Em três semanas, Europa e EUA já confirmaram 190 registros, uma morte e 17 transplantes de fígado associados à doença, que ainda não tem causa definida
O recente surto de hepatite aguda misteriosa pode ser apenas “a ponta do iceberg”, acredita o professor Simon Taylor-Robinson, hepatologista do Imperial College London. A doença já afetou cerca de 190 crianças e adolescentes em vários países, de acordo com dados mais recentes do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças.
Em entrevista ao jornal britânico Daily Mail Online, o especialista disse acreditar que há mais casos ainda não relatados, dado o “número bastante alto” de transplantes que ocorreram para a quantidade de casos detectados da doença. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, até o momento, pelo menos 17 crianças necessitaram de transplante de fígado — 10% das diagnosticadas com a doença — e pelo menos uma morreu.
Taylor-Robinson acredita, no entanto, que os casos ainda não relatados sejam menos graves e, por isso, não tenham sido notados pelos pais das crianças. A icterícia — o amarelecimento da pele ou dos olhos, um sinal revelador de doença hepática — foi detectada em menos da metade das crianças doentes. Outros sintomas, como náuseas, diarreia, letargia e dores de estômago são geralmente atribuídos a outras doenças, como intoxicação alimentar ou norovírus.
O boletim mais recente da OMS sobre o surto de hepatite em crianças, publicado no dia 21 de abril, aponta 169 casos identificados em 11 países europeus e nos EUA. Os diagnósticos estão divididos da seguinte maneira: Reino Unido (114), Espanha (13), Israel (12), Estados Unidos da América (9), Dinamarca (6), Irlanda (5), Holanda (4), Itália (4), Noruega (2), França (2), Romênia (1) e Bélgica (1). Os pacientes têm idades que variam de 1 mês de vida a 16 anos. Os primeiros casos começaram a ser relatados no começo de abril.
Possíveis causas da hepatite misteriosa em crianças
A síndrome clínica entre os casos identificados é a hepatite aguda (inflamação do fígado) com enzimas hepáticas acentuadamente elevadas. Muitos casos relataram sintomas gastrointestinais, incluindo dor abdominal, diarreia e vômitos antes da apresentação com hepatite aguda grave e aumento dos níveis de enzimas hepáticas e icterícia. A maioria dos casos não apresentou febre. Os vírus comuns que causam hepatite viral aguda (vírus da hepatite A, B, C, D e E) não foram detectados em nenhum desses casos. Viagens internacionais ou links para outros países com base nas informações atualmente disponíveis não foram identificados como fatores.
O adenovírus foi detectado em pelo menos 74 casos e, do número de casos com informações sobre testes moleculares, 18 foram identificados como F tipo 41. O Sars-CoV-2 (coronavírus) foi identificado em 20 casos dos testados. Além disso, 19 foram detectados com uma co-infecção por Sars-CoV-2 e adenovírus.
A OMS afirma que ainda não está claro se houve um aumento nos casos de hepatite ou um aumento na conscientização sobre casos de hepatite que ocorrem na taxa esperada, mas não são detectados. Embora o adenovírus seja uma hipótese possível, as investigações estão em andamento para o agente causador.
Especialistas têm analisado o impacto da pandemia de Covid-19 no surgimento deste surto. Alguns médicos estão associando o tempo prolongado dentro de casa devido à emergência de saúde a um possível enfraquecimento do sistema imunológico das crianças. O isolamento teria impedido que os pequenos fossem expostos a infecções comuns em seus primeiros anos de desenvolvimento dos sistemas de proteção do corpo.
O Reino Unido, onde a maioria dos casos foi relatada até o momento, observou recentemente um aumento significativo nas infecções por adenovírus na comunidade (particularmente detectada em amostras fecais em crianças) após baixos níveis de circulação no início da pandemia de Covid-19. A Holanda também relatou um aumento simultâneo da circulação de adenovírus na comunidade.
No entanto, devido a testes laboratoriais aprimorados para adenovírus, isso pode representar a identificação de um resultado raro existente ocorrendo em níveis não detectados anteriormente e que agora está sendo reconhecido devido ao aumento dos testes, avalia a OMS.