Sargento Erisson Nery agora responde pelos crimes de tentativa de homicídio, porte irregular de arma e lesão corporal grave
A juíza Joelma Ribeiro Nogueira, da Comarca de Epitaciolândia, aceitou, nessa quarta-feira (2), a denúncia do Ministério Público contra o sargento da Polícia Militar, Erisson Nery, que atirou contra o estudante Flávio Endres Ferreira, de 30 anos em novembro do ano passado, no interior do Acre. A vítima levou ao menos quatro tiros e enfrenta sequelas em uma das mãos.
Após receber alta do pronto-socorro de Rio Branco, o estudante contou que se recupera da cirurgia e relatou que não consegue fazer o movimento de abrir e fechar uma das mãos. Além disso, tem uma lesão interna na região do abdômen e tem que fazer acompanhamento. Apesar das sequelas, ele afirma que considera um milagre a recuperação que está tendo devido à gravidade das lesões.
Agora réu, Nery responde pelos crimes de tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil e recurso que impossibilitou a defesa da vítima; porte irregular de arma de fogo de uso permitido; e por lesão corporal de natureza grave. O g1 não conseguiu contato com a defesa do policial até última atualização desta reportagem.
A denúncia do Ministério Público, assinada pelo promotor Rodrigo Fontoura de Carvalho, foi feita à Justiça no dia 18 de janeiro. Na decisão, a magistrada deu um prazo de 10 dias para a defesa do militar responder às acusações.
O sargento também já responde a um processo por ter matado um adolescente de 13 anos em 2017, quando o menino tentou furtar casa dele. Mais de quatro anos após o crime, o policial ainda não foi julgado. O Ministério Público do Acre (MP-AC) fez a denúncia em julho do ano passado pelos crimes de homicídio e fraude processual e a denúncia foi aceita um dia depois pela Justiça.
Pedido de prisão domiciliar
O sargento segue preso no Batalhão de Operações Especiais (Bope), em Rio Branco, desde o dia 29 de novembro. No dia 10 de dezembro, uma portaria publicada no Diário Oficial do Acre afastou dos batalhões policiais o sargento da Polícia Militar Erisson Nery.
No último dia 31 de janeiro, a advogada de Nery, Helane Cristina, entrou com um pedido para que a prisão preventiva dele seja convertida em domiciliar ou em monitoramento por tornozeleira eletrônica.
Para o recurso, ela alega que seu cliente testou positivo para Covid-19 no dia 24 de janeiro.
O MP-AC se manifestou contrário ao pedido da defesa do militar nessa quarta-feira (2) e agora o pedido aguarda decisão da Justiça.
“É de se destacar, ainda sobre isso, que todas as pessoas, independentemente de quaisquer condicionantes, estão potencialmente expostas a ação altamente infecciosa deste patógeno, razão pela qual a concessão de liberdade provisória condicionada, prisão domiciliar, ou a substituição da medida constritiva não constituiria garantia, per se, da higidez física do investigado”, pontuou o promotor Rodrigo Carvalho em sua manifestação.
Inquérito desmembrado
No decorrer das investigações, a polícia percebeu que seria necessário também investigar a sargento da PM-AC e esposa de Nery, Alda Radine. Por isso, o inquérito foi desmembrado e instaurado um outro procedimento para apuar a conduta da militar por fraude processual, lesão corporal e denunciação caluniosa.
“No decorrer do inquérito como vimos que a arma permaneceu com a Alda no final dos vídeos, teve também uma requisição judicial para apurar a conduta dela. Somado também à questão dela ter feito agressões contra a vítima que já estava desfalecida no chão, conforme as imagens, e ainda nós termos constatado que a denúncia que ela fez foi falsa, quando disse que a vítima a teria importunado sexualmente e isso não aconteceu. Então, desmembramos o inquérito”, disse a delegada Carla Ívane, que presidiu as investigações.
Atualmente, o inquérito de Alda está sob responsabilidade do delegado Luis Tonini. A reportagem também não conseguiu contato com a defesa dela.
Outro ponto que a polícia precisa solucionar é sobre o paradeiro da arma utilizada pelo sargento Nery no crime. No dia em que foi preso e ouvido, o militar ficou em silêncio sobre a arma. Ele e a esposa estavam afastados dos cargos por questões de saúde e as armas institucionais foram recolhidas.
Relembre o caso
No dia 27 de novembro, o sargento Nery se envolveu em uma confusão em um bar na cidade de Epitaciolândia, no interior do Acre, que acabou com o estudante Flávio baleado. No dia 29, o militar foi preso e ouvido na delegacia do município, enquanto um grupo de amigos fazia protesto e pedia justiça.
Vídeos que circularam na internet mostram o momento da confusão dentro e fora do bar. Uma das imagens mostra o sargento Erisson Nery armado após atirar contra o estudante e, em outro vídeo, é possível observar que a vítima foi agredida inicialmente pela sargento da PM Alda Nery, mulher do policial.
Nery, porém, alegou que reagiu a uma importunação sexual feita pelo homem contra sua mulher, a administradora Darlene Oliveira. Mas, um vídeo do interior do bar onde ocorreu a confusão mostra que a vítima foi agredida inicialmente pela sargento da PM Alda Nery.
As imagens confirmam o depoimento da equipe que fazia a segurança no local. No depoimento, um dos seguranças diz que o sargento acusava o pessoal da mesa ao lado de estar olhando de forma desrespeitosa para a mulher dele. O segurança tentou acalmar o sargento, mas ele continuava alterado.
Alda e o sargento ficaram conhecidos nas redes sociais após assumirem um relacionamento a três com Darlene. Os três moram na cidade de Brasileia e há alguns meses a sargento estava fazendo tratamento psicológico, quando o casal voltou a gerar polêmica ao surgir boatos de separação.
‘Não fiz nada’
Após passar por uma cirurgia na região do abdômen e ficar nove dias internado no pronto-socorro de Rio Branco, o estudante Flavio recebeu alta no dia 7 de dezembro. Ainda em recuperação devido aos quatro tiros que levou, ele conversou com o g1 e contou sua versão sobre o que acontece naquele dia.
O estudante disse que foi convidado pelos amigos para ir ao bar e saiu antes de acabar o jogo, porque tinha um compromisso da faculdade e ficou cerca de 2 horas fora e retornou para deixar um colega e resolveu entrar novamente para ver se os amigos estavam bem.
“Nisso, quando cheguei lá, já tinha percebido que eles [os amigos] não estavam muito bem e perguntei o que tinha acontecido e fiquei sabendo que o Nery já tinha ido lá e chutado a mesa deles e poucos minutos depois de me falarem isso, veio a mulher dele e me deu um soco na cara. Me assustei e no puro reflexo, empurrei ela e ele já chegou sacando a arma e efetuou o disparo”, contou.
Depois do primeiro disparo, ele relembrou que tentou sair, mas não teve tempo e foram feitos os outros dois e ele caiu. Já no chão, ele foi atingido pela quarta vez e foi agredido e chegou a ter os dentes quebrados.
“Mesmo no chão, eles me bateram, chutaram bastante. Uma pergunta que gostaria de fazer para eles: o que levou a tentarem acabar com minha vida? Porque realmente não fiz nada a eles, se quer olhei com olhar torto para eles. Não entendo o que pode ter movido para fazer algo assim comigo”, questionou.
Sobre o suposto assédio, ele negou a acusação. “Fiquei boa parte do tempo assistindo ao jogo sentado, não assediei ela não. Fiquei magoado porque não é do meu caráter fazer algo assim, sou contra qualquer abuso ou violência contra a mulher. Acredito que quis dar uma justificativa para corrigir o que fizeram. E que não contavam com as imagens do local e o respaldo de falar do assédio não justificou.”