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Amazônia

Os desafios de Lula para zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2028

Os desafios de Lula para zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2028

Com a mudança de governo em 2023, especialistas destacam as dificuldades de se alcançar a meta prometida pela gestão Bolsonaro no ano passado durante a COP26. Retrocesso nas taxas de desmatamento é um dos motivos que podem atrapalhar a execução do acordo

Há um ano, durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow, na Escócia, o ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite surpreendeu ao anunciar que o Brasil zerará o desmatamento ilegalÁreas com desmatamento que não possuíam autorização para supressão de vegetação registrada no sistema de controle do Ibama na Amazônia até 2028, além de reduzir as emissões em 50% até 2030 (leia mais no fim da reportagem), ignorando o aumento de 73% da devastação nos três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), segundo dados consolidados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

Porém, o que se viu nos dez primeiros meses de 2022 – quando as ações para reduzir o desmatamento deveriam ter entrado em prática – foram números ainda maiores que os registrados no mesmo período dos três anos anteriores, o que pode indicar mais um recorde no balanço anual da devastação.

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Para a diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, o compromisso assinado pelo Brasil foi “vazio”: “o governo tentava limpar sua imagem com falsas promessas e assinou acordos que não tinha a menor condição de cumprir. E em 2022 a gente já começa muito mal a corrida para chegar ao desmatamento zero, o que nos coloca ainda mais longe de alcançar essa meta, assinada no ‘escuro”.

Passadas as eleições presidenciais de outubro, que referendaram a mudança de governo no país a partir do ano que vem, a Amazônia voltou ao debate diante da expectativa de retomada das políticas que, entre 2002 e 2011, reduziram em 70% o desmatamento na região e garantiram relativa estabilidade nos índices até 2017.

No entanto, o retorno da devastação a patamares de 13 anos atrás impõe novos desafios para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que terá de encarar uma Amazônia com aspectos diferentes daqueles encontrados por ele há 20 anos. Uma das principais mudanças na região, segundo Alencar, é o fortalecimento do crime ambiental organizado nos rincões da floresta.

“A Amazônia está hoje tomada pela criminalidade. Esse crime organizado manda nos lugares onde o desmatamento impera. Vamos precisar de uma operação de quase guerra para reduzirmos o desmatamento”, avalia.

O avanço da grilagem sobre florestas públicas e o aumento do garimpo em áreas protegidas, como as terras indígenas, são exemplos de práticas ilegais que Lula terá de combater para auxiliar o governo subsequente ao seu a entregar até 2028 a meta prometida por Bolsonaro.

Paralelo a isso, o novo governo terá ainda que recompor os órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que sofreram intensos desmontes nos últimos anos. Para a cientista e presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, é essencial que o Brasil reestruture toda a sua governança ambiental.

“O país precisa de um novo plano de prevenção e controle do desmatamento em nível federal, inclusive com novas características, ou seja, diferente daquilo que a gente sabe que funcionou no passado. Algumas ações têm que ser revistas porque hoje a gente tem uma realidade nova e mais difícil, como uma Amazônia tomada por milícias e pela violência”.

‘Meta fora da realidade’

Ane Alencar avalia que zerar o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira em seis anos é uma meta “fora da realidade”. Segundo a pesquisadora, diante das atuais taxas de devastação, o país precisaria reduzir as derrubadas em mais de 2 mil km² por ano para chegar a 2028 com desflorestamento perto de zero.

“Isso já seria difícil na época em que a gente fez uma redução grande, durante os governos Lula. Agora está mais difícil ainda porque o cenário na Amazônia é outro. Entretanto, se o combate ao desmatamento ilegal for bem feito, a gente tem boas chances de reduzir pelo menos metade dos índices até 2028”.

Ela comenta que a saída para o problema é investir fortemente em políticas inteligentes e articuladas de comando e controle para desestimular a ocupação ilegal de terras públicas e desestabilizar o crime organizado na região, o que reduziria mais da metade das derrubadas.

“A outra parte da equação diz respeito à melhoria da gestão dos licenciamentos ambientais, para a gente saber se o desmatamento em áreas privadas é legal ou não, além de implementar de fato o Código Florestal. Um quarto ponto é incentivar boas práticas, de forma que os produtores reduzam as derrubadas e usem melhor as áreas já abertas. Para isso é preciso um governo forte, um setor privado engajado e uma sociedade civil organizada para cobrar”.

Já Natalie Unterstell afirma que o primeiro passo para a redução do desmatamento na Amazônia já foi dado: a derrota de Bolsonaro nas urnas. “Representa uma mudança significativa e um alento”, avalia. Ela reitera que o alcance da meta para 2028 vai demandar muito trabalho do governo eleito e também do próximo presidente a assumir o país, em 2027.

“Há um curto trajeto para a gente sair de um patamar elevado de desmatamento até zerá-lo. A tendência precisa ser de redução já a partir do primeiro ano para que haja um choque nas expectativas e assim as pessoas que hoje ganham com as derrubadas parem de se beneficiar delas”.

O QUE FOI DECIDIDO

A meta estipulada por mais de 100 países na COP 26, em 2021, foi acabar com as derrubadas de suas florestas até 2030. O Brasil, no entanto, adiantou em dois anos o compromisso. A ideia do governo era reduzir o desmatamento em 15% até 2024 e derrubar as taxas pela metade até 2027, zerando a devastação ilegal no ano seguinte.

Outra proposta apresentada pelo Brasil foi a de reduzir 50% das emissões de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global, até 2030, bem como a neutralidade dos lançamentos até 2050. Considerada pelo atual ministro do Meio Ambiente como “ambiciosa”, a meta foi alvo de críticas por se limitar a porcentagens e não trazer números reais de reduções. A ausência de compromissos para esta década também foi questionada.