Série histórica de crescimento da população privada de liberdade do Acre é interrompida em 2020 sem que haja aumento da violência
O número de pessoas encarceradas vinha aumentando numa média de 8,85% por ano desde 2012, quando havia apenas 3.492 pessoas privadas de liberdade, tendo o Estado alcançado a maior população carcerária em 2019 quando atingiu o número de 6.283 pessoas em suas unidades prisionais (excluídos as pessoas em monitoração eletrônica).
O ano de 2020 interrompe uma serie histórica de 7 anos de crescimento populacional chegando ao seu último mês com 6.268 pessoas privadas de liberdade, sendo a primeira vez, em oito anos, que o Estado não apresenta elevação desse índice populacional, destacando uma redução de 2019 em relação a 2020 no percentual de 0,2%.
Em relação aos jovens, o cenário não era diferente. Segundo dados do Instituto Socioeducativo (ISE), em maio de 2020 o número de adolescentes privados de liberdade no Acre era de 401, alcançando uma taxa de ocupação de 115%. Em dezembro de 2020 esse número foi reduzido para 288, reduzindo também a sua taxa de ocupação para 81%.
É possível perceber a partir dos dados extraídos do Informativo Mensal do Observatório de Análise Criminal do Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público do Estado do Acre (NAT/MPAC), tomando como base o indicador de roubo na capital, que houve significativa queda nos números de 2020, comparado ao mesmo período de 2019, resultando em uma redução de 36%.
Fonte: https://www.mpac.mp.br/wp-content/uploads/INFORMATIVO_MENSAL_NAT_08-01-2021.pdf
No que diz respeito ao comportamento do número de mortes violentas intencionais (MVI), este indicador apresentou também significante redução de 24% no ano de 2019 em relação a 2018, caindo de uma taxa de 48,0 para 33,2 vítimas para cada grupo de 100 mil habitantes. Já em 2020 houve uma redução de 0,3%.
É avaliada a possibilidade de se atribuir o percentual de redução da violência ao cenário pandêmico vivenciado em 2020 até os dias atuais, no entanto, não há estudos consistentes neste sentido. Mas, o fato é que outros fatores podem também ter confluído para a redução do encarceramento sem que tenha havido aumento da violência.
Um deles é a implementação do Programa Acre pela Vida nos últimos dois anos, com ações integradas da segurança pública e justiça focadas na contenção gradativa das principais causas dos problemas que sustentam a violência no estado, tais como: aquisição de mais tornozeleiras eletrônicas; funcionamento do aplicativo botão da vida; o trabalho da Patrulha Maria da Penha para a proteção a mulher vítima de violência doméstica; o fortalecimento das forças de segurança; e outras.
Essa diminuição ocorrida nos últimos 24 meses é reflexo da tomada de decisões que promovem sustentabilidade para a redução da superlotação e superpopulação carcerária, considerando as políticas de proteção social e todo o ciclo penal, em especial, o fortalecimento das ações de cidadania na socioeducação e na privação de liberdade, bem como o fortalecimento das alternativas penais e do apoio ao egresso do sistema prisional.
Atuação do Judiciário acreano
A amplitude do desafio da questão criminal e penitenciária, bem como do sistema socioeducativo, no Brasil, impõe esforços coordenados e conjuntos. E para ofertar soluções estruturantes e sustentáveis, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), firmou em 2018 Acordo de Cooperação Técnica com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para enfrentar o “estado de coisas inconstitucional” que caracteriza a privação de liberdade no Brasil, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.° 347.
Nesse sentido, foi implantado o Programa Justiça Presente, que em 2020 foi ampliado tornando-se o Programa Fazendo Justiça. No estado, ele é executado no Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF), e conta com a parceria do Ministério Público, Defensoria Pública, Instituto de Administração Penitenciária (IAPEN) e toda a rede de proteção social local, além da duas consultoras dos CNJ/PNUD.
No primeiro ciclo dessa parceria, que se iniciou no Estado do Acre a partir do dia 25 de abril de 2019, o programa Justiça Presente consolidou um intenso trabalho com resultados visíveis. No atual biênio da gestão do CNJ, pelo ministro Luiz Fux (2020/2022), a parceria entra em uma nova fase com o fortalecimento de estratégias e de metas, agora sob o nome Fazendo Justiça.
Para firmar esta nova fase do programa, na próxima segunda-feira, 25, será celebrado acordo de cooperação técnica entre o CNJ e o Poder Judiciário Acreano para pactuar seu novo Plano Executivo Estadual. Na oportunidade serão inaugurados o Escritório Social e o Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada.
O programa está dividido em quatro eixos com atuação em campo, além de um eixo que trabalha ações transversais:
• Eixo 1: Proporcionalidade Penal;
• Eixo 2: Socioeducativo;
• Eixo 3: Cidadania;
• Eixo 4: Sistemas e Identificação Civil
• Eixo 5: Gestão e Ações Transversais
Cada eixo se desdobra em diversas iniciativas, entregas e produtos, com finalidade de enfrentar as questões estruturais do sistema prisional.
A implementação das iniciativas previstas no Fazendo Justiça será avaliada e articulada pontualmente com cada unidade da federação, a partir de critérios técnicos, reuniões de trabalho com atores locais e alinhamento institucional.
Audiências de Custódia
A política nacional adotada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2015 com a implantação das Audiências de Custódia, também vem buscando solucionar o quadro de crise do sistema prisional brasileiro de forma estruturada e sustentada, alcançando progresso no que toca a qualificação da decisão e proteção social, bem como a assistência à pessoa apresentada.
No combate à superlotação e superpopulação carcerária, houve fortalecimento de estratégias de aperfeiçoamento das audiências de custódia, resultando na implementação do serviço de Atenção a pessoa Custodiada, com equipe multiprofissional disponibilizado pela Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas da Comarca de Rio Branco (VEPMA).
Também foram ampliadas as estratégias de integração entre os sistemas de justiça criminal e Central de Integrada de Alternativas Penais e Redes de Proteção Social de Rio Branco, a partir da Rede Intersetorial de Proteção Social. Essas ações resultaram na redução, a partir da Audiência de Custódia da capital, de -0,3% do índice de entradas no sistema prisional no ano de 2020, em comparação ao mesmo período de 2019, segundo dados da Plataforma de Análise de Autos de Prisão em Flagrante do CNJ e do Banco de dados da VEPMA.
Atendimento social, restaurativo e cidadão
Para além do fortalecimento das audiências de custódia, teve início a implantação da Política Pública de Justiça Restaurativa no Poder Judiciário Acreano, conferindo maior expansão institucional com estratégias de ampliação do trabalho em rede.
O TJAC está disponibilizando equipe psicossocial e espaço físico para o projeto e participando do processo de formação e articulação interinstitucional coordenado pelo Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de São Paulo (CDHEP/SP). Serão realizadas práticas junto às varas criminais e de execução de medidas socioeducativas.
Foi implantado, ainda, o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), que recebeu as ações do Sistema de Automação da Justiça (SAJ). A atualização aperfeiçoou a gestão de execução penal dando informações confiáveis e atualizadas para magistrados e gestores públicos tomarem decisões sobre processos e pessoas privadas de liberdade. Este sistema também irá favorecer a identificação de pessoas para que se promova a emissão de documentação civil à população carcerária.
Escritório Social
Dentro desse trabalho contínuo, na próxima semana será inaugurado o primeiro Escritório social do Estado do Acre, em Rio Branco, que reúne, em um mesmo local, atendimentos e serviços para dar suporte aos egressos do sistema prisional. Serviços como encaminhamento profissional, atendimento psicossocial, assistência jurídica, saúde, qualificação profissional e regularização de documentação civil que prepararão para resgatar a cidadania e vencer as barreiras no retorno à sociedade.
Por meio do Programa Fazendo Justiça, a metodologia do Escritório Social está sendo aprimorada e potencializada. A mobilização de pré-egressos, desenvolvida após estudo de caso no Chile, consiste na mobilização de equipes de atendimento a partir de seis meses antes da soltura ou da mudança de regime. Essa equipe trabalha na elaboração de um Projeto Singular Integrado, no qual serão mapeadas as necessidades de cada um, como capacitação profissional, educação, atendimento de saúde ou inclusão em programas sociais.
A implementação de uma política pública de atenção às pessoas egressas favorece que o Estado tenha uma contribuição mais efetiva para o retorno da vida em liberdade após o cumprimento de uma pena em estabelecimento prisional, fortalecendo a retomada de vínculos que inibem a volta ao crime. Por fim, o programa fomenta a articulação de redes permanentes de instituições e equipamentos públicos para responder às demandas identificadas com as pessoas atendidas.
O referenciamento para a rede de atendimento psicossocial, de saúde, de assistência e das demais políticas públicas é essencial na metodologia do Escritório Social, explica Pollyanna Alves, em uma reunião que tratou da profissionalização e empregabilidade de pessoas egressas.
“A parceria com equipamentos públicos, como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Unidade Básica de Saúde (UBS) e albergues, garante que essas pessoas não estejam desassistidas. Atualmente, muitas delas saem sem um vale-transporte ou algum local para ir”, disse Alves.
Estiveram nesta reunião membros do GMF, a desembargadora Regina Ferrari da Coordenadoria da Infância e juventude, o procurador de Justiça Samy Barbosa, a procuradora do Trabalho Marielle, promotores do Ministério Público Estadual, que receberam explanação detalhada da Consultora do Programa Pamela Villela, da coordenadora-adjunta do eixo 3 do Fazendo Justiça, Pollianna Alves e da assessora técnica do eixo 3 do programa, Solange Xavier.
No encontro, foi destaque o planejamento de ações de profissionalização para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, como o Projeto Radioativo da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJAC em parceria com o Ministério Público, Federação das Indústrias do Estado do Acre (FIEAC), Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
Segundo a juíza-auxiliar da Presidência do TJAC, Andréa Brito, em novembro de 2020 foram assinados termos de cooperação entre o CNJ, o Ministério Público do Trabalho e a Confederação Nacional de Municípios (CNM) para construção do Plano Nacional de Geração de Trabalho e Renda em prisões, que visa operacionalizar a Política Nacional de Trabalho (PNAT) para pessoas presas ou egressas pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário. “O Ministério Público do Trabalho tem uma importante atuação no fomento e fiscalização dos contratos firmados pelos Poderes Judiciário e Executivo”, afirma a magistrada.
No decorrer da última semana, a desembargadora Denise, supervisora GMF, o desembargador Samoel Evangelista e os juízes de Direito Robson Aleixo e Andrea Brito, coordenador do GMF e membro do GMF, respectivamente, alinharam a programação para a repactuação do Programa Fazendo Justiça e lançamento do Escritório Social.
Afinal, como enfatizou a juíza de Direito Andrea Brito “a transformação social começa pelo acesso a direitos básicos, na mudança do paradigma retributivo do sistema de justiça para o paradigma restaurativo, de forma a qualificar suas lentes na percepção dos conflitos subjacentes ao fato cometido, amenizando, assim, o Estado punitivista de forma a ampliar o Estado social através de atuação comunitária, da participação do Sistema de Justiça no acompanhamento do ciclo das políticas públicas, do fomento ao controle social e ao empoderamento da sociedade civil bem como de referências comunitárias, construindo redes participativas que pressuponham valores e objetivos partilhados para a retomada da cultura da paz no Estado”.