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Política

Paulo Guedes não poderia ter feito o que fez’, diz relator do Orçamento, Marcio Bittar

Canceriano, senador diz que vai guardar ‘sentimentos’ do ministro, de quem ‘tinha admiração’; ele afirma que tudo o que foi feito no Orçamento tinha o aval da Economia, e que não é justo levar a culpa pela confusão que se formou

Apontado como um dos principais artífices da “maquiagem” no Orçamento de 2021, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), que relatou o projeto, diz ao Estadão/Broadcast que não chegou sozinho ao valor de R$ 29 bilhões em emendas e reafirma que o ministro da Economia, Paulo Guedes, sabia do acordo para destinar R$ 16,5 bilhões a emendas parlamentares e R$ 12 bilhões a ministérios. 

Para definir o papel de Guedes nas negociações, o relator do Orçamento resgata uma declaração do então deputado Fernando Gabeira sobre o conhecimento ou não do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao mensalão. “Ele é culpado porque sabia ou porque não sabia”, diz.

Bittar conta ainda nunca ter acreditado muito em horóscopo ou astrologia, mas diz que, quando leu sobre o seu signo, câncer, reconheceu a si mesmo. Aos cancerianos é atribuída a característica de guardar mágoas. Apesar disso, ele afirma que não deixará de apoiar a agenda do governo. “Não vou deixar de votar a matéria porque eu acho que alguém não foi muito correto comigo”, afirma. Confira os principais trechos da entrevista:

Economia e Congresso estão se acusando mutuamente pela responsabilidade no corte das despesas do Orçamento. Quem quebrou o acordo?

Eu fiquei calado nos primeiros dias. Se eu ficasse falando, falando, acabaria colocando mais lenha na fogueira de um governo que eu apoio. Mas eu precisava dizer apenas o seguinte: eu não cheguei ao número de R$ 29 bilhões (de emendas) por minha conta. Sempre foi uma demanda combinada do Executivo e do Legislativo. Essa demanda vinha desde o ano passado, quando eu era o relator da PEC emergencial (que autorizou uma nova rodada do auxílio) e do Orçamento. De um lado, você dá o suporte legal para que o presidente pudesse reeditar o auxílio emergencial com algum rigor fiscal. E para o Orçamento, era fundamental garantir os recursos para a saúde. Desses R$ 29 bilhões, quase R$ 9 bilhões são para a saúde. E também algum recurso para que serviços e obras não fossem paralisadas. Por mais que eu seja um liberal na economia, que eu entenda que o Estado deve entrar o mínimo possível na vida das pessoas, esses são os momentos em que ele tem de atuar. Esse número de R$ 30 bilhões sempre esteve na mesa. Tanto que eu dizia para todos: eu prefiro tirar do teto o programa de transferência de renda, que seria o Bolsa Família. Pronto, estava resolvido. Só que eu também não ia ficar brigando pela minha ideia. Decidiram fazer a Previdência (tirar os recursos), eu não estava no dia. Eu não fui na reunião. Eram R$ 16,5 bilhões, foi a decisão que tomaram.

 Quem tomou essa decisão?

Na reunião em que se decidiu cortar na Previdência estavam representantes do Paulo Guedes, o ministro (Luiz Eduardo) Ramos, representando o chefe do Poder Executivo, o presidente da Câmara (Arthur Lira), presidente do Senado (Rodrigo Pacheco), líder do governo (no Senado), Fernando Bezerra, e lá que se definiu isso. Eu só quis depois, num café da manhã que eu pedi, ouvir deles. E eles disseram. E depois foi vindo. A ideia do auxílio-doença (passar o pagamento às empresas) é um exemplo claro. Para entrar em vigor, exige uma medida provisória do governo. Como eu ia colocar lá a previsão de R$ 4 bilhões condicionada a uma MP que é do governo? Ia bolar isso da minha cabeça? E assim é o resto. O seguro-desemprego... O governo faz a conta que, editando o BEm (Benefício Emergencial, programa de redução de jornada e salário ou suspensão de contrato), vai evitar um índice maior de desemprego, e isso economizaria quase R$ 2,5 bilhões. Quem faz essa conta? Eu? Claro que não. A questão do abono, mesma coisa, o próprio conselho fez uma nova programação de pagamento. Mais R$ 7 bilhões. Eu não cheguei a número da minha cabeça, muito menos fui cortar da minha cabeça tudo isso que acabei de falar.

A informação é de que havia um acordo de R$ 16,5 bilhões para emendas e R$ 12 bilhões para ministérios. É isso mesmo?

É. Sempre tem, de última hora, algum apelo, pedido, mas o número sempre foi esse. Eu tinha uma admiração muito grande pelo ministro. Para mim é muito ruim ficar levando a responsabilidade de ter inventado o número e os cortes. Jamais eu faria isso. Não foi obra minha. Isso foi construído a todas as mãos.

O sr. está usando o passado porque não tem mais admiração?

Ah, olha, você viu o que aconteceu. No precatório foi a mesma coisa (proposta para limitar o pagamento de sentenças judiciais, que repercutiu mal no mercado). Claro que o precatório não foi ideia minha, foi da Economia. Colocaram na minha boca. Depois que passou a tormenta é que o ministro disse que tinha o DNA, sim, da Economia. Você acha legal? Agora, eu defendi, falei... Tudo eu fazia questão de correr lá com ele, porque eu sabia que era importante. Por exemplo, acabou a votação do segundo turno da PEC emergencial, fui correndo aonde ele estava. Aí, quando faz o relatório, a Economia vai dizer que aquilo não estava combinado? Ah, pelo amor de Deus...

O sr. vê a atuação de dois ministérios da Economia?

Se você perguntar “o ministro na sua presença demonstrou desconforto com o acordo de cortar na Previdência?”, eu vou responder sim. Só que, veja, você tem uma equipe. Quantas vezes ele apresentou a equipe dele para mim, nesses encontros todos para discutir PEC emergencial, gatilho, desindexação? E quantas vezes ele disse “tá aqui a equipe, à sua disposição”? Quantas vezes essa turma foi falar em nome dele comigo, e de repente não representa mais? Aí eu lembro da história da época do negócio do Lula (mensalão). Se o Lula sabia ou não sabia, essa era a discussão da época, até que o (Fernando) Gabeira, com quem eu fui deputado federal, disse: “Qual a diferença? Não tem diferença. Ele é culpado porque sabia ou porque não sabia”. Entendeu? De quem é a equipe? Não é dele? A equipe é dele.

Pessoas do Ministério da Economia participaram de reuniões com outros ministérios, como o do Desenvolvimento Regional, subsidiando de onde poderia tirar para viabilizar as obras?

Essa relação ficou patológica. Eu não quero ajudar a piorá-la. O que posso dizer é o seguinte: tudo era sabido, não tinha nada que fosse uma grande novidade. Tudo bem que, aprovado o Orçamento, alguém pode achar que pesou mais ali ou menos aqui. Mas, novidade? Eu ir me reunir com alguém e está o ministro fulano, e aí outro ministro achar ruim porque eu estou com o ministro fulano... Gente, qual é a pauta? Isso decepciona. Tudo o que eu conversei com a Economia não era segredo. Tem um monte de gente que participou. Tem técnicos do Congresso Nacional, documento que foi, documento que veio, falando dos assuntos. Tudo que está no relatório não era segredo, as equipes trocavam e-mails, trocaram informações.

O sr. enviou o ofício disposto a cancelar R$ 10 bilhões, que eram as emendas dos ministérios. Como fica o resto?

Olha, o meu problema pessoal encerrei ali (com o ofício). Inclusive, o ministro estava, o presidente da Câmara, o presidente do Senado, a Flávia (Arruda, agora ministra da articulação política), o ministro Ramos. E eu disse isso a eles. Já resolvi minha parte. Eu não estava arrumando R$ 1 bilhão, R$ 6 bilhões para mim. Eu estava atrás de arrumar aquilo que havia sido combinado, pelo menos R$ 10 bilhões para o governo. Se o próprio governo está dizendo que está inflado, está resolvido. Já assinei um documento propondo um corte de R$ 10 bilhões. Teve até gente que olhou para mim e disse: “Marcio, calma, pode ser que não precise cortar R$ 10 bilhões”. Eu disse: “Olha, já fiz isso, agora vocês resolvam o resto”. Tudo isso não precisava acontecer, eu acho um desgaste, em um momento tão grave do Brasil. Eu sou aliado do governo, um aliado que não pediu um cargo, nem da reunião para discutir cargo no Acre eu participei. O que eu disse para o coordenador da bancada é que tenho certeza de que vão escolher bem os nomes, eles vão me respeitar. Por que tem de ser eu que vou carimbar o cara do Incra, o cara não sei de onde? Meu apoio ao governo é pela agenda, e principalmente pela agenda que o Paulo Guedes representa. E por isso acho que ele não podia ter feito o que ele fez. Mas tudo bem.

O sr. disse ao “Congresso em Foco” que viu a questão como deslealdade...

Eu não vou negar, mas não quero repetir isso.

Se o corte precisar ser maior que R$ 10 bilhões, vai ser um acordo direto do governo com o Congresso?

É, com o Congresso. O tempo inteiro eu disse: prefiro tirar do teto o programa de renda de pessoas.

O presidente chegou a avalizar isso, correto?

Claro. Estava combinado comigo. Mas eu preferia isso, desde o ano passado. Demos dinheiro para todos os municípios, todos os Estados, aumentamos o Fundeb, tudo extrateto. Ninguém reclamou. Aí, para dar dinheiro para as pessoas comerem... A agenda econômica, por mim teria votado tudo, privatizado um monte de coisa. Mas não é assim que as coisas acontecem. E, aí, para você dar o mínimo para as pessoas que não têm, não pode ser extrateto? Pelo consenso, eu disse, que se não quisessem isso, o que construíssem eu apoiaria. A mesma coisa agora. Quero que as coisas deem certo. Eu apoiei o governo. Eu apoiei o Bolsonaro na pré-campanha. Se eu pudesse ter evitado isso tudo, que para mim é um desgaste desnecessário, eu teria evitado. Mas não depende de mim.

O sr. chegou a conversar com o presidente Bolsonaro após a aprovação do Orçamento?

Não. Também não o procurei. Mas não é porque estou bicudo. Está tudo bem. Agora, eles lá resolvam, com a Economia, com os presidentes da Câmara e do Senado.

Se vetar todas as emendas, o governo pode enfrentar dificuldades na relação com o Congresso?

Eu acho que não há por que o governo vetar tudo. Eu me senti seguro, pela qualidade dos técnicos do Congresso Nacional e da própria Economia, de assinar os cortes que eu assinei. Eu jamais faria um troço desse tamanho por minha conta e risco. Não há por que o presidente vetar tudo. Até porque como vai fazer com esse serviço que eu mencionei, vai parar? Vai parar o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional), vai parar a Infraestrutura? Nesse momento em que o Estado precisa, não tem como. O Estado parar obras, principalmente nas regiões mais pobres, é aumentar a fila do desemprego.

O sr. acha que esse episódio vai deixar cicatrizes na relação do governo com o Parlamento?

Posso falar por mim, só. Eu, infelizmente, sou canceriano. Eu não acreditava em nada disso (horóscopo), mas um dia fui ler e falei: “O cidadão que está escrevendo sobre o canceriano está falando a meu respeito”. Eu tinha uma relação com o Paulo de admiração. Meu filho ficou mais nervoso no dia em que o levei ele para perto do Paulo Guedes do que com o presidente da República. No ano passado, veio precatório, eu engoli. Melhor botar na minha conta do que na do ministro. Mas, agora, o Brasil inteiro dizendo uma semana inteira que eu aumentei, eu fiz o corte e não era para falar? Ah...

Dizem que canceriano guarda mágoas. É disso que o sr. está falando?

Sentimento. Sentimento. Tive uma relação com o ministro de sentimento. Sabe, eu gostava dele. Não era à toa que tudo que eu fazia eu corria lá, ligava para ele. Tudo, tudo, tudo, tudo, tudo. Tudo! Eu queria colocar uma PEC robusta, que tivesse tudo, inclusive a desvinculação. Ele próprio tirou. Ele queria, mas alguém da política disse: “Não vai passar”. É triste, é chato. Agora, não me dar uma ligação? Mas, claro, não vou deixar de votar em matérias. Minha relação, em primeiro lugar, é com a agenda. Não vou deixar de votar a matéria porque eu acho que alguém não foi muito correto comigo. Isso é outra coisa.