A decisão da ministra Rosa Weber de suspender temporariamente os repasses feitos pelo governo Jair Bolsonaro a parlamentares da base aliada por meio do orçamento secreto tende a gerar um racha entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Um julgamento no plenário virtual vai revisar a ordem liminar na próxima terça-feira, 9.
Saia justa
Ao jornal O Estado de São Paulo, interlocutores dos ministros afirmaram que a decisão de Weber tende a ser mantida, porém, com um resultado apertado, disputado voto a voto, diante das pressões exercidas por parlamentares que se beneficiam da distribuição sigilosa de emendas do relator-geral do orçamento (RP-9).
Boca no trombone
O esquema do orçamento secreto foi revelado pelo Estadão em uma série de matérias iniciada em maio. A chance de pedidos de vista (suspensão) ou destaque (encaminhamento ao plenário físico) surgirem durante o julgamento é considerada remota, sobretudo, por se tratar de uma decisão provisória em um contexto com implicações diretas na dinâmica entre o Executivo e o Legislativo.
Impasse
A possibilidade de o julgamento terminar empatado é aventada por pessoas próximas aos ministros por causa da falta de consenso sobre o orçamento secreto. Neste cenário, caberia a um novo ministro, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a cadeira vaga depois da saída de Marco Aurélio Mello, decidir os rumos do esquema que sustenta a governabilidade do Planalto. Para o cargo, foi indicado André Mendonça, mas seu nome ainda depende de sabatina no Senado e enfrenta resistências na Casa.
Reversão
Segundo o Estadão apurou, interlocutores do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) têm tentado convencer os ministros do STF de que a decisão de Weber pode ser correta do ponto de vista da publicidade dos gastos, mas avança sobre prerrogativas do Legislativo e do Executivo.
Fragilidade
A eventual manutenção do entendimento da ministra afeta o poder de Lira em Brasília. Ele e o governo usam as emendas de relator para reunir maiorias na Câmara. Por isso, o deputado alagoano estaria decidido a reverter o quadro para garantir a influência sobre o plenário não apenas no segundo turno da PEC dos Precatórios, mas na apreciação de futuras matérias.
Confiança
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), disse estar confiante na aprovação da PEC dos Precatórios em segundo turno, apesar da suspensão das emendas de relator. “Não é baseado nisso que construímos a nossa base. Temos uma relação ampla com a base do governo e essa relação não se restringe a emendas” afirmou.
Visão
Para o deputado Alan Rick (DEM-AC) a suspensão das emendas mexe na relação do plenário com o governo, mas ainda não é possível saber o nível da mudança. “Muita gente apoia o governo por convicção, mas outros querem ajudar seus Estados”.
Relatório
Foi distribuído entre os ministros do STF um relatório preparado por consultores da Câmara, a pedido do deputado licenciado Rodrigo Maia (sem partido-RJ). A intenção é municiar com informações as autoridades sobre o funcionamento do orçamento secreto.
Teor
Segundo apuração do jornal paulista, o documento da consultoria da Câmara distribuído entre os ministros do STF cita, por exemplo, a aprovação da Emenda Constitucional nº 2019, que impediu a conversão da execução orçamentária em uma ferramenta de gestão de coalizão.
Desvirtuamento
“A utilização das emendas de relator como uma forma travestida de ressuscitar o caráter discricionário e politicamente orientado das emendas individuais viola de maneira frontal essa regra constitucional aprovada de maneira quase unânime na Câmara, diga-se de passagem”, consta no documento. “É necessário, ainda, ter presente as nefastas consequências sistêmicas desse expediente”, completa o relatório.
Finalidade espúria
“Num quadro de elevada rigidez orçamentária (...) fica patente o potencial danoso do abuso de RP-9. Ele tende a desorganizar os programas estruturais de políticas públicas, escoando os parcos recursos disponíveis ao Poder Executivo para ações que não pensam de forma sistêmica a realidade regional e nacional, limitando-se a atender interesses”, diz outro trecho.
Stop
Além de ordenar que nenhum recurso indicado por parlamentares via emendas de relator seja liberado até que o plenário do STF se manifeste sobre o tema, a ministra determinou que o valor dos repasses e os nomes dos responsáveis pelas indicações passem a ser amplamente divulgados em “plataforma centralizada de acesso público”. Desde o início da série de reportagens do orçamento secreto, o Estadão aponta para a falta de transparência na alocação dos recursos via RP-9.
Estupefato
“Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas, bastando, para isso, a indicação direta dos beneficiários pelos próprios parlamentares, sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos ou jurídicos, realizada por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das autoridades competentes ou da população lesada”, escreveu a ministra.
Esgoto
A propósito dessa questão do orçamento secreto, o jornalista e articulista político Ricardo Noblat, do Blog do Noblat, sentencia que o mar de lama represado pelo orçamento secreto ameaça engolir o governo, de quem seus devotos esperavam uma conduta moral irrepreensível, destaque-se como o mais indecente da história do país desde o fim da ditadura militar de 64.
Cena comum
Reverbera o jornalista que o que surpreende é que uma vez descobertas, as trapaças sigam valendo, outras sejam tentadas e ninguém de fato acabe punido. Trapaça pode ser um contrato fraudulento, como ensinam os dicionários. Ou uma simples ação de má fé para enganar os outros.
A fórceps
Um contrato fraudulento, Bolsonaro a frente dele, chegou a ser assinado para a compra da vacina indiana Covaxin. Foi cancelado depois que a CPI da Covid-19 o denunciou, e unicamente só por causa disso. A história está contada no relatório final da CPI.
Chamando pelo nome
Trapaça foi a prescrição de drogas ineficazes para o combate à pandemia. Ninguém mais do que Bolsonaro deixou suas impressões digitais na trapaça que evoluiu para crime porque custou milhares de vidas que poderiam ter sido salvas.
Despudor
No momento, quer trapaça maior, feita à luz do dia e publicada em Diário Oficial, do que a invenção do orçamento secreto para a compra de apoio à reeleição de Bolsonaro no ano que vem? Porque é disso que se trata o que é chamado de “emendas do relator”.
Rito normal
Não é novidade, e está de acordo com a lei, as emendas individuais ou coletivas de parlamentares ao Orçamento da União para a construção de pequenas obras em estados e municípios. Uma vez que aprovadas pelo Congresso, cabe ao governo pagá-las.
Escândalo
Novidade é a reserva de uma bilionária fatia do orçamento para ser administrada ao gosto do relator da lei orçamentária, e a salvo do conhecimento público. O relator é um preposto do presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL).
Empoderamento
Fato é que Lira, hoje, disputa com Bolsonaro a condição de o homem mais poderoso da República. Bolsonaro, pelo menos, é obrigado a justificar todas as suas decisões, embora nem sempre o faça. Lira, não, e ainda conta com um caixa formidável.
Nova versão
Também nocivo, o mensalão do PT no primeiro governo Lula foi obra de amadores. Via contratos fajutos de publicidade, o PT remunerava deputados que votassem como o governo mandava. Os subornados sacaram o dinheiro em bancos, deixando rastros.
Engenhosidade
O esquema montado pela dupla Bolsonaro e Lira é mais simples, ao mesmo tempo mais engenhoso, com a vantagem de estar coberto por lei. Acontece que se depender da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal, o orçamento secreto será implodido.
Crivo
Esta semana, o Supremo analisará a decisão de Rosa de suspender os pagamentos do governo feitos por meio do orçamento secreto. Um naco dele de 1,2 bilhão comprou votos para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição dos precatórios.
Ao arrepio da lei
Votada em primeiro turno pela Câmara na última quinta-feira, a proposta aplica um calote em dívidas da União transitadas em julgado, e desrespeita a lei do teto de gastos. Em 2010, o Supremo estabeleceu que precatório fosse pago sem maior demora.
Mãe Dinah
No último 7 de setembro, em comício na Avenida Paulista, Bolsonaro vociferou que não mais obedeceria a ordens judiciais. Não satisfeito, tachou de “canalha” o ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, talvez antevisse o caso dos precatórios.
Pratos limpos
Se a maioria dos ministros do Supremo acompanhar o voto de Rosa, o distinto público, afinal, saberá em pouco tempo quem dentro do Congresso recebeu dinheiro do governo para votar assim ou assado; quando e quanto recebeu; e o destino dado ao dinheiro.
Flagrante delito
Mais de um prefeito foi visto em Brasília com mala de dinheiro para pagar a deputado que pôs à venda parte do que recebeu via orçamento secreto. Tem deputado que repassou dinheiro a municípios de estados a milhares de quilômetros do seu.
Sutil diferença
Sobre o governo de Getúlio Vargas nos anos 50, dizia-se que estava prestes a ser engolido por um mar de lama. Abertas as comportas do orçamento secreto, o mar de lama de Vargas não passará de um acanhado brejo. Vargas matou-se em defesa de sua honra.
Novos tempos
Nestes tempos tristes que vivemos, político não se mata ao ter sua honra enxovalhada. Simplesmente declara-se inocente, invoca o direito a foro privilegiado e aposta que a Justiça, além de cega e muitas vezes conivente, é lenta por natureza.