O fogo que arde na Amazônia é do desmatamento ilegal. Ele é a principal causa das queimadas na região, as maiores para esse período do ano desde 2010.
As impressões digitais da ilegalidade — principalmente a grilagem, isto é, o roubo de terras públicas — aparecem na análise de dados de satélite e fundiários realizada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) dos 45.256 focos de calor no bioma Amazônia registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre 1º de janeiro e 29 de agosto de 2019.
A diretora de pesquisa do Ipam, Ane Alencar, uma das maiores autoridades do país em queimadas, explica que o aumento ocorreu em todas as categorias fundiárias. Mas Ane chama a atenção para duas delas.
A primeira é a das propriedades privadas. Elas ocupam 18% da Amazônia e concentraram 33% dos focos este ano. Essa tendência havia sido apontada pelo Deter, do Inpe, que mostrou que 28% do desmatamento estavam em áreas que constam do Cadastro Ambiental Rural.
Na Amazônia Legal, 80% da área das propriedades precisam ser mantidas e não podem ser queimadas, de acordo com o Código Florestal.
Ainda mais relevante em termos de prejuízos para o Brasil são os desmatamentos que agora geram queimadas em florestas públicas não destinadas. Estas são 15% da Amazônia Legal, mas respondem por 20% das queimadas.
Essas florestas pertencem à sociedade brasileira. São de responsabilidade da União ou dos Estados e ainda não foram destinadas a unidades de conservação, terras indígenas ou outros usos. Como não têm governança definida, se tornam alvos fáceis dos grileiros.
“As florestas públicas não destinadas, federais ou estaduais, ainda carecem de destinação para uma categoria fundiária de proteção como determina a Lei 11.284/2006, conhecida como Lei de Gestão de Florestas Públicas — portanto, por definição, qualquer desmatamento ou fogo que acontece ali é de origem ilegal. Elas somam 63 milhões de hectares, ou 15% da região, e o fogo nestas florestas está geralmente atrelado ao desmatamento resultante de grilagem”, diz a análise do Ipam.
— Vimos um pico do desmatamento e dos focos de fogo nas terras públicas não destinadas. Isso é roubo de terra pública de todos nós. Ilegalidade pura — afirmou Ane Alencar, durante sua apresentação ontem no seminário “Sistemas de monitoramento de cobertura e de usos da terra”, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio, que reuniu os maiores especialistas do Brasil.
Áreas sem nenhuma governança e que não se enquadram nem na categoria das florestas públicas representam 9% do bioma e responderam por 10% das queimadas. Se somadas às florestas públicas não destinadas, elas correspondem a um terço do desmatamento. É a terra de todos roubada por poucos.