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Polícia

Especialista em segurança avalia ação da PM que matou enfermeira em surto no AC: ‘legítima defesa não se sustenta’

Especialista em segurança avalia ação da PM que matou enfermeira em surto no AC: ‘legítima defesa não se sustenta’

Caso aconteceu no sábado (2) e está sendo investigado pelo Ministério Público do Acre (MP-AC).

A morte da da enfermeira Géssica Melo de Oliveira, de 32 anos, durante uma perseguição policial em Senador Guiomard levantou a discussão sobre a ação dos policiais. Eles alegam que agiram em legítima defesa pois a vítima estaria em surto psicótico e teria uma arma. A vítima morreu após ser baleada durante uma perseguição policial na BR-317.

O g1 ouviu um especialista em segurança para falar sobre a ação dos policiais.

Equipes da Polícia Militar e do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) perseguiram Géssica após ela furar um bloqueio policial em Capixaba, cidade vizinha. A coordenação do Gefron informou que um policial da equipe viu a motorista com uma arma nas mãos e atirou em direção ao carro na tentativa de pará-lo. Após os disparos, no quilômetro 102, nas proximidades da entrada do Ramal da Alcoolbrás, a enfermeira perdeu o controle do veículo, entrou em uma área de mata e bateu o carro em uma cerca.

Ainda no domingo (3), a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-AC) lançou uma nota sobre o caso e o governo do estado uma segunda. Na primeira, afirmou que “durante a ocorrência, foi possível visualizar parte de um braço empunhando uma arma de fogo. Neste momento, diante do risco iminente à integridade física da equipe policial, foram efetuados cinco disparos em direção ao veículo”, diz a nota.

Após a morte, a polícia achou uma pistola 9 milímetros jogada próximo do local do acidente. A arma é de uso restrito das forças armadas.

Já em uma segunda nota, o governo do Acre confirmou que dois policiais estavam detidos no batalhão da PM aguardando a audiência de custódia que deve ocorrer ainda nesta segunda-feira (4). “Garantimos ainda uma investigação imparcial e célere, de modo que a sociedade tenha uma resposta o quanto antes.”

Legítima defesa não se sustenta

Robson Rodrigues, consultor de polícia e Segurança Pública e pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), diz que muitos aspectos precisam ser avaliados e que somente a perícia e as investigações devem apontar o que, de fato, aconteceu. Porém, levantou alguns pontos que precisam ser levados em consideração.

“Já tem vários elementos que posso dizer que foram erros protocolares. Se existem protocolos dentro da instituição, dentro da lei é frágil essa defesa da instituição de que um surto poderia ser uma ameaçava grave para ensejar uma reação desse nível de força. Me parece que a força não foi muito adequada à situação, mesmo porque o surto psicótico, não foi o primeiro e nem vai ser o último, então é previsível dentro das ocorrência de uma polícia. É preciso ter protocolos com todos os cuidados, se não houver nenhuma ameaça concreta contra a integridade física dos policiais não se deve atirar”, explica.

O especialista, no entanto, reconhece que a situação é complexa e que ações precisam ser tomadas em frações de minutos. Porém, segundo ele, esses protocolos precisam ser seguidos para que se tenha o menor índice de erro em uma situação como essa.

“Você precisa estar preparado, inclusive psicologicamente, não só tecnicamente, não apenas saber atirar, mas ter uma avaliação frequente de sua capacidade cognitiva, ter uma avaliação frequente da capacidade sensorial, perceptiva , tomada de decisão é fundamental nesses casos. E isso tem que ser uma frase de cabeceira: ‘não havendo nenhuma reação concreta, não atira.’”

Rodrigues destaca ainda que precisam ser avaliados diversos pontos antes de uma tomada de decisão, o que requer uma equipe bem treinada e preparada para entender o contexto daquela ocorrência.

“O que não pode é que um protocolo infrinja a lei e nesse caso não tem sustentáculo na conduta com a chamada legítima defesa. Para ter uma legítima defesa do policial, ele precisa estar cumprindo o dever dele teria que ter uma agressão suficiente e percebida como tal para ensejar o uso da força letal”, pontua.

Rede de comunicação

A família contesta a versão apresentada e diz que a enfermeira não tinha arma de fogo. Ainda segundo os parentes, Géssica sofria de depressão, teve um surto no sábado, pegou o carro e saiu dirigindo em direção ao interior do estado.

No Judiciário é possível ver que no começo de novembro, a enfermeira teve um surto em uma farmácia de Rio Branco. Ela estava com o mesmo carro que dirigia no sábado, quando foi morta. Inclusive, uma medida protetiva foi dada em desfavor dela porque os filhos, de 3, 6 e 11 anos de idade estavam com marcas de agressão. No processo que corre no Juizado Especial Criminal em Rio Branco, Géssica ficou proibida de se aproximar dos filhos. Nos relatos, há informações de surtos da enfermeira.

Para o pesquisador, o contato na rede de comunicação da Segurança Pública poderia ter dado informações importantes à guarnição para a tomada de decisões.

“O policial está linkado a todo um sistema planejado, com informações suficientes que vai apoiá-lo nessas circunstâncias para obter certezas. Ou seja, ao não fazê-lo, não se informar com a rede operacional, ele perde a oportunidade de se certificar se não foi um caso de ter havido uma agressão eminente ou uma agressão real. A perícia vai elucidar isso, mas se não houve nem uma coisa e nem outra, se perdeu a oportunidade de fazer a segurança de forma sistêmica, ou seja, com apoio operacional tático, de quem está acima que poderia trocar informações rápidas e ajudar os policiais na tomada de decisão”, enfatiza.

Diante das contradições, já que a família diz que a arma foi plantada no local pelos policiais, Rodrigues diz que, mesmo se a arma for de Géssica, os tiros contra o carro dela só se justificariam se ela ameaçasse os policiais.

“Só no caso dela ter apontado e disparado contra os policiais, se ela tivesse apontado a arma ou tivesse mantido outra pessoa como refém e aí nesse caso, em uma última circunstância de perigo, o policial poderia fazer o uso da força letal. Agora não tendo havido isso, a hipótese que sai mais fortalecida é a do erro administrativo. O ideal seria não que o policial respondesse penalmente, mas que a própria instituição fizesse um estudo de caso e fizesse uma autocrítica para saber onde falharam os policiais e o sistema de apoio, inclusive o operacional.”

Reformulação

Após a tragédia, o especialista diz que é um momento da Segurança Pública debater possíveis erros e reformular. Ele reforça ainda que, do ponto de vista jurídico, não há embasamento para fundamentar a reação dos policiais naquela ação.

Sobre o ponto de vista penal, quem vai responder é quem acionou o gatilho, vai se identificar quem disparou, mas ainda tem uma responsabilidade que precisa ser apurada e aí cai no campo administrativo. Porque fatos como esse, muitas vezes, só são avaliados em seu aspecto penal, na punição de quem efetuou, mas perde-se muitas vezes a oportunidade de aperfeiçoar protocolos da corporação, para se observar e fazer uma espécie de autocrítica para analisar qual foi a falha administrativa, onde os setores de apoio falharam nessa ação. Esses setores, ao falharem, em que medida eles contribuíram também, de certa forma, para o equívoco”, pontua.

O especialista também criticou a decisão da Sejusp fazer uma nota com a versão do policial, sem se ater às investigações, como foi feito no primeiro momento.

“Já tomam a versão do policial como se fosse a versão oficial, sem nenhuma apuração. Muito mais me parece uma versão de defesa do que imparcial que vai apurar e que tenha a honestidade de fazer uma autocrítica para reformular os protocolos da própria investigação. Então, a gente perde uma grande oportunidade, haja vista as repetições e esses mesmos equívocos também, não só da conduta individual dos policiais, mas equívoco da própria instituição, que ao deixar que a justiça puna os policiais que estão ali, acaba apagando eventuais equívocos, erros administrativos que poderiam ser analisados e que poderiam criar uma excelente oportunidade para se reformular os protocolos”, finaliza.