Francisco Piyãko e o antropólogo e professor da Ufac, Marcos Matos, falaram que exploração vai prejudicar o meio ambiente, a saúde dos indígenas e até laços familiares
Com a aprovação na Câmara dos Deputados da urgência para votação do projeto de lei que pretende liberar a mineração em terras indígenas, o coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Juruá e líder dos Ashaninka, Francisco Piyãko, e o antropólogo e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Marcos Matos, falaram sobre os impactos que essa atividade pode trazer aos povos e comunidades indígenas do estado.
Piyãko criticou que os povos indígenas não estão sendo consultados sobre esse projeto de lei e disse que projetos como esse são contra os direitos dos povos indígenas.
“O movimento indígenas do Brasil não tem diálogo com esse governo, não é consultado, as comunidades indígenas não conhecem esse governo, o que tem são essas informações que circulam. Graças a Deus estamos em um momento que gente a tem acesso ao que está acontecendo no país. Nosso movimento indígena tem demonstrado uma resistência e se posicionado muito bem e protegido o território indígena. Se não fosse esse movimento que estamos fazendo, talvez, estaria só as cinzas porque estão queimando floresta com tudo”, pontuou durante o programa Audiência Pública, da CBN Rio Branco.
O requerimento de urgência que acelera a tramitação da proposta foi aprovado no dia 9, e agora pode ser votado diretamente no plenário da Casa, sem passar por comissões temáticas.
Três dos oito deputados federais do Acre foram favoráveis a urgência para votação do projeto: Alan Rick (DEM), Dra. Vanda Milani (SD) e Mara Rocha (PSDB).
Para Piyãko, a mineração em terras indígenas não vai afetar apenas o meio ambiente, mas a saúde dos indígenas e até os laços familiares, considerados sagrados para os indígenas.
“Desestrutura, porque de alguma maneira introduzem no local que estão trabalhando uma estratégia de envolver, induzindo com bebidas alcoólicas, com dinheiro. O filho fica contra os pais, a família, e isso cria um destroço porque o que é mais sagrado dos povos indígenas é a união das famílias. Começa a deixar na famílias essas sequelas que depois é difícil sarar porque você chega ao ponto de ter conflito, de ter morte entre as famílias que você nem percebe que é causado pela mineração”, pontuou.
Nesta terça-feira (15), o programa Audiência Pública, da CBN Rio Branco, debateu a aprovação do PL e ouviu os especialistas sobre como esse PL pode afetar o meio ambiente. A construção de infraestruturação para exploração mineral, como escavações, barragem de rejeito e pilhas de estéreis desmatam diretamente florestas e vegetações nativas de grande importância para a biodiversidade.
PL antiambiental
O antropólogo e professor da Ufac Marcos Matos, que também participou do programa, disse que a mineração não é única questão listada que vai prejudicar o meio ambiente. Há ainda a construção de barragens de aproveitamento hidrelétrico, de hidrocarboneto, gás e petróleo e, no final da proposta legislativa, ainda é colocada a exploração de sementes transgênicas em terras indígenas.
“Ou seja, o que esse PL está fazendo é abrir as terras indígenas para uma exploração altamente predatória que desconsidera as formas tradicionais de ocupação desses territórios e os jeitos indígenas de viver na terra. Além disso, o direito à oitiva só é consagrado nesse PL às comunidades que vivem em terras homologadas, então, as terras indígenas que estão em processo administrativos de demarcação, identificação e delimitação, mas que ainda não são homologadas, que são muitas, não têm esse direito resguardado de participar de um processo justo de consulta,” avalia.
Ele vê com preocupação a aprovação do PL. “Em particular causa muita preocupação com as terras indígenas habitadas por povos, que vão ser vítimas de todos os tipos de assédio por parte de empresas mineradoras e garimpeiros”, ressaltou.
O estudioso falou também que a morte de duas crianças indígenas, na Comunidade Makuxi-Yano, na Terra Yanomami, região de Alto Alegre, em Roraima, em outubro de 2021, reforça as graves consequências trazidas pela mineração. Os meninos, de 4 e 5 anos, teriam sido sugados para o meio do Rio Parima por uma draga, maquinário usado no garimpo, segundo lideranças indígenas.
“Você pega também o caso dos conflitos motivados pela presença de garimpeiros em territórios Munduruku ou mesmo em territórios dos Yanomami ou se você for em Porto Maldonado, onde temos que pensar muito antes de comer peixe lá por causa da contaminação pelo garimpo. Esse tipo de coisa vai ser muito corriqueira nas terras indígenas, caso esse PL seja aprovado”, justificou.
Francisco Piyãko ressaltou também que os rios, que podem ser contaminados com a exploração, não representam apenas um dos lugares onde os indígenas retiram o alimento, mas também mantém uma relação espiritual com as comunidades.
“Se ele estiver contaminado, é capaz das pessoas não acreditarem que esse rio está contaminado de mercúrio, irem lá e morrerem porque não tem essa barreira. Tem o espiritual que faz a pessoa viver no rio, isso é uma coisa. Não adianta você chegar lá [na comunidade indígena] e dizer que o rio está morto, que não vão comer o peixe, nossa tradição não vai respeitar esse limite. Isso é uma situação que o rio precisa estar bem. A luta é para manter o rio bem, sem falar das outras coisas,” disse.
Piyãko afirma ainda que a União deveria proteger as terras indígenas. “Sobre a homologação, os indígenas não podem carregar essa culpa, o estado que não teve eficiência para administrar isso dentro do tempo correto, colocar gente para estar em seu lugar e com essa garantia formal que querem de ser dono do território. Na verdade, terra indígena não é uma propriedade particular, é veiculada à União e cabe a União proteger e cuidar”, afirmou.
Mineração no Acre
No Acre existe uma grande especulação sobre a existência de minérios como ouro, prata, diamante e ametista. Registros da Agência Nacional de Mineração mostram que várias empresas já pediram para estudar essas áreas. Porém, o que existe de fato no estado é a exploração de água mineral, barro, areia e piçarra. A areia é o recurso mineral mais explorado no estado e movimenta R$ 12 milhões ao ano.
Mais de 200 toneladas de ouro foram extraídas de forma ilegal na Amazônia entre 2015 e 2020. É o que aponta uma pesquisa do Instituto Escolhas. Além do impacto ambiental, a atividade pode criar mazelas sociais irreversíveis.
A possível exploração ilegal de minérios no Parque Estadual do Chandless, no interior do Acre e maior parque da Região Norte, acendeu um alerta. Com dados de investigações da Polícia Civil, o Ministério Público Estadual (MP-AC) começou a investigar se garimpeiros do estado de Rondônia (RO) estariam explorando essas áreas em busca de minérios.
“Segundo a Polícia Civil, homens armados estariam transitando pelo parque. O Batalhão Ambiental da Polícia Militar, no mesmo expediente, em resposta à Promotoria de Sena Madureira, informou que está previsto agora para maio de 2022 um nova incursão para apurar se realmente existem esses invasores e supostos garimpeiros do estado de Rondônia garimpando no Parque Chandless”, explicou o promotor de Justiça Luiz Henrique Corrêa Rolim.
Risco ambiental
Empresários e estudiosos já entraram com pedidos na Agência Nacional de Mineração existem vários pedidos de licenças de estudos e pesquisas no território do Acre. Eles querem confirmar no estado existem prata, diamante, ouro e ametista. As suspeitas são maiores nos municípios localizados na região do Vale do Juruá.
O doutor em geografia física Waldemar Lima dos Santos falou do risco ambiental de autorizar esse tipo de exploração no estado onde há diversas unidades de conservação e parques ambientais. Ele destacou a exploração de recursos naturais seguir normativas existentes na legislação ambiental.
“Não vejo como proibido, mas não vejo com bons olhos, principalmente se tratando do Acre onde temos diversas unidades de conservação, indígenas, ribeirinhos, parques nacionais que, infelizmente ou felizmente, são áreas de proteção. Essas áreas, existindo ou não minérios, elas ficam vulneráveis caso haja aprovação de alguma medida de recurso”, argumentou.