Comando entendeu que, ao atirar em estudante durante briga no interior do Acre em 2021, sargento manchou o nome da instituição. Decisão, publicada nesta quinta-feira (9), tem efeito retroativo
A Polícia Militar decidiu expulsar o 3º sargento Erisson de Melo Nery da instituição “à bem da disciplina”. O ex-militar responde criminalmente pela morte de um adolescente de 13 anos em 2017 e também por ter atirado contra um estudante durante briga em um bar da cidade de Epitaciolândia. A exclusão foi publicada nesta quinta-feira (9), mas tem efeito retroativo a partir de 26 de janeiro.
A PM entendeu que o militar feriu a conduta ao atirar no estudante Flávio Endres durante uma briga em 2021 em uma casa noturna no interior do Acre.
Os dois processos contra Nery ainda não foram julgados e ele segue preso no Batalhão de Operações Especiais (Bope).
A decisão, segundo o decreto, é baseada na lei complementar nº 164/2006, que rege o Estatuto dos Militares do Estado do Acre. “Considerando que o policial militar foi submetido à junta de inspeção de saúde, resolve excluir, à bem da disciplina, o 3º SGT PM RG 4058 Erisson de Melo Nery das fileiras da Polícia Militar do Estado do Acre”, destaca a decisão assinada pelo comandante geral da PM, Luciano Dias Fonseca.
A exclusão acarreta a perda de seu grau hierárquico e não o isenta das indenizações dos prejuízos causados à Fazenda Nacional ou a terceiros, nem das pensões decorrentes de sentença judicial. O g1 entrou em contato com a defesa de Nery e aguarda retorno.
Imagem da PM
O coronel Rômulo Modesto, corregedor geral da Polícia Militar, explica que a expulsão de Nery foi porque a atitude dele, de repercussão nacional, manchou o nome da instituição. Destacou ainda que essa é uma decisão administrativa dentro do preconiza o estatuto militar e que é independente do processo que ele responde na esfera criminal do Judiciário.
“Foi notório que houve uma situação envolvendo o policial militar em uma casa noturna na cidade de Epitaciolândia e isso tomou uma proporção a nível nacional. Houve, obviamente, medidas criminais que foram adotadas naquele momento e o Comando da Corporação, vendo que a imagem institucional foi maculada naquele momento pelo policial militar de folga, optou pela abertura do conselho de disciplina, que serve para julgar a condição do militar de permanecer nas fileiras da corporação”, disse.
Três oficiais presidiram a análise que durou todo o ano de 2022. Após isso, o relatório foi submetido ao Comando Geral da corporação, que homologou a decisão do conselho, que decidiu pela exclusão do militar.
A partir de agora, o fardamento, a carteira funcional e outros objetos devem ser recolhidos e o militar deve sair da folha de pagamento do estado.
“É um processo demorado, porque temos que primar pela condição de defesa desse policial militar acusado, então o direito ao contraditório e ampla defesa deve ser observado”, destaca o corregedor, que também lamentou a decisão, mas disse que é uma forma de mostra à população que a PM cumpre o que estabelece o estatuto.
“Difícil tomar essa atitude de exclusão, mas a corporação tem que zelar pelo nome da instituição e nessa vertente os policiais que compuseram o conselho acharam por bem assim, tendo em vista que o bem maior é a imagem da instituição”, finaliza o coronel.
Decisão ilegal, diz defesa
O advogado de defesa do militar, Matheus Moura, disse que vai levar a decisão da PM para o Judiciário, uma vez que a considera ilegal. “Trata-se de exclusão totalmente ilegal, a qual há vício em seu núcleo. Ressalta-se que o sargento Nery sequer passou por inspeção médica de saúde para a sua dispensa (como se fosse exame demissional). Dessa forma, há ilegalidade formal e material nessa decisão de exclusão, a qual hoje [quinta,9] ainda será levado ao Poder Judiciário para ser sanado essa decisão teratologica. Como pode um trabalhador ser excluído sem ter passado por uma inspeção médica?!”, questionou.
Moura destacou ainda que foi pego de surpresa com a decisão e acredita que a Justiça deve revertê-la. “Hoje o sargento Nery possui inúmeros problemas psíquicos, faz uso de medicação contínua, e está sendo acompanhado por médico psiquiatra e psicólogo devidamente autorizados pela magistrada.”
Conhecido por trisal
A história de Nery teve grande repercussão em junho de 2021, quando ele assumiu viver um trisal ao lado da também policial militar Alda Nery e da administradora Darlene Oliveira. Os três chegaram a criar um perfil nas redes sociais para compartilhar o dia a dia.
“Como a gente gosta dela e ela gosta da gente, íamos sair e dizer que ela é o que nossa? Minha amiga, minha prima? E as pessoas viriam dar em cima dela e a gente ia ficar com a cara mexendo? Então, se gostamos o suficiente para estar com ela, tem que gostar para assumir para a sociedade porque ela nunca foi só sexo”, explicou Alda na época.
Cinco meses depois, o trisal estava no bar quando iniciou a briga e o sargento acabou atirando no estudante. Na época, Nery chegou a falar que agrediu e atirou em Flávio Endres, porque ele tinha assediado Alda.
“O cara molestou minha esposa e ela foi tomar satisfação imediatamente. Mas, ele deu um murro na cara da Alda que ela caiu apagada e com a boca cortada. Aí quando eu vi ela daquele jeito, fui atrás do cara. Lá fora entramos em luta corporal e eu atirei nele. Foram dois disparos, todos pegaram nele. Ele está estável e foi transferido para Rio Branco”, alegou na época.
Adolescente morto
Em um processo, Nery é acusado da morte do adolescente Fernando de Jesus, de 13 anos, em 2017, quando tentou furtar casa do sargento, em Rio Branco. Ele foi denunciado em julho de 2021 pelo Ministério Público do Acre (MP-AC) pelos crimes de homicídio e fraude processual e a denúncia foi aceita um dia depois pela Justiça.
O processo tramita na 1ª Vara do Tribunal do Júri. Além de Nery, o policial militar Ítalo Cordeiro também responde no processo por fraude processual.
Conforme a denúncia, na manhã do dia 24 de novembro de 2017, Nery matou o adolescente com pelo menos seis tiros, no intuito de “fazer justiça pelas próprias mãos”. O caso ocorreu no conjunto Canaã, bairro Areal.
O adolescente teria ido com outros dois homens, não identificados, furtar a casa do então cabo da Polícia Militar. E, ao perceberem a chegada de uma viatura da polícia, os dois maiores de idade conseguiram pular o muro e fugir, enquanto que Fernando de Jesus foi deixado para trás pelos comparsas e acabou morto pelo policial.
Após o homicídio, ainda segundo a denúncia, Nery e o colega Cordeiro alteraram a cena do crime, lavando tanto o corpo da vítima quanto os arredores do local onde estava caído, para poder alegar que agiu em legítima defesa.
Os militares teriam ainda colocado a pistola na mão direita do adolescente e fotografado. E, antes da chegada da perícia, decidiram mover a arma a uma distância de cerca de 13 centímetros da mão do menino.
Depois da suposta alteração da cena do crime, o MP disse que ficou a cargo do militar Ítalo Cordeiro fazer o boletim de ocorrência alegando que o adolescente tentou disparar contra a cabeça de Nery, que agiu para se defender. Sobre esse crime, ele foi ouvido no ano passado.
Atirou em estudante
Já em novembro de 2021, o ex-sargento foi preso por atirar no estudante Flávio Endres Ferreira durante uma briga em um bar de Epitaciolândia, no interior do Acre. Neste caso, ele responde por tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e lesão corporal grave.
O estudante levou ao menos quatro tiros e ficou com sequelas em uma das mãos. Após passar por uma cirurgia na região do abdômen e ficar nove dias internado no pronto-socorro de Rio Branco, o estudante Flavio recebeu alta no dia 7 de dezembro de 2021.
Em julho do ano passado, a Vara Única Criminal da Comarca de Epitaciolândia realizou uma audiência de instrução e julgamento do PM após recebimento da denúncia.
A defesa de Neri entrou com pedido de análise de insanidade mental, o pedido foi negado em primeira e segunda instância.
Ainda segundo a Justiça, a defesa alega que o sargento agiu em legítima defesa e pede a desclassificação do homicídio qualificado para simples sem as qualificadoras e a retirada da acusação de porte ilegal de arma de fogo e lesão grave. O processo corre em segredo de Justiça. Em setembro de 2021, ele foi pronunciado a júri popular.