A defesa do ex-presidente Lula entrou com habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (27)
, pedindo a suspeição dos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba. O pedido tem como base a troca de mensagens pelo aplicativo Telegram em que procuradores da Lava Jato ironizam a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia e o pedido do ex-presidente para ir ao velório de um irmão. As mensagens foram divulgadas pelo UOL e pelo site The Intercept Brasil.
“As mensagens reforçam a já evidente parcialidade, perseguição e desvios funcionais deles contra Lula e sua família”, diz a defesa do presidente.
O procurador da Lava Jato Januário Paludo ironizou a possibilidade de Lula ir ao enterro do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, que faleceu em 29 de janeiro deste ano por causa de um câncer. De acordo com a reportagem, o procurador Antônio Carlos Welter escreveu no Telegram que Lula tinha o direito de ir ao enterro do irmão, mas que não considerava a decisão viável. “Eu acho que ele tem direito a ir. Mas não tem como”. Januário Paludo responde: “O safado só queria passear e o Welter com pena”. Lula recebeu autorização do Supremo para ir ao enterro, mas a decisão ocorreu momentos antes do sepultamento, o que impediu a saída do ex-presidente.
A troca de mensagens também mostra a reação dos procuradores à notícia da morte de Marisa Letícia, em fevereiro de 2017, vítima de um AVC hemorrágico. “Um amigo de um amigo de uma prima disse que chegou ao atendimento sem resposta, como um vegetal”, escreveu o coordenador da operação, Deltan Dallagnol em chat no aplicativo de conversas.
Após a confirmação da morte encefálica da ex-primeira-dama, em 3 de fevereiro de 2017, a procuradora da República Laura Tessler sugeriu que Lula faria uso político da perda da mulher.
Depois da publicação de uma nota da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, sobre a agonia vivida por Marisa em seus últimos dias de vida ter sido compartilhada no grupo, a procuradora Laura Tessler, de Curitiba, refutou a possibilidade de o agravamento do quadro da ex-primeira-dama ter acontecido após busca e apreensão na casa dela e dos filhos e condução coercitiva de Lula, determinada pelo então juiz Sergio Moro no ano anterior.
“Ridículo... Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão... ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula”, afirma Laura.
Na mesma conversa, Januário Paludo colocou sob suspeita as circunstâncias da morte de Marisa Letícia. “A propósito, sempre tive uma pulga atrás da orelha com esse aneurisma. Não me cheirou bem. E a segunda morte em sequência”, diz ele, sem especificar à qual outra morte se referia.
Paludo já havia levantado a mesma suspeita em resposta a comentário feito por Dallagnol em 24 de janeiro e 2017, quando o coordenador da força-tarefa contou que Marisa tinha chegado bastante debilitada ao hospital. “Um amigo de um amigo de uma prima disse que Marisa chegou ao atendimento sem resposta, como vegetal”, afirmou Dallagnol. Paludo reagiu à frase dizendo: “Estão eliminando as testemunhas”.
Um dia após o enterro de Marisa, quando Lula atribuiu o AVC da mulher a uma perseguição da Lava Jato, o procurador Antônio Carlos Welter disse que “a morte da Marisa fez uma martir [sic] petista e ainda liberou ele pra gandaia sem culpa ou consequência politica”.
A morte de Marisa também foi comentada por outros integrantes do MPF em chats no Telegram. Ainda em 4 de fevereiro, a procuradora da República Thaméa Danelon, da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, criticou a participação da procuradora Eugênia Augusta Gonzaga no velório da ex-primeira-dama, o que, para ela, equivaleria a ir ao enterro da “esposa do líder de uma facção do PCC”.
“Olhem quem estava no velório da Ré Marisa Leticia”, escreveu às 14h07 no grupo Parceiros/MPF - 10 Medidas, ao citar fotografia de Eugênia na cerimônia. Outros procuradores questionam qual seria o problema da presença no velório de Eugênia Gonzaga, que chefiou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos de 2014 até o começo de agosto.
“Acho um desrespeito ao Janot e a todos os colegas envolvidos na LJ. Além disso, demonstra partidarismo. Algo q temos q evitar Apenas isso. Abraços”, respondeu Thaméa às 15h16. Ela se referia a Rodrigo Janot, então procurador-geral da República. “É como um colega ir ai enterro da esposa do líder de uma facção do PCC. No mínimo inapropriado”, comparou.
“Estratégia de humanizar”
Os procuradores também comentaram o pedido de Lula para ir ao enterro do neto Arthur Araújo Lula da Silva, de sete anos, falecido em março. Dallagnol compartilhou com os colegas notícia sobre um telefonema trocado entre Lula e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em que o ex-presidente teria se emocionado.
O procurador Roberson Pozzobon comentou: “Estratégia para se ‘humanizar’, como se isso fosse possível no caso dele rsrs”. No chat Winter is Coming, no mesmo dia, a procuradora Monique Cheker, que atua em Petrópolis (RJ), comenta a fala de Lula durante a despedida do neto. No enterro, Lula afirmou que Arthur havia sofrido bullying na escola por ser seu neto e prometeu provar que não havia cometido irregularidades. “Fez discurso político (travestido de despedida) em pleno enterro do neto, gastos públicos altíssimos para o translado, reclamação do policial que fez a escolta... vão vendo”, diz Monique Cheker.
A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba informou que não poderia se manifestar sem ter acesso integral às conversas. Já as procuradoras Thaméa Danelon e Monique Cheker também não quiseram se manifestar.