A divulgação de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de jogar por terra a grande desculpa
de “má gestão” dada pelo governo Bolsonaro para o Brasil não continuar dispondo dos preciosos recursos internacionais do Fundo Amazônia. Esses foram usados nos últimos 10 anos na execução de mais de uma centena de projetos de desenvolvimento sustentável destinados a evitar o desmatamento e as queimadas na Amazônia, em forte escalada de crescimento nos últimos sete meses, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Segundo divulgou nesta quarta-feira o jornal O Globo, a gestão do Fundo Amazônia foi elogiada pela equipe do TCU que realizou uma auditoria no final do ano passado a pedido de parlamentares da bancada ruralista e constatou que os recursos doados pela Noruega e Alemanha e gerenciados pelo BNDES vêm sendo utilizados de “maneira adequada” e de acordo com os objetivos estipulados.
O jornal carioca lembrou que, entre 2017 e 2018, auditores do TCU fizeram uma análise por amostragem, abrangendo quatro dos 104 projetos aprovados pelo Fundo Amazônia, onde um dos itens mais elogiados pelos técnicos foi a transparência e a facilidade de acesso a informações sobre os projetos avaliados e que foram justamente os pontos questionados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, para polemizar e trocar a gestão do fundo e parar os repasses de seus valiosos recursos.
“De início, cumpre ressaltar a transparência no acesso às informações do Fundo, haja vista a existência inclusive de site na Internet no qual são disponibilizados os dados e informações sobre os projetos e ações, com um grande grau de detalhamento”, diz um trecho do relatório dos auditores do TCU, assinado pelo ministro relator Vital do Rêgo, ao citar o relato de um ribeirinho no interior do Amazonas feito a um dos auditores sobre como os recursos do fundo teriam tido impacto positivo na vida da sua comunidade.
“Em conversa com membro da equipe de auditoria, um senhor pertencente à comunidade informou que os recursos do Fundo Amazônia os têm auxiliado muito. Anteriormente, por escassez de recursos financeiros, só conseguiam cultivar no período da chuva e que atualmente conseguem produzir o ano todo, contando com os recursos e insumos disponibilizados pelo Projeto, tendo mencionado os relativos à irrigação e adubação como os mais importantes”, diz um trecho do voto de Vital do Rêgo.
Prioridade do governo é expandir mineração, soja e gado na região
Em síntese, o relatório do TCU é mais uma prova de que a recusa do governo Bolsonaro em receber mais recursos em favor da preservação da Amazônia se destina a atender às intenções manifestadas desde o seu início pelo presidente Jair Bolsonaro de expandir a mineração e o agronegócio da pecuária e da soja na região, inclusive em unidades de conservação e até em terras indígenas, mesmo contrariando a Constituição.
Com a paralisação do Fundo Amazônia, os nove estados da Amazônia Legal estão sem poder renovar e aprovar novos projetos com o R$ 1,5 bilhão que resta dos R$ 3,3 bilhões doados pela Noruega (R$ 3,1 bilhões), Alemanha (R$ 192 milhões) e pela Petrobras (R$ 17,3 milhões) nos últimos 10 anos para a execução de projetos socioambientais sustentáveis e necessários para evitar que suas populações tradicionais também contribuam para o aumento da devastação da maior e mais rica floresta tropical do mundo, essencial para o equilíbrio climático do planeta.
Sem os recursos do Fundo Amazônia, os estados da região ficarão de mãos amarradas, sem poder executar os projetos socioambientais e muito menos as ações de combate ao desmatamento e às queimadas, que já subtraíram mais de 20% de toda a grande floresta brasileira, chegando próximo dos 25%. Esse é o limite a partir do qual os cientistas calculam que vão começar a desaparecer os rios atmosféricos, também chamados de “rios voadores”, que saem da Amazônia anualmente para abastecer de água os mais de 110 milhões de brasileiros que vivem no Centro-Sul do país.
Um caso emblemático dos prejuízos da ausência do Fundo Amazônia é o que pode ocorrer no Acre, terra natal do sindicalista Chico Mendes, que vem usando há 10 anos seus recursos para proteger os 87% de sua floresta que ainda se mantém de pé, abastecendo de água e alimentos centenas de milhares de índios, seringueiros, ribeirinhos e outros povos florestais. Pelos dados do Fundo Amazônia, como o R$ 1,5 bilhão suspenso do Fundo corresponde a 45% do que já foi doado até agora, o Acre perderá algo em torno de R$ 160 milhões para continuar desenvolvendo suas próximas e necessárias ações de combate ao desmatamento e queimadas e de valorização de seu significativo ativo florestal.