do dia 5 de julho de 2022, que se tornou uma das principais provas que levaram à deflagração da Operação Tempus Veritatis na última quinta, 8. Desde 2021, Bolsonaro e seus aliados começaram a ameaçar o processo eleitoral, ao mesmo que estimulavam a introdução do voto impresso com críticas às urnas eletrônicas.

Álibi

A cúpula bolsonarista tentou emplacar a ideia de que os votos impressos eram a única forma de garantir “eleições limpas”. Segundo declarações do ex-presidente, as urnas eletrônicas seriam passíveis de fraude. Porém, tanto Bolsonaro quanto os seus aliados nunca apresentaram provas sobre as suas ilações.

Ameaça

Em julho de 2021, portanto um ano antes do encontro ministerial, restou revelado que o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto enviou um recado para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) que não haveria eleições se os pleitos não contassem com os votos impressos e auditáveis.

Negativa

Depois de receber a dura mensagem de Braga Netto, Lira foi se reunir com Bolsonaro no Palácio da Alvorada. No encontro, o presidente da Câmara afirmou que seguiria apoiando o governo, mas avisou que não iria apoiar uma ruptura democrática.

Ameaça

A ameaça vocalizada pelo então ministro da Defesa já havia sido dada pelo próprio Bolsonaro durante uma live para apoiadores no dia 6 de maio daquele ano. O ex-presidente disse que o voto impresso seria introduzido em 2022 — o que não se concretizou — e que os pleitos não seriam realizados se não houvesse o modelo. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. (...) Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado”, afirmou.

Alvo

Assim como o ex-presidente, Braga Netto também foi um dos alvos da operação da PF nesta quinta-feira, 8. O ex-ministro, que foi vice na chapa de Bolsonaro em 2022, teve a sua residência vasculhada pelos policiais e está proibido de sair do País, além de estar impossibilitado de manter contato com outros investigados.

Eufemismo

Na reunião ministerial de 2022, Bolsonaro defendeu um “golpe sem armas” a partir da massificação de desinformações sobre as urnas eletrônicas e exigiu que os seus ministros pressionassem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que determinou a deflagração da operação da PF, o encontro ministerial mostrou uma “dinâmica golpista” planejada pelos integrantes do governo anterior.

Contumácia

Dias antes do recado dado por Braga Netto, Bolsonaro fez outras ameaças golpistas diante de apoiadores no Alvorada. O então chefe do Executivo afirmou: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”.

Sinalização

Também naquele período, o ex-presidente disse em outra live que iria entregar a faixa presidencial para qualquer um que o derrotasse “de forma limpa” que, na sua visão, era a introdução do voto auditável. Bolsonaro disse que caso isso não se concretizasse, o Brasil iria ter um “problema seríssimo”, sem explicitar qual seria a consequência. “Eu entrego a faixa presidencial para qualquer um que ganhar de mim na urna de forma limpa. Na fraude, não. Vamos para o voto auditável. Esse voto ‘mandrake’ aí não vai dar certo. Nós vamos ter um problema seríssimo no Brasil”, disse o ex-presidente.

Ardil

No dia em que a Câmara iria votar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que iria formalizar a adoção do voto impresso, 150 blindados marcharam pela Praça dos Três Poderes. A tendência era que a PEC seria rejeitada, o que fez aumentar, entre parlamentares, a leitura de que houve uma tentativa de intimidar o Congresso Nacional a aprovar a medida. Apesar do gesto, a Câmara rejeitou a PEC por um placar de 229 votos a favor e 218 contra. Para que fosse aprovada e seguisse para o Senado, a proposta tinha que ter o apoio de 308 parlamentares.

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Desvirtuamento

Durante a gestão de Bolsonaro na Presidência, o feriado da Independência foi instrumentalizado como palanque político. No dia 7 de setembro de 2021, Bolsonaro fez um discurso inflamado para apoiadores na Avenida Paulista. O ex-presidente disse que os brasileiros não poderiam admitir um sistema eleitoral “que não oferece qualquer segurança” e atacou diretamente Alexandre de Moraes declarando que “ou esse ministro se enquadra ou ele pede pra sair”.

Regente

Em um momento do discurso, Bolsonaro disse que o magistrado ainda tinha a chance de “se redimir”, o que gerou vaias entre os bolsonaristas. O ex-presidente então mudou novamente o tom: “Sai, Alexandre de Moraes, deixe de ser canalha, deixe de oprimir o povo brasileiro, deixe de censurar o seu povo”. A resposta dos apoiadores foi o grito em coro de: “Eu autorizo”.

Tática

Ainda sobre Bolsonaro, neste período de carnaval ele lançou um vídeo nas redes sociais em que convoca um ato na avenida Paulista para o próximo dia 25 de fevereiro. Chamou atenção o pedido para seus apoiadores não levarem faixas ou cartazes “contra quem quer que seja”.

Pacifismo

“Eu peço a todos vocês que compareçam trajando verde e amarelo. E, mais do que isso, não compareçam com qualquer faixa ou cartaz contra quem quer que seja. Nesse evento eu quero me defender de todas as acusações que têm sido imputadas à minha pessoa nos últimos meses. Mais do que discurso, (quero) uma fotografia de todos vocês (…) para mostrarmos para todo o Brasil e para o mundo a nossa união, as nossas preocupações, o que nós queremos: Deus, pátria, família e liberdade”, afirmou. Trata-se de um típico recurso retórico.

Mensagem embutida

Bolsonaro não disse textualmente, mas a mensagem está implícita: ao fazer o pedido, como quem busca produzir uma espécie de álibi, o ex-presidente quer mesmo é se desvencilhar de culpa caso, no ato, se repitam as já conhecidas manifestações de ódio contra o ministro Alexandre de Moraes e o Supremo Tribunal Federal. Tudo para, depois, não ser acusado de seguir tramando contra as instituições.

Modus operandis

Quem conhece a lógica do ex-presidente sabe que, ao pedir que os participantes do ato não levem faixas e cartazes (o que, muito provavelmente, vai acontecer), ele não está exatamente preocupado com isso – muito pelo contrário, até reforçou a ideia. O “apelo” foi apenas uma maneira de se proteger de mais enroscos. Se ocorrerem os protestos, ele poderá dizer que orientou os seguidores em sentido oposto.

Recurso manjado

A tática de Bolsonaro de dizer ou fazer uma coisa enquanto espera outra já foi vista outras vezes. Por exemplo, após a derrota nas eleições presidenciais, enquanto os acampamentos na frente dos quartéis fervilhavam e maquinavam o 8 de janeiro, ele ficou recolhido e em silêncio no Palácio da Alvorada. Estava, diziam aliados, depressivo e com feridas infeccionadas em uma das pernas.

Maquinação

Apesar do sumiço da cena pública, seguia em permanente contato com seu estado-maior, que por sua vez tinha conexão direta com os acampamentos e, sabe-se agora, com os responsáveis pelo planejamento das invasões das sedes dos poderes em Brasília. Depois, já às vésperas dos ataques, viajou para os Estados Unidos. Ficou bem longe da cena do crime.

Espectativa

A essa altura, já é uma tática para lá de manjada: Jair Bolsonaro opera sempre para fazer parecer que não está pessoalmente metido nas grandes encrencas. Em tempo: o ex-presidente e seu entorno acreditam que conseguirão reunir meio milhão de pessoas na Paulista.

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