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O funk e a mulher brasileira em uma perspectiva histórica 

O Brasil é um país formado em sua maioria populacional por mulheres. Estima-se que existam cerca de 104,772 milhões de mulheres, correspondentes a 51,6% da população total brasileira, segundo dados do IBGE de 2014. A população feminina ainda que ocupe um valor numérico superior, tendo também efetiva participação na economia nacional e manutenção de estruturas sociais, mostra-se vítima de uma desigualdade histórica que é perpetuada há séculos.

No período colonial, a mulher indígena servia ao homem português como escopo sexual, sendo a primeira vítima obrigada e coagida a relacionar-se com os recém-desembarcados. Os inúmeros estupros e atrocidades antropológicas cometidas pelo homem branco foram silenciadas por parte da história e recontadas como contos literários. A dominação das terras eclodia ao ponto dominação sexual. Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, erroneamente nos apresenta uma mestiçagem pacífica dentro da América.

No mesmo momento histórico, temos a primeira imagem criada da mulher indígena brasileira: a esposa e mãe de família, subordinada a uma economia e vida doméstica de tradições que não lhe pertenciam culturalmente.No procedimento escravocrata do advento da população africana ao Brasil, tivemos um novo arquétipo de mulher na sociedade. A mulher negra, ainda tendo sua identidade associada à hipersexualização e erotismo, foi uma das que mais sofreu abuso e opressão por parte do patriarcado branco e burguês. Em sua posição de escrava, foi impedida de estabelecer-se enquanto sujeito, em suas particularidades identitárias e culturais. 

Com o passar dos séculos, no entanto, ainda não nos livramos das heranças escravocratas e misóginas dentro do nosso país. Quando nascem os primeiros negros de pele clara em nosso território, o homem branco novamente é tornado o “herói” que torna possível o “embranquecimento” de uma raça. Ainda no Brasil Colônia, negros de pele clara poderiam gozar de “privilégios” em relação aos retintos. No entanto, a posição que ocupavam dentro de um sistema escravocrata não deve ser esquecida: pois ambos ainda estavam aprisionados ao sistema de servidão. 

Portanto, a imagem da mulher sempre esteve ligada a própria identidade cultural do povo brasileiro. No Brasil Contemporâneo, desempenhando a função de estruturar a sociedade economicamente (seja por meio do turismo sexual, trabalho com salário inferior e corpo veiculado pela mídia), o sexo feminino sempre esteve sujeito a manutenção do sistema machista que limita sua vivência. Sua imagem foi construída, descrita e entendida segundo ao olhar masculino. A história das mulheres, em suma, foi contada por homens. 

Durante muito tempo houve uma a segregação entre homens e mulheres. Aos homens, eram dadas as características de provedor, superior, e às mulheres eram dadas as características de submissa, frágil e oprimida.Vale ressaltar, ainda, que as diferenças entre os gêneros são propagadas não só por um viés biológico, mas também e, talvez principalmente, no plano social. É no plano social que o discurso se fortalece, visto que é na sociedade que as relações acontecem.

Partindo da afirmação de que existe uma cultura de massa e que é responsável pela propagação de ideologias, mesmo que tenha um objetivo essencialmente comercial (indústria cultural), a música como parte integrante desse sistema se estabelece no âmbito social e, de acordo com Diogo Silva Manoel, “podemos dizer que a canção é uma interlocutora de acontecimentos culturais e sociais no mundo contemporâneo”.

O funk, como gênero musical, é carregado de mensagens que vão desde às denúncias de cunho social à erotização da mulher, e por fazer parte dessa cultura de massa, se espalha socialmente reproduzindo um discurso. A partir dos anos 2000 surgem as letras eróticas que abordavam, principalmente, as temáticas sexuais. 

No que diz respeito à erotização da mulher, não podemos desconsiderar os outros gêneros musicais, contudo o gênero em questão é, como citado anteriormente, um propagador explícito. O gênero aqui proposto, assim como outras expressões de cunho artístico, é um reflexo das configurações sociais vigentes. Sendo assim, é um meio para que possamos perceber como essas configurações acontecem. 

Historicamente, o “ser mulher” (conceito atribuído por homens), era sempre discutido como um conceito negativo, visto que às mulheres eram empregadas características que as colocavam como socialmente inferiores, por exemplo: o (não) direito ao voto etc. Com base nessa inferiorizarão do gênero feminino, o movimento feminista surgiu com a ideia de igualdade dos gêneros, buscando a emancipação da reclusão das mulheres, a participação política e a autonomia. 

O movimento feminista surgiu, também, a partir da necessidade da luta contra a violência contra as mulheres e às grandes proporções que o machismo (superiorização do homem) alcançou na sociedade. Com a prática machista, surge a naturalização de atitudes que feriam/ferem física (estupro, agressão etc.) e psicologicamente (ameaça, agressão verbal etc.) as mulheres. 

Levando em consideração os processos históricos que constituem a identidade nacional da mulher, o gênero musical funk é o que podemos considerar como propagador explícito dessa identidade, construída a partir de um discurso obsoleto. Na letra da música “Só surubinha de Leve”, do funkeiro Mc Diguinho, é possível notar explicitamente a presença do discurso de superiorização do homem em detrimento da mulher, quando o a voz lírica se coloca na posição de poder mandar, o chefe. 

Nos versos: “Pode vim sem dinheiro/Mais traz uma piranha”, a música nos traz a alusão da mulher como uma espécie de “moeda de troca”, onde o corpo da mesma é equivalente ao dinheiro, fazendo um comparativo com a prática da prostituição. Em outras palavras, a mulher novamente é retratada como um mero objeto de consumo. O ato de embebedar a mulher para assim se aproveitar sexualmente da mesma, também se faz perceptível. E, em seguida, se estabelece a ideia de se eximir da culpa e, novamente, tratar a mulher como uma mera “coisa”, descartável. 

Além disso, durante toda a música é notória a presença de algumas expressões pejorativas, como: “piranha”, “puta”, “filha da puta”. Termos como esses reforçam a perpetuação de um discurso inteiramente sexista, machista e ofensivo, produto da sociedade patriarcal. Por fim, mesmo com todos os estudos, com as lutas do movimento feminista e de uma sociedade que repudia a inferiorização do gênero feminino, ainda se torna óbvia a existência de um discurso tradicional no que diz respeito à mulher. Na música, ainda que lançada em 2017,há fortemente a presença dessas noções antiquadas das mulheres, além de uma espécie de erotização e objetificação dos seus corpos, o que culmina na “proliferação” do estupro.


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Robenylson de Oliveira Mota 

Natan de Lima França 

Jeissyane Furtado da Silva