Na manhã desta sexta-feira (30), a Assembleia Legislativa do Acre (Aleac), promoveu uma importante audiência pública para discutir a via de acesso que liga os municípios de Cruzeiro do Sul e Porto Walter. O debate é fruto do requerimento nº 99/2024 apresentado pela Mesa Diretora da Casa.
A audiência, que foi conduzida pelo presidente da Aleac, deputado Luiz Gonzaga (PSDB), contou com a participação de autoridades, lideranças comunitárias, representantes do governo e de instituições, que apresentaram diferentes perspectivas sobre as dificuldades enfrentadas na região e as possíveis soluções para melhorar a conectividade entre os municípios.
O acesso entre Cruzeiro do Sul e Porto Walter é uma questão de grande relevância para a população local, impactando diretamente o desenvolvimento econômico, o transporte de produtos e o acesso a serviços essenciais. Durante a audiência, foram discutidas alternativas e propostas para a melhoria das condições da via, buscando soluções que atendam às necessidades dos moradores e contribuam para o crescimento da região.
Na abertura da audiência pública, o deputado Luiz Gonzaga destacou a importância do evento para buscar soluções concretas para os problemas enfrentados pela população da região. “Estamos aqui para ouvir todos os interessados e encaminhar as medidas necessárias para solucionar os problemas que têm afetado significativamente os moradores dessas cidades. É fundamental que juntos encontremos uma solução para melhorar a qualidade de vida dessas comunidades.”
O prefeito de Porto Walter, Cérsar Andrade, destacou a importância da união entre as autoridades e a comunidade para resolver as dificuldades enfrentadas pelos municípios da região, especialmente o município que governa. Ele agradeceu a presença dos senadores, deputados e representantes do Ministério Público, mencionando que a cidade tem enfrentado sérios problemas devido ao fechamento de um ramal em 2021, o que tem afetado diretamente a educação e o abastecimento de merenda e combustível nas áreas rurais. “Estamos aqui hoje pedindo a união de todos, para que juntos possamos tirar Porto Walter do isolamento. Sabemos que não é fácil, mas nada é impossível.”
Em sua fala, o líder da Bancada Federal do Acre, senador Alan Rick (União Brasil), destacou a necessidade urgente de encontrar soluções práticas para os problemas de isolamento enfrentados pelos municípios da Amazônia. Ele mencionou que a região está sofrendo com o isolamento e que “é preciso sair daqui hoje com um encaminhamento prático e definitivo para resolver o problema”. O senador ressaltou que a questão não afeta apenas Porto Walter, mas também outras cidades como Marechal Thaumaturgo, Jordão e Santa Rosa, e propôs um termo de ajustamento de conduta (TAC) para que todos os órgãos competentes apresentem planos de trabalho que permitam o avanço das obras essenciais.
Além disso, o senador comentou sobre a importância de dois projetos de lei que tramitam no Senado e que podem ter um impacto significativo na Amazônia: o PL 21.59221, que trata do licenciamento ambiental, e a regularização fundiária. Ele sublinhou que “o agro necessita urgentemente dos programas de regularização fundiária para que o nosso pequeno agricultor, o nosso assentado tenha direito a produzir e acesso ao crédito, ter direito ao documento da sua vida”. Alan Rick enfatizou também a necessidade de aperfeiçoar a legislação para melhorar as condições de licenciamento de obras fundamentais para o desenvolvimento da região.
A vice-governadora Mailza Assis destacou a importância da estrada para a população de Porto Walter e Marechal Thaumaturgo, enfatizando as dificuldades enfrentadas durante a seca. Ela reconheceu os desafios legais e ambientais na construção, mas ressaltou a necessidade urgente da infraestrutura para garantir o direito de ir e vir das pessoas. Em seu discurso, Assis afirmou: “Nós não podemos nos curvar diante das dificuldades, pois a população de Marechal Thaumaturgo, com mais de 11 mil habitantes, precisa dessa estrada para garantir seu acesso e deslocamento, especialmente quando o rio não é uma opção viável.”
Apelo dos moradores das regiões afetadas
Um vídeo apresentado durante a audiência pública trouxe um apelo urgente dos moradores de Porto Walter e Marechal Thaumaturgo, que destacaram a importância crucial da estrada que liga esses municípios ao restante do Vale do Juruá. As imagens relembraram o entusiasmo da população em 2022, quando a estrada foi inaugurada, retirando a região do isolamento. No entanto, a alegria foi rapidamente substituída pela frustração, com o embargo da via devido a questões ambientais. Apesar dos impactos ambientais apontados, é argumentado que eles foram mínimos em comparação aos benefícios trazidos pela estrada, que se tornou essencial para a sobrevivência das comunidades locais.
O vídeo destacou os desafios enfrentados pelos moradores em virtude do embargo, como o aumento dos preços dos produtos essenciais, dificuldades de transporte e os perigos de viajar pelo rio, especialmente durante o período de cheia. A estrada, ainda que embargada, tem sido utilizada pela população como uma alternativa vital, reduzindo o tempo e o sofrimento nas viagens, inclusive para indígenas que vivem na região. O clipe reforçou que, para muitos, a via representa a diferença entre o isolamento e o acesso à saúde, educação e bens de consumo, sendo uma verdadeira questão de sobrevivência para todos na região.
Posicionamento do Ministério Público Federal
O Procurador Lucas, representante do Ministério Público Federal (MPF), defendeu a atuação do órgão no caso envolvendo o embargo da estrada que liga Porto Walter aos municípios do Vale do Juruá, destacando a necessidade de cumprir as normas legais para a construção de obras com impacto ambiental e em terras indígenas. “Estamos cientes das dificuldades enfrentadas pela população devido ao isolamento da região, mas a estrada foi aberta sem os devidos estudos de impacto ambiental e sem as autorizações necessárias de órgãos federais, como o IBAMA, o que contraria a legislação vigente”, afirmou.
Lucas ressaltou que o MPF não se opõe à construção de infraestruturas que melhorem a qualidade de vida da população, desde que realizadas em conformidade com a lei. “A legislação brasileira exige que qualquer intervenção em terras indígenas ou áreas de preservação ambiental seja previamente autorizada por órgãos competentes, o que não ocorreu no caso em questão”, explicou o Procurador, apontando que a Prefeitura de Porto Walter prosseguiu com as obras mesmo após ser notificada das irregularidades.
Por fim, o Procurador Lucas destacou o compromisso do MPF em garantir que o desenvolvimento ocorra de forma sustentável e legal, respeitando os direitos das comunidades indígenas e o meio ambiente. “Nosso objetivo é encontrar soluções viáveis que atendam às necessidades da população sem desrespeitar as normas constitucionais. Estamos abertos ao diálogo, desde que dentro dos parâmetros legais, para que futuras decisões sejam tomadas de maneira responsável e sustentável”, concluiu.
Posicionamento do Deracre
Leidiane Silva, chefe do Núcleo de Meio Ambiente do Departamento de Estradas de Rodagem, Infraestrutura Hidroviária e Aeroportuária (Deracre), afirmou que, desde 2019, o órgão tem seguido rigorosamente os procedimentos legais para o licenciamento de um projeto, que inclui a solicitação de anuências junto ao ICMBio e à FUNAI.
Ele destacou que “em nenhum momento a gente fez algum projeto interferindo terras indígenas ou unidade de conservação”, embora tenha reconhecido que houve “alguns equívocos na execução” por falta de acompanhamento técnico, resultando em cortes dentro das terras indígenas. Ressaltou ainda, que o Deracre não tem medido esforços para corrigir esses equívocos, inclusive buscando recursos para realizar o plano de mitigação indígena exigido pela FUNAI.
A representante também enfatizou a importância da estrada para as comunidades locais, especialmente durante períodos de seca, e solicitou o apoio dos deputados para concluir o plano de mitigação indígena, essencial para a regularização do licenciamento. Segundo ela, o Deracre está comprometido em cumprir todos os requisitos ambientais e garantir benefícios tanto para os indígenas quanto para a população de Porto Walter e Marechal Thaumaturgo.
Parecer do Ibama
Melissa de Oliveira, superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), destacou a importância do cumprimento das normas ambientais para garantir que o desenvolvimento seja sustentável. “Em 2015, durante uma fiscalização, identificamos um desmatamento irregular na região, o que resultou na autuação e embargo da área por falta de licença adequada para a abertura de uma estrada”, explicou, ressaltando a seriedade das infrações ambientais cometidas.
Melissa também mencionou o papel do Ibama na regularização das atividades na área. Segundo ela, o licenciamento ambiental da estrada em questão é um processo complexo, que exige o envolvimento de várias instituições para assegurar que todas as normas sejam seguidas. “Temos trabalhado em cooperação com o Deracre e o Ministério Público Federal para garantir que a área embargada seja isolada e recuperada, conforme o termo de compromisso assinado em julho deste ano”, afirmou.
A superintendente destacou, ainda, a necessidade de um novo processo de licenciamento para a continuidade das obras, enfatizando que a estrada terá impactos tanto positivos quanto negativos. “Precisamos avaliar cuidadosamente esses impactos, ouvindo as populações envolvidas e implementando medidas de mitigação que possam minimizar os efeitos negativos no meio ambiente e nas comunidades locais”, concluiu.
Encaminhamento final
Ao final da audiência, ficou estabelecido que na próxima segunda-feira (02), será realizada uma reunião com todas as autoridades competentes na sede do Poder Legislativo. Na ocasião, serão apresentados os documentos necessários e os desdobramentos do debate de hoje. Também serão assumidos pactos, a fim de que se estabeleçam acordos e metas para assegurar que sejam cumpridas pelas instituições responsáveis, que deverão apontar um rumo que garanta um desfecho para o licenciamento da construção do acesso dos municípios.
Também participaram da audiência pública os senadores Sérgio Petecão e Márcio Bittar; o superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Ricardo Araújo; deputados federais coronel Ulysses e Zezinho Barbary; desembargador Luís Camolez e prefeitos do interior do Estado.