A expectativa é que nos próximos 18 meses os transtornos mentais cresçam mais do que qualquer outro e gerem mais despesas
Em 2017, quando trabalhava numa multinacional, o carioca Wilbert Acioli foi parar numa emergência hospitalar com sintomas de infarte. Com o passar das semanas, entendeu que estava atravessando um burnout e após alguns meses pediu demissão. Mal sabia ele que, cinco anos depois, estaria trabalhando como gestor emocional — assim se define —, com lista de espera de pacientes que, na mais recente onda da pandemia de Covid-19, chegaram ao seu limite emocional.
Hoje, Wilbert atende pessoas — inclusive ex-colegas de trabalho — com sintomas de ansiedade, depressão e exaustão e faz palestras e cursos sobre o que muitos consideram uma pandemia dentro da pandemia. No Brasil e em toda a América Latina, os transtornos mentais se tornaram um drama para o qual a sociedade está olhando cada vez mais e diante do qual ainda está reagindo, segundo especialistas, com dedicação aquém do tamanho do problema.
A opinião praticamente unânime dos que trabalham com saúde mental é que, nesse aspecto da pandemia, o pior está por vir.
— Não se pode mais ignorar os transtornos de saúde mental. Existem cada vez mais empresas que fornecem serviços de assistência psicológica ao mundo corporativo. Nos próximos meses veremos uma explosão de casos — diz a argentina Stella Maria Sanyan, diretora da área de saúde da consultoria internacional Williams Towers Watson (WTW).
Conforme pesquisa realizada no ano passado pela WTW, na qual foram entrevistados representantes de empresas de saúde em todo o mundo, a expectativa é que nos próximos 18 meses os transtornos mentais cresçam mais do que qualquer outro e gerem mais despesas.
O alerta também foi feito pela Organização Pan-americana de Saúde, que assegurou ser “preciso fortalecer as respostas de saúde mental à Covid-19 com apoio psicossocial”. O documento mostrou que 4 em cada 10 brasileiros desenvolveram ansiedade no ano passado.
O momento é crítico, concorda Tatiana Pimenta, fundadora do aplicativo Vittude, criado em 2016 para conectar pacientes com profissionais de saúde mental. Tatiana sofreu depressão em 2012, e sua péssima experiência com planos de saúde a levou a criar uma ferramenta que ajuda as pessoas de todo o Brasil a encontrarem a melhor maneira de tratar seus transtornos. Há dois anos, a Vittude tinha sete clientes corporativos e hoje tem mais de 150, claro sinal, diz ela, de que os empregadores estão começando a se preocupar com a saúde mental de seus trabalhadores.
— Estamos avançando, mas ainda tem muito a ser feito. A demanda aumentou muito, mais ainda depois da última onda, e a saúde mental passou a ser um benefício muito requerido em todos os ambientes de trabalho — afirma.
Um dos ambientes onde o número de pessoas com transtornos mentais se multiplicou é o das escolas. Gilmar Carneiro, que trabalha como coach de psicologia positiva em estabelecidos de ensino do estado do Rio, percebe como a pandemia afetou, além dos alunos, os professores e trabalhadores da área.
— As pessoas se sentem desamparadas, cansadas e sem saber lidar com as incertezas. Muitos estão exaustos de se sentirem mal, outros enfrentam dificuldades para voltar às salas de aula.
A prevenção como caminho
À frente do Instituto Felicidade Agora é Ciência, Andrea Perez aposta na psicologia positiva para formar profissionais que atuem, principalmente, na prevenção.
— Consideramos que estamos diante de uma quarta onda das consequências da pandemia e dos transtornos mentais causados pelas infecções de Covid, lutos, falta de emprego, problemas em casa e econômicos. Meu foco é a prevenção, através de mecanismos que ajudem as pessoas a evitar adoecer ou, em caso de sentir alguns sintomas, enfrentar melhor os transtornos — explica.
Um de seus mantras é “não romantizar as emoções positivas”.
— Vivemos o que eu chamo de neoliberalismo da felicidade. Essa ideia de que as emoções positivas resolvem tudo e que somos os grandes responsáveis por mudar o mundo está, a meu ver, errada. Podemos fazer muitas coisas, mas todos precisamos de ajuda e precisamos reconhecer nossas vulnerabilidades. A tristeza faz parte — explica.
Aos 49 anos, Losane Alvez está aprendendo a administrar suas emoções. Ela trabalha como coordenadora de recursos humanos num escritório de São Paulo e, depois de um burnout em 2021, compreende melhor o problema e ajuda colegas em situação similar. Ela acredita que hoje existe mais consciência sobre a importância de acompanhar pessoas com transtornos mentais, mas ainda persistem muitos preconceitos.
—Vejo pessoas com crises de ansiedade pela demanda de voltar ao presencial. Os próximos meses serão difíceis — reconhece Losane.
A mais recente onda da pandemia pegou muitas pessoas com saúde mental quase sem fôlego. Uma das coisas que Wilbert Acioli mais percebe em suas consultas é a falta de esperança. Ao medo de adoecer, somou-se o temor de perder o emprego, de ter dificuldades financeiras, não conseguir superar problemas conjugais e por aí vai. A lista dos pensamentos negativos que geram ansiedade e demais transtornos mentais é longa.
A consciência sobre a necessidade de levar o tema a sério está crescendo. Mas são, segundo todos, apenas os primeiros passos de uma longa caminhada.