Criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento, o Fundo Amazônia está paralisado em 2019.
Nenhum projeto foi aprovado para financiamento neste ano. No mesmo período do ano passado, quatro haviam sido aprovados. Ao todo, 11 propostas foram apoiadas em 2018, com investimento total de R$ 191,19 milhões.
O Fundo Amazônia, que já captou R$ 3 bilhões em doações, financia projetos de estados, municípios e da iniciativa privada para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal. Noruega e Alemanha contribuem juntas para mais de 90% do total do fundo, que é administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O impasse sobre o seu futuro se tornou público em maio, quando Ricardo Salles, titular do Ministério do Meio Ambiente, anunciou a intenção de alterar seu funcionamento e destinar recursos para indenizar proprietários de terras.
Os principais países doadores do fundo disseram, à época, que estavam satisfeitos com a gestão dele e com os resultados obtidos. No último sábado (10), diante do aumento do desmatamento no Brasil, a ministra do meio ambiente alemã, Svenja Schulze, disse que irá suspender o financiamento de R$ 150 milhões (35 milhões de euros) em projetos para a proteção da floresta e biodiversidade no país. É um dinheiro extra, que não é destinado aos projetos do fundo.
Em resposta, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil não precisa do dinheiro da Alemanha para preservar a Amazônia.
Paralisia desde fevereiro
ONGs relatam que a paralisia do Fundo Amazônia começou em fevereiro, quando funcionários do BNDES informaram que as análises técnicas de novos projetos seriam interrompidas para que fosse feito um "pente-fino" nos contratos anteriores, a pedido do ministro Salles.
Além disso, o BNDES informou ao G1 que há 54 projetos em análise técnica atualmente. Alguns deles foram aprovados em dois editais concluídos em 2018, mas ainda não foram contratados, o que causa apreensão entre as organizações selecionadas. São ao menos R$ 350 milhões parados, que deveriam ser destinados a programas de aumento de produtividade de agricultores e recuperação da vegetação.
Outro indício da estagnação do fundo é a interrupção das atividades do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). Responsável por estabelecer critérios para aplicação dos recursos a cada biênio, o conselho não se reúne desde novembro de 2018, apesar de haver previsão legal para que os encontros ocorram duas vezes por ano. Não foram definidas ainda as diretrizes e critérios que determinam como as verbas devem ser empregadas em 2019 e 2020.
Desde 30 de julho, o G1 tem pedido ao Ministério do Meio Ambiente, por e-mail e por telefone, para esclarecer alguns pontos sobre a paralisia dos projetos, mas não obteve resposta até as 10h desta segunda.
Projetos afetados
Entre as iniciativas aprovadas em edital ano passado e que até agora não foram assinadas e financiadas pelo Fundo Amazônia há projetos de geração de renda e de assistência técnica para agricultores em regiões carentes. É o caso da proposta feita pela ONG Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), que foca em estimular a agroecologia apoiando pequenas associações de produtores locais.
"Pode ser apoiado, por exemplo, um grupo de moradores que trabalha com a cadeia produtiva da castanha e quer aumentar a produção de maneira integrada à proteção da floresta", explica Eduardo Ditt, secretário executivo do IPÊ.
Também aprovado em edital no ano passado, o projeto da ONG Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) deve beneficiar 3 mil famílias oferecendo assistência técnica na cultura de cacau e açaí. O objetivo é aumentar a renda das comunidades e estimular a produção sustentável, que ajuda a preservar a floresta.
"Em muitas áreas você pode ter gente morando, pode ter extrativismo, pode ter atividade econômica na floresta. Não precisa trocar a área protegida por pastagem para ter desenvolvimento, dá para combinar a produção e proteção", diz André Guimarães, diretor executivo do Ipam.
"A ideia é justamente trabalhar com as pessoas e a agricultura, não é deixar a Amazônia como um santuário 100% intocado, sem ninguém", diz Guimarães, do Ipam.
Além de afetar as ONGs, que contavam com os recursos do Fundo Amazônia para o ano de 2019, a paralisia no fundo também prejudica os moradores da região amazônica, que são os principais beneficiários dos projetos, avalia Guimarães.
"Existe um misto de expectativa e frustração entre as famílias beneficiadas, porque eles já tiveram contato com um projeto financiado pelo Fundo Amazônia, e viram o resultado, mas agora esperam a continuidade", explica o diretor do Ipam. "Nas 3 mil famílias que trabalhamos nós conseguimos, em média, uma redução de 75% do desmatamento nos lotes que eles possuíam e um aumento de renda de 120%. Foram 5 anos com visitas semanais a essas famílias. E agora nada, porque o projeto novo está parado."
"Quanto maior é a demora pra fazer com que esses projetos aconteçam, mais tempo a gente perde para implantar ações que comprovadamente funcionam contra o desmatamento e na geração de renda", diz Ditt.
Em adição aos projetos de ONGs, também foram afetadas iniciativas estaduais e municipais. Estão parados recursos para ajudar proprietários rurais da região amazônica a se inscrever no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e obedecer o Código Florestal, que estabelece a área verde que deve ser preservada em cada propriedade.
Um dos entes governamentais afetados é o governo do estado do Amazonas. A verba para o estado investir no CAR nos próximos três anos, de R$ 29,8 milhões, foi aprovada em 2018, mas ainda não saiu do caixa do BNDES.
Até o momento, com os repasses do Fundo Amazônia, foram inscritas 746 mil propriedades no CAR. Somadas, elas ocupam uma área equivalente ao território da Venezuela.
'Pente-fino' nos contratos
Em maio, o ministro Ricardo Salles disse que após um "pente-fino" nos contratos do Fundo Amazônia, teriam sido encontrados indícios de irregularidades nos serviços prestados por ONGs parceiras. Segundo o ministro, cerca de 30 contratos foram avaliados rigorosamente. No entanto, o ministério não divulgou o teor dos contratos ou o nome das ONGs envolvidas nos casos citados. Ao todo, 60 organizações sem fins lucrativos recebem recursos do Fundo Amazônia.
Apenas projetos de ONGS foram analisados na auditoria. Apesar disso, a maior parte dos recursos do Fundo Amazônia vai para instituições ligadas ao governo. Juntos, União, estados e municípios recebem R$ 1,113 bilhão dos R$ 1,860 bilhão contratados por meio do Fundo desde 2010, o que equivale a 60% do valor total do portfólio de projetos.