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Política

Márcio Bittar diz que ligação do Brasil com o Peru via Juruá é projeto necessário

Senador defende abertura de estrada por cima da Serra do Divisor e lembra que discurso ambiental caducou porque vivemos como pobres na região mais rica do Brasil

A ligação rodoviária do Brasil com o Peru através do acre, na região do Juruá, é um projeto mais simples do que se pode imaginar e que seria perfeitamente viável se os dois países derem continuidade as tratativas que vêm acontecendo atualmente. A ligação seria o complemento da BR-364 até a cidade de Pucallpa, em território peruano, com a estrada passando por Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima e entrando na selva amazônica, sobre a Serra do Divisor, o início da Cordilheira dos andes.

Seria uma obra em torno de 250 quilômetros, com a metade dentro do território brasileiro. Naquela região, seria o local mais fácil para se transporte a Cordilheira, defende o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que está jogando todo o peso do mandato de senador da República para a realização da obra. Ele tem mantido contato com autoridades brasileiras, incluindo o presidente da República, Jair Bolsonaro, com o chanceler Ernesto Araújo e com os presidentes das comissões de relações exteriores da Câmara e do Senado.

As movimentações de Márcio Bittar sobre o assunto devem render, em novembro deste ano ainda, em Rio Branco, um encontro entre Bolsonaro e o presidente do Peru, Martín Vicara. A seguir, o senador Márcio Bittar fala com exclusividade ao jornal Página 20 e ao site Juruá em Tempo sobre a proposta.

Como é que o senhor chegou a este projeto de integração do Brasil com o Peru através do Acre, na região do Juruá? O senhor conversou com algumas pessoas, com instituições... como o senhor chegou à conclusão de que isso é necessário, como é nasceu isso?

Márcio Bittar – Na verdade, essa ideia nem é minha. É de vários acreanos que vêm falando disso e há muito tempo. O senador Jorge Viana sempre falou disso, enfim, a ideia originalmente não é minha.  Mas o fato é que agora as coisas vão acontecer. Para nós, do Brasil, é fundamental o acesso aos portos do Peru. O Brasil precisa acessar esses portos, que são do Peru. Então, o Brasil não tem como acessá-los sem que faça um acordo com o Peru. Por outro lado, o Peru, que tem os portos, não tem uma escala de produção. Sem uma escala de produção, como é que os peruanos vão vender alguma coisa para a China, que tem um bilhão e meio de pessoas? Como é que vai vender para a costa norte-americana?  Então, numa parceria com o Brasil e se estabelecer uma cesta de produtos que tenha mercado no mundo, os peruanos passam, então, a terem escala. É uma coisa que é interessante para o Brasil e para o Peru. O Peru deseja isso há anos.

politica 2Movimentações de Bittar sobre o assunto devem render, em novembro deste ano ainda, em Rio Branco, um encontro entre Bolsonaro e o presidente do Peru, Martín Vicara - Fotos: Agência Senado/Divulgação

O senhor chega à esta conclusão a partir do que? As autoridades manifestaram esse desejo ao senhor?

 Na visita que fizemos recentemente, a Lima, numa série de encontros do qual também participou o senador Sérgio Petecão (PSD-AC) e deputados federais do Acre e Rondônia, e reuniões com o embaixador do Peru no Brasil, isso ficou muito claro. Fizemos uma agenda de três dias e meio em Lima e ficou muito claro que eles têm interesse nesta parceria. Muito interesse. Logicamente é que o ideal é que esses dois países celebrem este acordo econômico, estabelecendo quebra de barreiras, de impostos, de burocracia alfandegária e crie uma situação de livre comércio entre os dois países, além de fazer as obras físicas, que passam, naturalmente, pelo complemento da BR-364 do Juruá até o Peru, onde vamos encontrar a Cordilheira...

Este é, ao que parece, o grande problema de uma obra desta envergadura: ultrapassar a Cordilheira dos Andes, que começa ali, em plena selva. O senhor acha a Cordilheira isso mesmo possível?

Há estudos que mostram que é mais fácil por lá do que por Assis Brasil. Por lá, a Cordilheira é muito mais alta e a rodovia muito íngreme, cheia de curvas e daí a dificuldades de passarmos com carretas, principalmente grandes carretas. Onde a Cordilheira é mais baixa é justamente ali no Juruá. Mas isso vai ser definido num estudo de viabilidade econômica.

O senhor acha que dar para furar a Cordilheira, passando com a estrada por dentro da montanha, ou simplesmente ultrapassando-a por cima?

Não sei. Não sou engenheiro e acho que devemos deixar isso para que estes profissionais respondam a isso. O fato é que a obra é possível e não é à toa que a China tem interesses nisso.

Estamos falando de uma obra de que tamanho, de quantos quilômetros?

Olha, do Brasil até lá seria algo em torno de 240 ou 250 quilômetros ao todo, até Pucallpa, no Peru. A partir disso, já teríamos acesso porque no Peru há uma parte pavimentada. Ao Brasil caberia fazer cerca de 125 quilômetros. É uma obra relativamente pequena no contexto de um acordo comercial entre dois países...

A China apoiaria esta ideia?

Creio que sim, principalmente no contexto econômico que estamos vivendo. Todos os países do mundo precisam comprar comida, principalmente a China. Isso é uma questão de necessidade. O país pode até não gostar do seu, por isso ou por aquilo, mas na hora de negociar, todos são obrigados a se sentarem. Um exemplo é a Rússia, que tem um ditador lá (Wladimir Putin), que está no poder desde a era de Boris Yeltsin, portanto há mais de 20 anos, e a Europa continua a comprar gás deles. Trata-se de um regime fechado que, no entanto, comercializa com o Oriente Médio, que também é um teocracia e que, não faz muito tempo, um jornalista da Arábia Saudita foi morto e esquartejado na Turquia, dentro da embaixada daquele país em território turco, e nem por isso foi suspensa a relação comercial da Arábia Saudita com os demais países, mesmo os mais democráticos deles. Enfim, a situação econômica se sobrepõe aos regimes. Na questão da segurança também. Nós sabemos que somos frágeis nas nossas fronteiras. Somos o único estado da Federação a fazer fronteira com dois países produtores de drogas – Bolívia e Peru –. Então um acordo entre o Brasil e o Peru, além das questões econômicas, envolveriam a segurança pública, a criação de uma força tarefa, melhoria nas relações de fronteira. É uma relação que nos interessa porque, nenhum argumento pode se manter em cima da pobreza desses povos amazônicos. Se você analisar a economia do Peru, vai encontrar números interessantes. O país cresce, há 19 anos consecutivos, a média de 4 a 5 por cento ao ano, e no entanto, quando se vai ao Peru, descobrimos que a parte mais pobre do país é exatamente a região amazônica deles, como é também no Brasil.

Um projeto desta natureza começaria em quantos anos?

Trata-se de um projeto que tem suas delicadezas. Há muitas comunidades indígenas, de cá e de lá, que estão no caminho, por onde o trajeto da estrada deve passar, precisam estar representadas neste debate de forma legítima, e que possam compreender com clareza que o processo de crescimento econômico e de prosperidade precisa alcançá-los e isso não pode ser feito em cima de pau e pedra. Como é uma obra de interesse bilateral de dois países não é uma coisa que demande muito tempo. Está programado, para debater esta questão, um encontro entre o presidente brasileiro e o peruano aqui em Rio Branco, no mês de novembro. Eu tenho trabalhado muito neste mandato no sentido de garantir que esta agenda aconteça. Se os presidentes se encontram aqui, evidentemente que eles terão que anunciar alguma coisa de concreto nesta relação, como a construção de um grupo de trabalho e coisas afins. O que eu posso dizer é que as autoridades brasileiras, que estão envolvidas com esta questão, estão também muito animadas.

O senhor conversou sobre isso com o presidente Jair Bolsonaro?

Ainda não. Nós tivemos vários encontros e eu só tive oportunidade de falar com ele sobre isso de passagem e não foi uma coisa mais profunda. De qualquer modo, ele sabe que o que estamos fazendo e ele está interessado e tem demonstrado apoio à ideia desde que tomou posse, tanto é que nosso chanceler, o Ernesto Araújo, está envolvido nisso.  Na semana que passou, o embaixador do Peru no Brasil nos chamou à embaixada para um almoço para abraçar os parlamentares que foram aquela missão lá no Peru. O Eduardo Bolsonaro, que é o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Federal, não pôde nos acompanhar, por causa de agenda. Mas foi conosco à embaixada peruana e eu consegui levar também o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Nelson Trad. O embaixador deixou claro a nós todos que há um clima muito favorável sobre isso.

O senhor acha que um projeto desta natureza vai beneficiar as pessoas mais pobres da região, como, por exemplo, de Mâncio Lima e Cruzeiro do Sul, cidades que ficam no caminho por onde a estrada vai passar?

Claro que vai. E não seria só o Juruá. Seria o Acre inteiro. Eu diria até que o país, nesta região Norte e Centro-Oeste, porque diminuíramos o tempo de transporte em busca de portos, como de Paranaguá, no Paraná, ou de Santos, em São Paulo. É uma opção nova e somos o Estado mais perto do Oceano Pacífico. Ou seja, estamos mais pertos do que ninguém. E qual é a nossa ficha número um, a que mais nos interessa? O Acre! Mas é uma alternativa nova de transporte para o país. Um país tem que ter várias alternativas. A do Acre é uma delas. É algo que ajuda todo mundo. Eu tive também, na semana que passou, com a Embrapa. O presidente me recebeu com todos os seus diretores. Eles têm estudos reais e concretos sobre as potencialidades da nossa região. Irei em Campinas (SP), onde eles têm um centro avançado onde há tudo sobre o Acre. Em seguida, virão ao Acre comigo e o restante da bancada, quem tiver interesse. Vão fazer aqui palestras de forma concreta e objetivas para mostrar coisas que eles já pesquisaram sobre coisas que temos condições de produzir.

O que, por exemplo?

Cacau, por exemplo! Trata-se de uma fruta produzida em regiões quentes, tropicais, como é a Bahia. O cacau, como o café, é uma cultura que pode ser produzida tanto em larga escala como em pequena escala, pela agricultura familiar. Eu tenho um primo, também chamado Márcio Bittar, que é um grande médico em Minas Gerais mas com o umbigo ligado à área rural por causa do pai dele, meu tio, que já morreu. Em Guaxupé, Minas Gerais, ele tem umas fazendas pequenas que têm uma produção de café muito grande. Eu fui lá ver. E me vi pensando lá, com uma certeza tristeza, ao me questionar por que não temos aquilo no Acre. Eu sou um sonhador. Quero ver o Acre prosperar. Meu primo me dizia – e é aí que você vai aprendendo: que a cultura do café, quando você produz acima de mil sacas, você é um grande produtor. Se banca, comprando máquinas que são caríssimas. Isso só vale à pena se você tiver de uma determinada produção para cima. Hoje, ou você ultrapassa uma grande quantidade de produção, ou você, nesta cultura, opta pela agricultura familiar. O Juruá já foi um grande produtor de café, pelo que estou informado. E por que nossos olhos se voltam para o Peru? Porque somos vizinhos, somos os primeiros mais perto deles. Se os produtores de Rondônia vierem por aqui para chegar ao Peru, têm andar quase mil quilômetros. Nós estamos aqui, ao lado. A lavoura, em qualquer escala, ela cansa o solo. A composição do solo é feita em qualquer lugar do planeta. Não há solo que suporte produzir anos e anos sem a devida recuperação. A vantagem disso é que, do lado peruano, nós temos fertilizantes de primeira qualidade, calcário e inseticidas. Lá há o que não temos aqui. Como nós estamos mais perto deles e é isso e o que nos viabiliza. A minha luta e o que vendo dizendo há anos e anos é que nós não podemos ficar em cima da tal da riqueza universal como pobres. Ou seja, a região mais pobre do Brasil é a nossa. O que estamos ganhando com isso. Então é preciso que exploremos, logicamente com cuidados, com rios e igarapés, com esgotos, que nós não temos também. Nós temos quer chegar num termo. Não dar mais para continuarmos assim.