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Política

Procurador-geral é exonerado após suspeita de integrar ‘máfia dos precatórios’ que desviou milhões no AC

Denúncia contra procurador João Paulo Setti e presidente da OAB, Erick Venâncio, foi feita à PF pelo ex-procurador geral de Justiça do Acre, Edmar Azevedo Monteiro Filho. Exoneração foi anunciada nesta quarta-feira (3) pelo governador em exercício, Wherles Rocha

O procurador-geral do Estado, João Paulo Setti, foi exonerado nesta quarta-feira (3) pelo governador em exercício, Wherles Rocha. Setti e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Acre, Erick Venâncio, foram denunciados em um suposto esquema de lavagem de dinheiro, chamado de “máfia dos precatórios”.

A denúncia foi feita à Polícia Federal pelo ex-procurador geral de Justiça do Acre, Edmar Azevedo Monteiro Filho. O caso chegou à polícia em fevereiro deste ano, mas recentemente o termo de declaração com o relato do ex-procurador veio à tona. Conforme o documento, Filho chegou a levar o caso ao governador Gladson Cameli, que o orientou a procurar a polícia e formalizar a denúncia.

A exoneração de Setti deve ser publicada na edição de quinta-feira (4). O governador em exercício disse que caso já está sendo apurado em um inquérito da Polícia Civil.

“Longe de mim fazer qualquer juízo de valor ou julgar quem quer que seja, mas esse fato veio a público no momento que estou em exercício do governo do estado e esse momento exige uma resposta rápida. Conversei com membros da Procuradoria e entendi que, neste momento, para preservar a imagem da Procuradoria-Geral do Estado, um órgão que tem muita relevância na gestão do Estado do Acre é interessante afastar ou exonerar o procurador-geral que, segundo consta, estaria figurando com um dos envolvidos nessa situação”, disse o governador.

‘Estou tranquilo’, diz procurador

Rocha destacou ainda que é imprescindível o afastamento do procurador neste momento.

O procurador João Paulo Setti disse que foi comunicado sobre sua exoneração ainda nessa terça-feira (2) pelo gabinete de Rocha. “Sexta-feira [29], o conselho superior da Procuradoria-Geral do Estado já lançou nota de esclarecimento sobre isso, então se existem dúvidas, que sejam investigadas, sejam apuradas. Mas, estou muito tranquilo com relação a isso. Sou servidor público, meu cargo é demissível e tenho que respeitar a decisão, agora não pelas razões apontadas.”

Além da investigação, Rocha disse que determinou que a Corregedoria da Procuradoria acompanha o caso. Segundo o governador em exercício, há inquéritos nas polícias Civil e Federal.

02 rocha webMajor Rocha exonerou João Paulo Setti nesta quarta-feira (3) — Foto: Andryo Amaral/Rede Amazônica Acre

Como seria o esquema

Ao g1, o ex-procurador Edmar Filho disse que todos os pareceres da Procuradoria-Geral do Estado que envolvem recurso financeiro destinado a terceiro devem passar por auditoria.

“As instituições de investigação do estado, do poder público, têm que tomar providência o mais rápido possível. Sugiro que se faça um levantamento de todos os pareceres emitidos pela Procuradoria Geral, que envolvam recursos financeiros, para ver quem receber e porque recebeu. Lamentavelmente, a PGE precisa ser passada a limpo para a gente passar a acreditar”, disse o ex-procurador.

No relato feito à PF, Filho contou que teve conhecimento de que o esquema funcionava da seguinte forma: um grupo de pessoas do alto escalão do Estado, incluindo membros de todos os poderes, detinham de informações privilegiadas sobre o cronograma dos pagamentos dos precatórios, bem como dos pareceres jurídicos sobre eles. Com isso, os denunciados procuravam os beneficiados pelos valores que seriam pagos pelo Estado e compravam os precatórios por valores “irrisórios”.

A informação, segundo o denunciante, era que entre os envolvidos no esquema estavam o procurador-geral do Estado, o presidente da OAB-AC e outros advogados ligados a ele. Além disso, a empresa de contabilidade e assessoria empresarial da mulher de Erick Venâncio, teria a função de receber parte dos recursos de alguns precatórios.

Ainda segundo o documento, Filho relatou se fala “abertamente” por autoridades do alto escalão que já foi negociado mais de R$ 20 milhões em precatório pelo grupo. Há ainda a informação de que pessoas foram chantageadas para a venda dos referidos créditos.

Ele informou ainda que uma das motivações para o pedido de exoneração feito pela ex-secretária da Fazenda do Estado do Acre, Semírames Dias, foi por não concordar com os pagamentos dos precatórios.

Em nota, o presidente da OAB disse que assim que teve conhecimento das denúncias e de que o ex-procurador estaria divulgando a situação, entrou com uma queixa-crime contra ele por calúnia, difamação e denunciação caluniosa. Venâncio informou que a aquisição de precatórios são negócios jurídicos lícitos e que não existe sigilo sobre a programação de pagamento de precatórios. (Veja nota na íntegra abaixo)

montagem webJoão Paulo Setti [à esquerda] e Erick Venâncio {à direita] são suspeitos na chamada 'máfia dos precatórios' — Foto: Arquivo pessoal

‘Não pode ficar tirando procurador assim’, diz governador

A decisão de Rocha acirrou ainda mais o racha entre governador e vice, que vem se estendendo nos últimos anos. Gladson Cameli, que está em Glasgow, na Escócia participando da COP26, demonstrou preocupação com a exoneração do secretário e disse que vai avaliar melhor a situação.

“Espero que isso não seja de conotação política, assim que chegar no hotel vou ficar a par do assunto, mas ele não pode ficar tirando procurador dessa forma e espero que isso não seja para querer tumultuar a política do Estado”, disse.

Veja nota do presidente da OAB na íntegra

“Em março do corrente ano tive conhecimento de que um advogado, ex-procurador de Justiça, teria prestado declarações irresponsáveis perante a Polícia Federal (e estava a divulgá-las) denunciando uma suposta “máfia dos precatórios”, por meio da qual eu e diversas autoridades públicas “dos altos escalões do estado, incluindo-se aí membros de todos os poderes”, estariam adquirindo precatórios por valores irrisórios mediante chantagem, o que exemplificava com um processo no qual se discutiu uma cessão de créditos de parte de um precatório adquirido por uma empresa da minha familia em maio de 2018.

Imediatamente após tomar conhecimento de tais afirmações, como não poderia ser diferente a quem é inocente, ingressei com uma queixa-crime contra o mesmo, a fim de que fossem apuradas as suas condutas, notadamente no tocante aos crimes de calúnia, difamação e denunciação caluniosa;

A queixa-crime foi devidamente recebida pelo juízo da causa, que o fez “ante a existência de fortes indícios dos crimes narrados na inicial e dos documentos juntados aos autos”.

Contudo, em sede habeas corpus impetrado pelo querelado, a Câmara Criminal do TJAC entendeu que tal processo não poderia ter andamento enquanto não apurados os fatos narrados pelas autoridades competentes.

Agora, diante da deturpada abordagem dada ao fato, provocada por movimentações político-partidárias e político-institucionais, venho a público responder às absurdas informações prestadas pelo ex-procurador de Justiça, bem como buscar o restabelecimento da verdade, nos seguintes termos:

Em primeiro lugar, como sabe qualquer advogado, a aquisição de precatórios são negócios jurídicos absolutamente lícitos e corriqueiros, que dependem de homologação pelo Poder Judiciário, realizada após consulta de informações públicas fornecidas por este mesmo Poder em seu site (https://www.tjac.jus.br/adm/sepre/), bem como não demanda qualquer ato positivo, informação ou favor de qualquer órgão público;

A programação de pagamento de precatórios, por força de determinação do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça é firmada entre os poderes Executivo e Judiciário e divulgada de forma transparente, sem qualquer sigilo, de acordo com cronograma que deve ser fielmente seguido;

O crédito mencionado pelo “denunciante” não foi adquirido pela empresa da minha família por valores irrisórios ou mediante qualquer coação, pois a empresa foi procurada pela detentora do crédito, através de seus representantes, não tendo jamais buscado a cedente;

Realmente, após a aquisição, em agosto de 2019, foi pedido o bloqueio judicial do mesmo, cuja contestação se deu em razão do cálculo do seu valor, notadamente quanto à incidência ou não de Imposto de Renda no cálculo de compra do precatório, o que foi dirimido também em juízo via acordo entre as partes e liberados os respectivos créditos devidos às partes;

Tudo sob a supervisão judicial;

Lamento profundamente que algumas pessoas se utilizem de algo como isso para, em processo eleitoral, tentar jogar meu nome, de minha família e de outras pessoas na lata do lixo, com absoluto escárnio à nossa dignidade, ao princípio da presunção de inocência e a qualquer traço de empatia, tudo na sanha pelo poder político;

Não há de minha parte nada a esconder, nem mesmo o constrangimento ao qual eu e minha família fomos expostos em decorrência da utilização de uma desavença comercial com uma terceira pessoa, que inclusive compõe a chapa adversária e que após aqueles episódios sempre manteve comigo cordial relação (até a deflagração do processo eleitoral), que foi transformada, por atores cujos interesses políticos e/ou econômicos certamente serão revelados dentro em breve, num suposto esquema criminoso;

Naquilo que me cabe, com resiliência, apoio, peço e me coloco à inteira disposição de qualquer autoridade pública constituída para prestar todos os esclarecimentos necessários acerca dos fatos, como é minha obrigação e dever;

Acredito na Justiça dos homens, mas fundamentalmente na Justiça Divina. Nem tudo vale a pena pelo poder.”