Ex-presidente dos EUA é contra a ideia de maior controle sobre a distribuição de armas no país
Discursando em uma convenção do maior lobby pró-armas dos EUA, o ex-presidente Donald Trump rejeitou a ideia de que um maior controle sobre armas impediria episódios como o massacre em uma escola de Uvalde, quando 19 alunos e 2 professoras foram mortos há três dias, afirmando que mais cidadãos deveriam se armar justamente por causa da existência do “mal”.
“A existência do mal em nosso mundo não é motivo para desarmar cidadãos que cumprem a lei”, disse Trump a membros da Associação Nacional do Rifle (NRA). “A existência do mal é uma das melhores razões para armar cidadãos cumpridores da lei.”
O ex-presidente também afirmou que é necessária uma mudança na abordagem dos EUA a questões de saúde mental, além de uma reforma na segurança nas escolas.
Por ordem do Serviço Secreto, responsável pela segurança de presidentes e de ex-presidentes, a plateia presente no evento precisou deixar suas armas do lado de fora da sala.
Muito aplaudido, Trump abriu seu discurso ironizando quem não apareceu no evento, em uma aparente indireta ao governador do Texas, o também republicano Greg Abbott, que optou por permanecer na cidade de Uvalde. Outras pessoas que também estavam confirmadas também cancelaram a ida após o massacre desta semana.
O ex-presidente também chamou o ocorrido na escola primária em Uvalde de uma “atrocidade selvagem e bárbara”, pedindo um momento de silêncio da plateia em homenagem às vítimas, enquanto lio o nome de cada uma delas.
Com expectativa de receber 80 mil pessoas, a reunião da NRA é considerada o maior evento armamentista dos EUA, e este ano, além do grande público e da extensa coleção de armas à vista, também é alvo de protestos do lado de fora do salão de convenções em Houston. A segurança nas ruas da maior cidade do Texas foi reforçada, e por enquanto não há relatos de incidentes mais sérios.
Apesar das muitas divergências internas e problemas legais, a associação segue como um dos principais bastiões do conservadorismo nos EUA, e que tem no direito à autodefesa e ao porte de armas pela população, regido pela Segunda Emenda à Constituição, seu pilar central.
Criada no século XIX, a NRA tem cinco milhões de membros (segundo números próprios), incluindo representantes de destaque: entre eles, atores como Tom Selleck e Chuck Norris, a apresentadora e atriz Whoopi Goldberg e o vocalista do Metallica, James Hetfield.
Mas é no meio político que a NRA desempenha seu papel mais importante e quase sempre discreto. Atuando como defensora da indústria das armas, a organização despeja milhões de dólares nos processos eleitorais, apoiando candidatos na expectativa de vetos a restrições ao acesso a revólveres, pistolas e fuzis de assalto, como os usados em Uvalde.
De acordo com o site Open Secrets, a NRA gastou, nas eleições de 2020, US$ 12 milhões em anúncios contra o então candidato democrata à Presidência, Joe Biden, visto como uma ameaça por defender medidas para controlar quem pode adquirir armas, e quais equipamentos podem ser comprados nas lojas. Outros US$ 4,5 milhões foram diretamente para a campanha de reeleição de Trump.
Os valores foram menores do que os de 2016, quando o republicano derrotou a democrata Hillary Clinton: segundo estimativas, o total pode ter chegado a US$ 70 milhões. A NRA financiou ainda campanhas de outros aliados de Trump, como Abott, o governador do Texas, e o senador Ted Cruz — ambos se opõem a controles no acesso às armas.
Cruz, que em 2016 concorreu nas primárias de seu partido para a Casa Branca, acusou um repórter da rede britânica Sky News de “defender uma agenda partidária” ao ser questionado sobre o tema, em entrevista esta semana.
Apesar de 2022 ser um dos anos com o maior número de ataques a tiros no país — foram mais de 200 desde o dia 1º de janeiro —, deixando mortos em escolas, mercados e outros espaços públicos, a NRA não cogita mudar suas posições;
Ao discursar na conferência, o chefe da associação, Wayne LaPierre, disse que o porte de armas é “um direito humano fundamental”, e que limitar o acesso ao que chama de “direito à autodefesa” não é a solução para uma crise que está diretamente intimamente ligada à facilidade para se comprar armamentos nos EUA. As palavras de LaPierre e a postura da NRA também trazem um modus operandi visto em situações semelhantes no passado.
Em abril de 1999, a associação manteve sua reunião mesmo depois do massacre na escola de Columbine, a cerca de 30 km do local do evento, em Denver, uma semana depois do ataque. Na ocasião, o então presidente do grupo, o ator Charlton Heston, afirmou que “atos horríveis” não deveriam servir como oportunidade para “limitar direitos constitucionais”.
Na quarta-feira, após o ataque em Uvalde, a NRA disse que seus membros iriam “refletir” sobre o massacre, além de “rezar pelas vítimas, homenagear os membros patriotas e prometer redobrar o compromisso para fazer com que as escolas sejam mais seguras”.
Contudo, alguns palestrantes cancelaram suas participações na conferência, entre eles, o vice-governador do Texas, Dan Patrick — a Daniel Defense, empresa que fabricou a arma usada no ataque, disse que não enviaria representantes.
O governador, Greg Abbott, mandou uma mensagem gravada, e estará em Uvalde, a cerca de 500 km de Houston, e três cantores, Don McLean, Larry Gatlin e Larry Stewart, mudaram seus planos após o ataque e não se apresentaram.
Eleições e Suprema Corte
Apesar dos democratas controlarem as duas Casas do Congresso, e do presidente Joe Biden ser favorável a medidas mais restritivas, ações que atinjam o comércio e o porte de armas não tiveram sucesso em iniciativas recentes.
A poucos meses de eleições legislativas, o ânimo parece escasso para levar adiante projetos do tipo mesmo entre os democratas, que vêm se afastando do dinheiro da NRA nos últimos anos. Afinal, muitos brigarão voto a voto em distritos onde os eleitores não pensam em abrir mão de seus rifles e pistolas, e uma declaração vista como progressista demais pode custar uma eleição…ou reeleição.
Analistas lembram ainda que, nos próximos meses, a Suprema Corte deve decidir se uma lei do século XX do estado de Nova York, que exige uma licença específica para que as pessoas andem armadas nas ruas, viola a Constituição dos EUA.
Para que um cidadão obtenha tal documento, ele deve apresentar uma justificativa aceitável e legítima, mas a ação, movida por dois homens e um grupo pró-armas, afirma que tal exigência fere o direito ao porte garantido pela Segunda Emenda. Eles alegam que não é necessário convencer uma autoridade para que esse direito possa ser exercido.
“A decisão da Suprema Corte não deve lidar com restrições a alguns tipos de armamentos ou locais onde as pessoas poderão portar armas”, disse à CNN Jacob Charles, diretor-executivo do Centro para Armas de Fogo da Escola de Direito da Universidade Duke.
“Mas caso a decisão seja mais abrangente, mudando a forma como os tribunais avaliam as leis armamentistas, isso poderia levar a um questionamento amplo sobre regras para armas, como a proibição a armas de grosso calibre ou a carregadores de alta capacidade.”