Órgão aponta irregularidades da Agência Nacional de Mineração (ANM), Funai e União no processo que concede autorizações, e aponta que atividade pode causar impactos sociais e ambientais negativos nas comunidades indígenas próximas
g1 AC
Após ter um pedido de liminar negado pela Justiça Federal, o Ministério Público Federal no Acre (MPF-AC) entrou com recurso e voltou a pedir a suspensão de autorizações de mineração em áreas próximas a terras indígenas no estado.
A medida ocorre no âmbito de uma ação iniciada pelo MPF, na qual o órgão aponta irregularidades da Agência Nacional de Mineração (ANM), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da União no processo que concede autorizações para a atividade, e aponta que a exploração pode causar impactos sociais e ambientais negativos nas comunidades indígenas próximas.
Dentro desta ação, o MPF entrou com pedido de tutela provisória de urgência. Com isso, caso o argumento fosse aceito, a atividade seria suspensa até o julgamento do mérito da ação.
Porém, de acordo com o juiz Wendelson Pereira Pessoa, documentos que constam na ação mostram que não há processos minerários com concessões em áreas próximas a terras indígenas no estado, mas sim pelo menos sete pedidos de pesquisa minerárias, sendo que três já foram indeferidos.
Além disso, segundo o magistrado, o MPF não conseguiu comprovar no pedido qual a distância necessária para que locais de exploração minerária não prejudiquem as terras indígenas considerando o conceito de zona de amortecimento, apontado pelo próprio órgão na ação, que são limites definidos na criação de unidades de conservação.
“Em resumo, há incerteza quanto aos riscos e consequências dos atos impugnados na inicial, ou mesmo quanto à existência de efeitos concretos deles derivados, uma vez que se trata apenas da tramitação de requerimentos de pesquisa minerária. Por essa razão, torna-se inviável o acolhimento da tutela provisória de urgência pleiteada pelo autor”, diz.
Possíveis irregularidades
Além de pedir a suspensão das autorizações já concedidas, o MPF também pediu a interrupção de pesquisas em curso para impedir a concessão de novas autorizações. A ação pediu ainda o pagamento de multa de R$ 50 mil por dia de atraso no cumprimento das obrigações.
As irregularidades, segundo o MPF, incluem a falta de consulta prévia nem comunicação aos povos que habitam as terras indígenas vizinhas a locais explorados pela mineração.
A ação, assinada pelo procurador André Luiz Cunha, também pede tutela de urgência, “tendo em vista que AMN pode conceder, caso compreenda tratar-se de ato válido, novas outorgas para lavra e/ou pesquisa em áreas sensíveis aos povos Katukina/Kaxinawá, Nukini, Puyanawa e outros que habitam o Acre, sem qualquer consulta prévia, livre e informada aos povos afetados, tampouco participação da Funai”.
“A população indígena local estará exposta a um perigo não mensurado pelo órgão ambiental, tampouco pela fundação indigenista”, ressalta o procurador.
Investigação
Em 2020, um inquérito do MPF apurou que, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), existiam 4.495 requerimentos minerários em áreas que atravessam ou eram próximas a terras indígenas e unidades de conservação de proteção integral. Em 2021, a AMN informou ao MPF a existência de 26 requerimentos de pesquisa para prata e areia nas terras indígenas de Nukini e Katukina/Kaxinawá.
A partir desses dados, o MPF decidiu apurar os impactos das atividades que os requerimentos de pesquisa nas terras indígenas de Nukini e Katukina/Kaxinawá poderiam causar.
“Dando continuidade às investigações, análise de recortes topográficos evidenciou a existência de diversos processos minerários em áreas limítrofes a terras indígenas, além de alguns que chegam a tocar os limites conhecidos dessas terras. Diante das informações, o MPF tornou a questionar a ANM, a Funai e o ISA acerca das consequências socioambientais às comunidades”, ressalta o MPF.
Projeto que autoriza exploração
Em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência de votação do projeto de lei que pretende liberar a mineração em terras indígenas. Três dos oito deputados federais do Acre foram favoráveis à urgência para votação do projeto: Alan Rick (DEM), Dra. Vanda Milani (SD) e Mara Rocha (PSDB).
À época, o coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Juruá e líder dos Ashaninka, Francisco Piyãko, e o antropólogo e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Marcos Matos, falaram sobre os impactos que essa atividade pode trazer aos povos e comunidades indígenas do estado.
Piyãko criticou que os povos indígenas não estão sendo consultados sobre esse projeto de lei e disse que projetos como esse são contra os direitos dos povos indígenas.
“O movimento indígenas do Brasil não tem diálogo com esse governo, não é consultado, as comunidades indígenas não conhecem esse governo, o que tem são essas informações que circulam. Graças a Deus estamos em um momento que gente a tem acesso ao que está acontecendo no país. Nosso movimento indígena tem demonstrado uma resistência e se posicionado muito bem e protegido o território indígena. Se não fosse esse movimento que estamos fazendo, talvez, estaria só as cinzas porque estão queimando floresta com tudo”, pontuou durante o programa Audiência Pública, da CBN Rio Branco.
O antropólogo e professor da Ufac Marcos Matos, que também participou do programa, disse que a mineração não é única questão listada que vai prejudicar o meio ambiente. Há ainda a construção de barragens de aproveitamento hidrelétrico, de hidrocarboneto, gás e petróleo e, no final da proposta legislativa, ainda é colocada a exploração de sementes transgênicas em terras indígenas.
“Ou seja, o que esse PL está fazendo é abrir as terras indígenas para uma exploração altamente predatória que desconsidera as formas tradicionais de ocupação desses territórios e os jeitos indígenas de viver na terra. Além disso, o direito à oitiva só é consagrado nesse PL às comunidades que vivem em terras homologadas, então, as terras indígenas que estão em processo administrativos de demarcação, identificação e delimitação, mas que ainda não são homologadas, que são muitas, não têm esse direito resguardado de participar de um processo justo de consulta,” avalia.