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Carmo Dalla Vecchia sobre ser gay: ‘Não somos homens que deram errado’

Carmo Dalla Vecchia sobre ser gay: ‘Não somos homens que deram errado’

Um dos maiores galãs da televisão, o ator revela que já foi desaconselhado por uma pessoa do alto escalão quando quis falar abertamente sobre sua sexualidade

Luciano de “Cobras & Lagartos”, Zé Bob de “A Favorita”, Rei Augusto de “Cordel Encantado”, Maurílio de “Império”, Alfredo de “Cara e Coragem” . É enorme a lista de galãs, homens héteros e viris, que o ator Carmo Dalla Vecchia  já interpretou na televisão e o talento dele sempre foi incontestável. Mas o artista começou a distanciar sua vida real de seus personagens quando revelou ao público, em 2021, que é um homem gay, casado com o dramaturgo João Emanuel Carneiro, com quem tem um filho, o pequeno Pedro , de três anos. 

O que poderia ser um grande “tiro no pé” para parte do público, já que ele “precisaria” alimentar essa imagem viril, na verdade se converteu em amor e representatividade à comunidade LGBTQIA+ , que agora pode se inspirar em sua vida feliz, ao lado da família. Carmo conta, em entrevista exclusiva ao iG Queer , que falar abertamente sobre este assunto sempre esteve em sua mente, mas ainda faltava autoaceitação. 

“Naquele momento, eu tinha uma necessidade muito grande de ser eu mesmo e de afirmar isso para mim. Não me acho mais importante por ser um ator ou por que muitos sabem quem sou. Pensava que poderia ajudar a vida de outros gays com o meu exemplo e pensava em eliminar o  meu próprio preconceito declarando publicamente o meu afeto à minha família”, lembra.

Nos últimos anos, as discussões sobre a falta de representatividade LGBTQIA+ no audiovisual tem mostrado o quanto a comunidade sempre esteve escondida e apontado para a necessidade de existir cada vez mais pessoas fora da cis-heteronormatividade na cultura. O ator diz que, após se autodeclarar gay, recebeu inúmeras mensagens de fãs e seguidores que o agradeceram por mostrar que não é errado amar uma pessoa do mesmo gênero. 

“Recebi ordas de afeto e carinho de muita gente e fiquei feliz com isso. Me senti abraçado por uma multidão. Me tornei publicamente o que eu já era. Parece simples por que, por um lado, é você que continua a mesma pessoa, mas por outro é você que pela primeira vez está experimentando poder falar sobre o que você gosta e pode estar certo que isso não é pouco.”

Depois disso, Carmo comenta que muitas vezes se questionou se estava no caminho certo ao expor mais de sua vida particular e da família nas redes sociais, mas teve a certeza que fez a escolha correto quando se deparou com o carinho do público que o “abraçou e o agradeceu”.

“Costumava ser um homem mais discreto, mas hoje eu acho fundamental existirem pessoas com alguma representatividade mostrando que não somos homens que deram errado”, pontua. “Eu não tive a sorte de ter visto muitos outros exemplos antes de mim falando abertamente sobre isso. Houveram alguns poucos corajosos, mas acho que estamos mudando isso. A comunidade veio até mim em massa e me agradeceu. Me senti pertencendo a algum lugar pela primeira vez na vida e sendo respeitado pela minha coragem”, continua.

“Ganhei muitos [seguidores] e se não ganho mais é por que algumas vezes preciso dar um tempo e parar de postar para ensaiar peças, dar banho no Pedro, brincar com ele , gravar novelas e ter uma vida em que boa parte dela não se torna instagramável (palavra mais cafona que foi inventada nos últimos tempos)”, se diverte.

“Galã não pode ser gay”

Até bem pouco tempo atrás era bem comum escutar alguns “boatos” que certos diretores ou produtores de novelas da Globo recomendavam que os atores gays não falassem abertamente sobre o assunto. O motivo seria que isso poderia “macular” a imagem viril de seus personagens. Essas histórias não eram apenas “rumores”, mas realmente aconteciam nos bastidores da emissora.

Carmo conta que algumas vezes foi desaconselhado até pelo alto escalão da TV a não revelar sua sexualidade quando sentiu vontade de falar sobre o assunto. O ator lembra que, se fizesse isso, “nenhum diretor ou autor iria querer me escalar para algum trabalho”.

“Nunca escondi o fato de ser gay no meu trabalho, ao mesmo tempo que publicamente me resguardava. Já fiz vários homens maus e nunca ninguém deixou de me escalar porque o público me rejeitou achando que eu era mau na vida real. Será que se eu falasse que era gay, realmente as pessoas não iriam acreditar em mim quando eu fizesse um personagem heterossexual e iriam me rejeitar?”, questiona.

Recentemente, ele interpretou o personagem Alfredo na novela “Cara e Coragem”, que era casado com Pat, vivida por Paolla Oliveira, casal que era muito bem recebido pelo público. Carmo destaca que essa teoria da rejeição já caiu por terra.

“Eu soube que o grupo de pesquisa da novela amava e torcia por nós dois. Esse medo de que a dona de casa não vai me querer numa novela por eu ser gay, procede ou é preconceito de alguns ? De qualquer forma cabe à arte trazer o melhor. Cabe à arte transformar os pensamentos tacanhos em liberdade.”

Claro que, diante de tanta pressão, o artista teve medo sim de que fosse perder trabalhos ao se declarar gay , mas isso não aconteceu e ele se sentia pronto para as consequências que viriam em seguida.

“Nunca me senti rejeitado, ao contrário: me sinto hoje mais respeitado até como ator, pelo fato de na minha vida privada ter tomado um posicionamento mais assertivo sobre quem eu sou. Acho que melhorei como ser humano e isso hoje é formador do meu caráter, do meu ofício e de todas as minhas relações”, declara.

Ter um artista LGBTQIA+ é muito importante para as pessoas da comunidade que querem se sentir representadas no meio audiovisual e Carmo comenta que na infância e adolescência não via isso. Os homens gays, na verdade, eram rejeitados pelo grande público e aclamados somente nos guetos.

“Não tinha muita referência de pessoas como eu. Nasci em 1970. Lembro de ficar fascinado com Village People e com a postura do Ney Matogrosso, mas ser chamado de Ney Matogrosso na minha escola era o mesmo que dizer que você era bichinha e isso na época era uma ofensa seria, ainda mais para um gaúcho do interior do Brasil”, pontua.

“Hoje, me sentiria orgulhoso de ser comparado com um cara tão corajoso e importante para todos nós. Mas, na época, eu mesmo me sentia uma aberração e acho que para qualquer gay em 1970 ou 1980, não davam muito direito a falar em qualquer publicação. Éramos todos aberrações para um país preconceituoso.”

Agora, ele faz mais volume a uma geração de grandes artistas que se autodeclaram LGBTQIA+ e que cumprem esse papel social da representatividade. Aos meninos, meninas e menines que vivem no sofrimento por conta da própria sexualidade, o ator tem um recado:

“A maior dificuldade é a própria aceitação. Nascemos com pessoas dizendo que somos pecadores, errados, aberrações e é triste demais ver que muitos acreditaram e que pagam um preço alto por isso até hoje. Se aceitem, se amem, se agrupem entre vocês e se defendam uns aos outros. Se eu puder ajudar, contem comigo.”