Responsável por 20,9% do PIB, setor que responde por 33% da arrecadação de impostos federais defende modernização e alinhamento a regras globais
A indústria é o setor com a maior carga tributária no país e o mais prejudicado pela atual estrutura de arrecadação. O setor é responsável por 20,9% do PIB nacional, mas responde por 33% da arrecadação de impostos federais. Enquanto a média nacional entre pessoas jurídicas é de 25,2% do PIB, a indústria de transformação assume uma carga de 46,2%.
A pesada carga tributária prejudica a competitividade da indústria, maior geradora de postos formais de trabalho no país, e ameaça o emprego de cerca de 10 milhões de trabalhadores, segundo análise da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Para atrair investimentos e impulsionar a economia, os empresários da indústria defendem uma reforma tributária com a instituição de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) nacional e a redução da alíquota nominal de tributação das empresas - IRPJ (Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) - para abaixo da média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), organização à qual o Brasil pleiteia aderir.
O último relatório da OCDE, publicado em julho deste ano, mostra que a tributação das empresas chegou a 34% no Brasil, a quarta maior entre 109 países. No relatório anual “Estatísticas Tributárias Corporativas”, a organização aponta que o encargo médio global sobre a renda das companhias é de 20% - 14 pontos percentuais menor que o brasileiro.
“O peso dos impostos é muito elevado no país e faz com que as empresas estudem com muito cuidado se vale a pena crescer, contratar mais trabalha dores e ampliar os investimentos. É muito injusto em relação ao que ocorre na maioria dos países do mundo, em que o setor produtivo é estimulado a gerar e distribuir riqueza para a sociedade”, afirma Marcelo Bois, sócio da Biosonda, fabricante paulista de material para construção.
“Para desafogar a indústria, temos de evoluir para padrões mundiais de tributação, com impostos mais simples, transparentes, incidentes diretamente na venda, como propõe o IVA”, disse Humberto Gonçalves, sócio da TecStan, fabricante de material metalúrgico.
A OCDE coordena hoje os esforços internacionais para harmonizar as regras tributárias com o objetivo de reduzir a elisão fiscal nos países membros e associados, além de evitar uma “guerra fiscal” em âmbito internacional por meio do programa BEPS (Erosão da Base Tributária e Desvio de Lucros). A ideia é coibir o planejamento tributário de multinacionais com arbitragem entre impostos cobrados por diferentes países.
Com base nos dados apresentados pela OCDE neste ano, a organização não governamental Tax Justice Network estima que as empresas multinacionais transferem mais de US$ 1,3 trilhão de lucros por ano para paraísos fiscais ou jurisdições com taxação menor com o objetivo de recolher menos impostos.
No relatório, a OCDE constata que há um desajuste entre o país em que o lucro é declarado e onde de fato é produzido, reforçando a necessidade de aprofundar as questões endereçadas pelo BEPS.
Atualmente, um ponto de atenção da iniciativa do BEPS é a tributação da chamada economia digital, que tem escapado dos fiscos. O projeto do governo de unificar PIS e Confins prevê taxar algumas operações eletrônicas que hoje não são tributadas, como vendas entre pessoas físicas em plataformas digitais e aquisições de bens e serviços em sites sediados em outros países.
Para os empresários da indústria, a nova ordem tributária internacional, iniciada com o projeto BEPS e o pleito do Brasil de acesso à OCDE, oferecem um ambiente favorável às mudanças que o país precisa realizar. Essa nova ordem, no entanto, também apresenta riscos ao crescimento econômico e à base tributária brasileira em caso de não adaptação do país às normas.
Na visão dos empresários, o aperfeiçoamento da tributação de renda das empresas no Brasil não pode ser mais rigoroso do que o padrão internacional nem seletiva, com regras que interessam apenas ao Fisco e sem atenção aos efeitos econômicos para o setor produtivo.
“A convergência permitirá uma maior inserção do Brasil nas cadeias globais de valor e tende a incrementar o investimento estrangeiro direto no país. Mas as empresas devem ser ouvidas e acompanhar o impacto dos novos impostos, conforme são implementados”, afirma Mario Sergio Telles, gerente de Políticas Fiscal e Tributária da CNI.
Engenharia tributária afeta eficiência e produção
Para minimizar os efeitos da tributação e do sistema cumulativo de impostos, as empresas acabam organizando a produção da forma nem sempre mais eficiente e produtiva.
“As indústrias passam a concentrar etapas produtivas, verticalizar a cadeia, em vez de focar na fabricação do produto e buscar eficiência e produtividade. É uma estratégia de engenharia tributária muito comum no setor industrial”, diz o advogado tributarista Maucir Fregonesi Júnior, sócio do escritório Siqueira Castro.
Como existe uma diversidade de tributos, de diferentes características, com uma multiplicidade de regimes especiais e benefícios fiscais, a carga tributária pode variar muito de uma empresa para outra, em um mesmo segmento, dependendo da forma como ela se organiza.
A produção acaba sendo verticalizada ou fragmentada, com fábricas instaladas em regiões distantes, em função da guerra fiscal e incentivos regionais. O sistema tributário influencia na alocação de recursos produtivos, na organização da produção e na decisão de investir, dizem os especialistas.
No setor de máquinas, por exemplo, muitos fabricantes de equipamentos optam por montar uma fábrica de fundição em vez de comprar peças fundidas de um fornecedor, por causa do sistema de cumulatividade que impede a recuperação de créditos gerados pelos tributos pagos.
“A empresa deixa de focar em seu negócio principal, que é fazer máquinas, de buscar eficiência, de comprar de um especialista, porque precisa diminuir o imposto”, diz José Velloso, presidente da Abimaq. “Se eu fundir a peça ‘dentro de casa’, vou pagar um imposto só sobre o insumo da fundição, que tem um valor agregado e uma carga tributária menores. Sai a lógica econômica e entra a lógica tributária.”
Em outras situações, indústrias de diversos segmentos deslocam a produção, atraídas por benefícios de outros estados, e têm de arcar com custos de logística, infraestrutura, que acabam gerando impacto negativo nos negócios. Caso da cadeia automobilística, uma das mais afetadas por essa disputa.
A guerra fiscal, no início, foi vista como uma forma de suprir a falta de uma política de desenvolvimento regional mais efetiva, dizem os especialistas. Com o passar do tempo, isso mudou, porque hoje todos os estados, inclusive os mais desenvolvidos, concedem incentivos.
Com a situação fiscal dos estados, as indústrias não conseguem receber os créditos tributários a que têm direito, mesmo quando a causa é ganha na esfera administrativa ou na Justiça. Os valores totais de créditos devidos por segmento não conseguem nem ser mensurados, segundo associações da indústria. Mas casos pontuais dão noção da dimensão da questão.
“Uma empresa do nosso setor tem ao menos R$ 23 milhões de crédito a receber e não consegue. Com a dificuldade causada pela crise, teve de recorrer ao crédito bancário porque o estado não paga”, diz Fernando Pimentel, presidente da Abit, que reúne as indústrias têxteis.