Durante muitos anos, Macaulay Culkin (Nova York, 1980) foi o brinquedo quebrado em Hollywood. Cumpria todos os requisitos.
Em primeiro lugar, tinha encontrado a fama global e maciça numa idade muito tenra: aos 10 anos protagonizou Esqueceram de Mim (1990), que se tornaria a comédia de maior bilheteria na história (até ser superada, em 2011, por Se Beber, Não Case! Parte 2) e o terceiro filme de maior faturamento na história (posição que também já perdeu). Em segundo lugar, provinha de uma família humilde (Macaulay, seus pais e seus seis irmãos viviam em um pequeno apartamento em Nova York), cujo patriarca sempre tinha tentado que seus filhos triunfassem no mundo do espetáculo.
Deu certo com Macaulay, que se tornou milionário aos 12 anos graças à sequência daquele filme: se pelo primeiro ele embolsou 100.000 dólares da época (o equivalente a 772.500 reais, em valores atualizados), pelo segundo o pai do ator negociou quatro milhões, 40 vezes mais. Mas a partir daí, embora o cachê de Macaulay disparasse (quase cinco milhões de dólares por O Anjo Malvado, quase oito por Acertando as Contas com Papai e a mesma cifra por Riquinho), a arrecadação em bilheteria desabou. E o que é pior: também o interesse do próprio Macaulay pelo mundo do cinema, do qual se aposentou depois de Riquinho (1994).
Seu último filme, inspirado em um famoso personagem de quadrinhos e malhado pela crítica, parecia falar do próprio Macaulay: tratava do menino mais rico do mundo, que tinha tudo o que um jovem pudesse desejar (Claudia Schiffer como personal trainer, por exemplo), mas ninguém ao seu redor que o valorizasse pelo que ele era ou desfrutasse da sua amizade sem hipocrisia nem segundas intenções. Quando aos 14 anos Macaulay se retirou da indústria do cinema (e se emancipou legalmente dos pais) depois de acumular uma fortuna, o maior prejudicado foi Kit Culkin, um ex-ator fracassado, seu agente e oficialmente a espinha na garganta de Hollywood entre 1990 e 1994, ano em que seu filho disse chega. Kit Culkin foi chamado de extorsionista, chantagista e chato. Também o colocaram em 48º lugar na lista das pessoas mais influentes de Hollywood (pela finada edição norte-americana da revista Premiere). Se alguém queria Macaulay, tinha que passar por seu crivo.
Kit Culkin não só exigia mais dinheiro para seu filho: também mudanças no roteiro, de diretor e a inclusão de outros de seus filhos no elenco (lembremos: ele tinha sete, todos na sua cabeça aspirantes a astros infantis). E na intimidade do lar seu filho Macaulay o definiu (em uma das pouquíssimas entrevistas em que falou da infância) como “um tirano doméstico”. “Tudo o que ele tentou conseguir na sua vida eu consegui antes dos 10 anos”, declarou Macaulay sobre seu pai, antes de acrescentar que sempre teve a sensação de que o pai ficava enciumado disso. Em seguida, narrou a forma como comunicou aos pais sua decisão de abandonar a carreira, em 1994: “Chega, crianças. Espero que tenham ganhado dinheiro suficiente, porque de mim não vai sair mais”.
Hoje, Kit e Macaulay não se falam, e a família desmoronou: seus pais estão divorciados há anos, uma de suas irmãs (Dakota) morreu em 2008 num acidente de carro, e alguns outros irmãos (Rory e Kieran, por exemplo) seguiram a carreira artística com perseverança e relativo sucesso, mas nem de longe aquele triunfo esmagador e insuportável para um menino de 10 anos.
Até aqui, a história de um brinquedo quebrado. Ou isso parece. Depois de tudo isto, Macaulay se tornou muito mais interessante. Embora haja outros casos de ex-crianças-prodígio que foram ao fundo do poço e tentaram escalar uma montanha de vidros quebrados para recuperar um décimo da fama que lhes escapou (Lindsay Lohan), Macaulay, provavelmente com a segurança propiciada por 17 milhões de dólares na conta bancária, quis ser outra coisa.
Se hoje ele não parece a epítome de um antigo astro infantil atormentado é porque aparentemente soube pegar esse dinheiro e levar a vida que gostava. Quando voltou ao cinema foi só esporadicamente, com projetos que o interessavam e que dinamitavam a imagem que o público tinha dele. Por exemplo, o papel do assassino Michael Alig no cult Party Monster (2003) ou um cínico paraplégico com uma irmã insuportável em Galera do Mal (2004), a seu modo um filme de culto também.
Hoje, se o público sentir mais inveja que pena de Macaulay é porque ele usou essa infância explorada para ter uma vida adulta cheia das coisas que realmente o divertem: seu próprio grupo de rock (o Pizza Underground) e uma vida nômade e livre que em 2018 lhe permitiu se mudar para Paris, um lugar que diz adorar por poder andar livremente sem ser incomodado — seja porque, muito magro, cabeludo e com jeito de hippie, ele passa despercebido, ou porque os parisienses são mais educados com as celebridades que os nova-iorquinos.
Mas talvez o sinal mais inequívoco de que Macaulay não seja um brinquedo quebrado é que ele parece completamente reconciliado com seu passado como astro infantil e, especialmente, com o papel que lhe deu a fama. Em 2015 retomou esse papel em um delirante curta-metragem. No último Natal, voltou a interpretar o personagem num anúncio do Google Assistant pelo qual (certamente) lhe pagaram uma cifra que ajudará a manter seu estilo de vida. E agora, quando um possível remake de Esqueceram de Mim divide o público (são necessárias mais versões de um filme que envelheceu tão bem e que continua ainda na memória coletiva como um clássico familiar recente?), publicou no seu perfil do Instagram uma resposta a esses produtores que querem espremer mais a saga que o catapultou ao estrelato. Em uma foto onde aparece com barriga incipiente, cueca, um computador e um prato de macarrão sobre um sofá de avó, escreve: “Assim é como seria realmente uma versão modernizada de Esqueceram de Mim”.
Isto parece responder por alusões a uma declaração do diretor do filme, Chris Columbus, quando em 1993 lhe perguntaram se haveria mais episódios de Esqueceram de Mim depois do segundo: "Pode ser que haja uma terceira, mas não iremos além. Não há nada de especial num homem de trinta anos sozinho na sua casa". Hollywood sempre acaba tirando um ás da manga.