Precisamos evoluir rapidamente para a compreensão e avaliação de cada um dos gastos do governo
A discussão sobre a política fiscal muitas vezes passa pelo nível dos gastos públicos. Embora saibamos que a sustentabilidade fiscal (com responsabilidade social) é importante, o debate mais qualificado não deve ficar apenas no “quanto” e ir também (e principalmente) para o “como”. Se na esfera da trajetória das contas públicas temos sinais amarelos, os resultados da (in)eficiência dos gastos públicos combinam bem com o desesperador desempenho econômico brasileiro . E essa conclusão não precisa ser obtida ao compararmos o Brasil com países que se encontram na fronteira tecnológica do mundo. O Brasil vai bem mal frente aos seus pares na América Latina, região que já descola do resto do mundo nos fatores que mais impulsionam o crescimento econômico no longo prazo.
António Afonso e Gabriela Fraga publicaram em dezembro de 2023 um artigo intitulado “ Government spending efficiency in Latin America” (“Eficiência dos gastos governamentais na América Latina”, em tradução livre) e os resultados nos ajudam a quantificar a situação. Os autores avaliam alguns indicadores em sete esferas para estimar a eficiência dos gastos do governo em países da América do Sul e da América Central (restrição imposta pela limitação dos dados): administração, educação, saúde, infraestrutura, distribuição de renda, performance econômica e estabilidade macroeconômica.
Com base em dados para diferentes indicadores em cada um dos grupos selecionados, os autores concluem que, para a amostra de vinte países no período 2000-2019, em média, os governos poderiam gastar 27% menos (!) para obter o mesmo nível de performance ou, dado o nível atual de gastos, o desempenho poderia ter sido 18% maior (!). Não é pouca coisa.
Obviamente, as usuais ressalvas associadas (i) aos chamados efeitos de equilíbrio geral (a ideia de que há efeitos que se retroalimentam e o resultado líquido pode diferir desse exercício) e (ii) considerações que vêm da economia política (por exemplo, a mobilização de grupos de interesse se uma agenda de eficiência fosse implementada) nos fazem olhar os resultados com precaução. Mas o mais interessante (e preocupante) para os brasileiros vem a seguir: nesse contexto de alta ineficiência dos países da região, o Brasil não vai mal. Vai muito mal.
Ao olharmos a performance total do setor público, de acordo com os autores, o Brasil se encontrou em 16º, 17º e 16º nos anos de 2009, 2013 e 2019, respectivamente. Lembro aqui que o ranking contém apenas 20 países. Ou seja, quase todos os países da região são mais eficientes do que o Brasil.
Obviamente, existem esferas em que o resultado é melhor. O indicador para a saúde, por exemplo, o desempenho foi 10º, 9º e 7º. Ora, se cuidarmos melhor do nosso já mundialmente reconhecido sistema de saúde pública, poderemos observar bons retornos para a sociedade brasileira. E com o acelerado envelhecimento da população, o setor da saúde deveria ganhar ainda mais protagonismo.
Os resultados do artigo revelam que há muito espaço para melhorar a eficiência do gasto público, mesmo sem mirarmos aonde eu acredito que deveríamos, nos melhores exemplos do mundo. Há muito o que fazer para alcançarmos os nossos vizinhos. Mas, para isso, não dá para ficarmos só na discussão (importante, claro) sobre o quanto gastamos no setor público e se isso implica em uma dívida sustentável. Precisamos evoluir rapidamente para a compreensão e avaliação de cada um dos gastos do governo. Precisamos identificar o espaço (que, aparentemente, é gigante) para oferecermos os mesmos serviços com menos recursos e mais qualidade. Os resultados disso também vão impactar a sustentabilidade das contas públicas, claro. É importante percebermos, portanto, que não é só o setor privado que precisa ser mais produtivo. O setor público também tem a sua lição de casa.