Vexame histórico no Maracanã faz clube revisitar questionamentos por troca de comando no fim do ano; treinador erra muito em ato final, e equipe é apática do início ao fim
Perder para o Fluminense dificilmente ganha tratamento de vexame. Trata-se de um rival histórico num clássico em que o vencedor muda de lado constantemente, vide as últimas quatro finais, onde cada clube conquistou duas. Agora perder sendo colocado na roda do início ao fim e goleado por 4 a 1 após abrir dois gols de vantagem no jogo de ida é vexame, sim. Dos maiores da história do clube. O Flamengo foi humilhado no Maracanã, e diretoria, Vítor Pereira e jogadores têm culpa.
Esse texto aqui tem alguma semelhança com o da análise escrita após a eliminação na semifinal do Mundial (leia aqui), mas é necessário insistir no quanto a troca de comando no fim do ano foi malsucedida. Mudou-se um projeto que contava com a adesão e entendimento dos jogadores por um radicalmente diferente. Decisão tomada por Rodolfo Landim e executada por Marcos Braz e Bruno Spindel.
Involução técnica e tática com VP
A diretoria desistiu de um trabalho que fez a torcida sonhar com o “mundo de novo”, dada a consistência nos duelos de mata-mata nas conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores. Trocou Dorival Júnior por Vítor Pereira, que nada vencera no Corinthians e chegava com a missão de fazer o Flamengo jogar melhor. Não o fez. O Rubro-Negro andou casas para trás, descaracterizou-se e virou time comum. Trocou o certo pelo duvidoso e pagou caro.
Os erros da diretoria não param por aí. Perdeu João Gomes, um volante de características únicas, intenso no combate e bom também na construção, mas não fez a reposição. Se arrasta na busca por um jogador da posição e nem tampouco trouxe o ponta-direita pedido por Vítor Pereira, o que dá margem para interpretação de que a confiança no trabalho do português já não era a mesma.
O abismo técnico no qual o Flamengo se afundou nesses quatro meses tem Vítor Pereira como figura central, é claro. Ele quem implementou sistema inadequado às características do time, que deu entrevistas falando em evolução que ninguém enxergava e que se mostrou um treinador errante em momentos de substituição e de tomadas de decisão entre um jogo e outro, especialmente na semana que em breve muito possivelmente será tratada como a última dele no clube. Mas não dá para não falar da diretoria.
O jogo: apático, Flamengo entra na roda do início ao fim
Diretoria e Vítor Pereira foram citados como responsáveis pelo desmonte de um Flamengo consistente que se observou em 2023. Mas os jogadores não têm culpa? Claro que têm. É evidente que se sentem desconfortáveis com um sistema diferente de suas características, mas individualmente não funcionaram na vergonhosa goleada sofrida diante do Fluminense. É bom frisar: não somente nesse Fla-Flu. E foram extremamente apáticos. Aceitaram a reversão de uma situação muito difícil para o rival com enorme passividade. A vantagem durou 31 minutos apenas.
Dos maiores ídolos rubro-negros, Gabigol vive seu pior momento no clube. Deu entrevista afirmando que queria brigar pela posição de centroavante com Pedro, mas acabou escalado aberto pela direita, lado por onde o Flamengo foi uma avenida. Não por culpa exclusiva do camisa 10, que não tem o mesmo poder de combate de Matheus França, mas em função de todos que ocuparam aquela faixa.
Varela, que não justificou sua contratação até hoje, fez péssima partida. Cometeu erro grave no segundo gol, não deu sequência às jogadas e tomou um baile do trio Marcelo/Alexsander/Keno. Ainda pela direita, Fabrício Bruno, o melhor zagueiro do time no ano, fez sua pior partida pelo clube.
Aí passamos por Gerson, que ainda não conseguiu ser “aquele Gerson” por questões individuais e também pelo esquema que o isola ao lado de Thiago Maia; David Luiz, Everton Cebolinha, Everton Ribeiro no segundo tempo... Vários medalhões que não funcionaram neste domingo e que não fazem boa temporada.
Engolido no início
A apatia do Flamengo permitia que Marcelo, Alexsander e Keno desfilassem pela esquerda. Com 20 minutos, o Tricolor tinha 64% de posse de bola e o placar de 3 a 0 no quesito finalizações.
Aos 26, um gol com muita facilidade. Fabrício Bruno tocou na fogueira para Everton Cebolinha, que desatento e desacelerado, perdeu para Ganso. Na sequência, Guga, com extrema liberdade, deu a Marcelo, que girou facilmente diante do mesmo Cebolinha, deixou Gerson no chão e abriu o placar.
Um novo show de erros aconteceu cinco minutos depois, e o Fluminense começou a dar totó no Flamengo. Varela errou pela direita, Keno levou a bola para frente com muito espaço e encontrou um também livríssimo Ganso. De primeira para Cano, de primeira para o gol. David Luiz não acompanhou o argentino, e Léo Pereira deu condição para o mesmo. A linha de impedimento tão bem encaixada no primeiro jogo não foi nem sombra na finalíssima. Pane total.
Olés tão marcantes quanto nos gols
Outros dois lances que não resultaram em gol foram claros prenúncios de vitória fácil do Fluminense. Aos 41 minutos do primeiro tempo, o lance do cartão amarelo de Léo Pereira é um deles. Com 18 toques em 15 segundos, Alexsander, Guga, Ganso, Nino e André fizeram Cebolinha, Gerson e Thiago Maia andarem de um lado para o outro. Estavam na roda e pareciam não saber o que fazer. Próximo à troca de passes, Gabigol olhava e também não tomava decisão. Léo foi no corpo de Arias e parou a “toqueira tricolor”.
Pouco depois, Santos fez defesaça em nova jogada constituída por 18 toques, esta em 18 segundos. Impressionou a liberdade com a qual Ganso cobrou falta. Gabigol estava próximo, mas olhou a bola passar perto de si antes de encontrar Marcelo, também completamente desmarcado. O camisa 12 tricolor deu oito toques na bola até encontrar Keno, que deu um drible da vaca em Fabrício Bruno e entregou a Ganso. Alexsander recebeu na área, driblou Fabrício e chutou para grande defesa do goleiro rival. Fácil, fácil.
Mais apatia do Fla e liberdade para o Flu
Na volta do intervalo, Vítor Pereira escancarou que errara antes do apito inicial. Abriu mão dos três zagueiros ao colocar Everton Ribeiro no lugar de Léo Pereira. E tentou corrigir o equívoco de iniciar com Gabigol aberto pela direita ao substituí-lo por Matheus França, que fora tão bem nos últimos dois jogos. O último caso parece incompreensível já que o camisa 10 queria atuar como centroavante.
Incompreensível pela escolha de Vítor e também pela parte de Gabigol, que aceitou a atuar por aquela faixa após entrevista contundente.
As mudanças fizeram o Flamengo ensaiar reação, mas um pênalti em que Fabrício Bruno saltou de braços abertos praticamente matou os rubro-negros no jogo. Chamou atenção como demoraram a tentar correr para pegar o rebote da cobrança de Cano, mas é verdade que a bola estava mais para o atacante.
A pá de cal vem com nova demonstração de apatia. Keno recebe no círculo central e deixa Everton Ribeiro, Varela, Thiago Maia e Fabrício Bruno para trás. Ninguém dá o bote. Keno ainda erra o passe, mas David Luiz corta fraquinho. Na sobra, Cano, com muita liberdade, recebe de Alexsander e vira para Guga, outro livre, leve e solto. O lateral bate, Santos espalma, e Alexsander chega sem marcação para marcar.
Clima de velório no vestiário no intervalo e no pós-jogo
O vexame histórico estava estabelecido. A falta de reação era representada por semblantes que expressavam incredulidade, abatimento e apatia. E não se resumia ao campo. Vítor Pereira, durante o primeiro tempo e já com 2 a 0 de desvantagem, ficou por longos minutos sentado no banco. Em alguns momentos nenhum de seus dois auxiliares, e a área técnica ficava completamente vazia.
No intervalo, pessoas que estiveram no vestiário do Flamengo afirmam ter se deparado com “jogadores derrotados” mesmo com outro tempo a ser jogado. O clima era de velório.
Vítor Pereira tentou levar motivação ao grupo, mas não conseguiu. Gritante foi a pausa para hidratação no segundo tempo. Falou por menos de um minuto com o elenco, até apresentou um gestual mais enérgico, mas a conversa foi rapidamente encerrada com atletas dando as costas com escancarado abatimento.
Já não havia mais o que fazer. Não houve nem reação após o gol de Ayrton Lucas mesmo com dois minutos a jogar. O Flamengo não sofria tamanha humilhação no Maracanã, sendo colocado na roda de bobo, há anos. É verdade que no segundo jogo da final de 2022, também contra o Fluminense, o Rubro-Negro também foi envolvido, mas nem se compara a este 9 de abril de 2023. Uma atuação para esquecer, um início de ano muito frustrante.
No vestiário do pós-jogo, nada de conversa. Mais silêncio e abatimento.
A diretoria do Flamengo já está em busca de um novo treinador sob grande pressão, o nono da gestão Rodolfo Landim. Sabe que não pode voltar a errar num espaço tão curto de tempo e nem fazer apostas em nomes que estejam muito fora da realidade do que é o Flamengo. Está ciente de que Copa do Brasil e Brasileiro batem à porta, e somente uma tacada certeira pode fazer clube e torcida sonharem com reviravolta tão impressionante como a do ano passado.
O moderno Flamengo, cuja gestão soma 11 títulos, entre eles Libertadores, Brasileiro e Copa do Brasil, tem mais uma vez o nada novo desafio de encontrar um nome ideal para o comando técnico do futebol. E dar continuidade a ele. Será possível dessa vez?