Órgão federal enviou representação argumentando que conteúdo publicado pelo vereador João Marcos Luz (PL) atribui à comunidade uma ‘agenda perversa’ e investe em pânico moral. No vídeo, apagado após determinação judicial, o vereador chamou seguidores para que fiscalizassem o evento
O Ministério Público Federal do Acre (MPF-AC) enviou uma representação à Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Acre (MP-AC) para que seja apurado possível crime de LGBTfobia pelo vereador João Marcos Luz (PL), derrotado nas eleições municipais deste ano.
O g1 tentou contato com o vereador, que disse que a acusação está ‘tomando por base divergências políticas e aparente advocacia para o movimento LGBTQIA+’. (Confira o posicionamento completo mais abaixo)
Na representação, o MPF pede que a conduta do parlamentar seja avaliada por conta de um vídeo publicado por ele em uma rede social antes da Parada LGBT+, que ocorreu no dia 1º de dezembro em Rio Branco.
No vídeo, o parlamentar aparece convocando a população de Rio Branco a fiscalizar a 17ª Parada do Orgulho LGBT+. Ainda no dia 1º, uma decisão da Vara do Juiz de Garantias determinou que o vereador e dois portais de notícias apagassem o vídeo.
O órgão federal argumenta que conteúdo publicado pelo vereador atribui à comunidade uma ‘agenda perversa’ e investe em pânico moral, e, por conta disso, pede que o MP analise uma possível ação penal contra Luz.
O procurador da República Lucas Dias ressaltou que, além do vídeo, Luz é autor de um projeto de lei que queria proibir a participação de crianças e adolescentes na parada. O projeto aprovado na câmara foi vetado pelo prefeito Tião Bocalom (PL).
“O pânico moral é um conveniente capital político. Ao pedir a seus seguidores que o apoiem na fiscalização de uma lei que sequer foi sancionada – e, posteriormente, vetada pelo Prefeito Municipal, o vereador se situa na posição de defensor da moralidade e projeta um grupo social, em contraponto, como a ameaça. Para isso, recorre a ideações estigmatizadas da população LGBTQIA+, incitando o ódio coletivo contra esse grupo”, destacou.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que declarações homofóbicas podem ser enquadradas no crime de racismo; pena é de 1 a 3 anos, podendo chegar a 5 em casos mais graves.
Lucas Dias também argumentou que tem sido comum a utilização de pânico moral contra a comunidade LGBT+ como pauta político-partidária, o que associa ao caso do vídeo do parlamentar. O procurador afirmou que Luz pediu à Superintendência Municipal de Trânsito (RBTrans) para revogar a autorização para interditar a via em que a concentração da parada aconteceria.
Ainda na recomendação, o MPF ressalta que já existem precedentes da suprema corte que diferenciam a atividade parlamentar de manifestações que vão contra o exercício da função legislativa, e por isso a conduta do vereador deve ser apurada.
“Raça e racismo existem como conceito político-social. A orientação sexual e a identidade de gênero das pessoas LGBTQIA+ são marcadores sociais que as fazem ser inferiorizadas de forma estrutural, sistemática e institucional ao longo da história. Enquadram-se, assim, em todos os elementos do racismo”, alegou.
Vereador alega que há distorções
O g1 entrou em contato com o vereador João Marcos Luz (PL), que mandou uma nota de esclarecimento na manhã desta sexta-feira (12) afirmando que a acusação é baseada em ‘divergências políticas e aparente advocacia para o movimento LGBTQIA+’.
Ele disse ainda que procurou advogados e recebeu apoio da Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras (Matria) para estudar a situação e ‘estudar possível responsabilização dos acusadores’.
“O texto divulgado pelo procurador traz distorções e pré-julgamentos, além de tentar gerar ódio baseado em interpretação equivocada. O PL [projeto de lei] de número 14, que foi vetado, busca a classificação etária, a exemplo da proibição de menores em bares, boates e shows já aplicada, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, jamais existiram falas para gerar qualquer discriminação ou violência”, complementou.
Ordem judicial
A Justiça do Acre determinou que o vereador João Marcos Luz (PL) e dois portais de notícias do estado apagassem um vídeo em que o parlamentar aparece convocando a população de Rio Branco a fiscalizar a 17ª Parada do Orgulho LGBT+, que ocorreu no dia 1º de dezembro.
O g1 entrou em contato com Luz na época, que afirmou ter seguido a determinação da Justiça. “O caso está sendo tratado pelo meu advogado”. Com 2.775 votos, Luz não conseguiu se reeleger vereador nas eleições deste ano.
Na decisão assinada pela juíza Eliza Aires do Rêgo, da Vara do Juiz de Garantias, foi determinado que o vídeo deveria ser retirado do ar no prazo de uma hora a partir da publicação da liminar, sob pena de multa de R$ 14 mil hora de atraso, com limite de até R$ 140 mil.
Outro ponto abordado é o pedido para fazer valer o PL que proíbe a presença de crianças e adolescentes no evento. o texto, de autoria de João Marcos, foi aprovado pela Câmara de Vereadores de Rio Branco no dia 13 de novembro, mas foi vetado por Bocalom.
O projeto é considerado inconstitucional, ou seja, não tem validade jurídica e com pareceres contrários dos ministérios públicos Federal e do Acre, além da própria Procuradoria da Câmara de Rio Branco.
A Justiça do Acre acolheu os argumentos da Defensoria, ressaltando o ‘conteúdo homofóbico e racista’ do vídeo.
“O vídeo ora divulgado é ofensivo e preconceituoso... O argumento da liberdade de expressão não pode ser utilizado como escudo para a propagação de atos ilícitos e discursos que disseminam o ódio e a intolerância contra grupos minoritários”, enfatizou a juíza.