País isolado do resto do mundo é um dos dois únicos que ainda não iniciou uma campanha de imunização contra a doença
De pé em trajes de proteção vermelho brilhante, cinco profissionais de saúde norte-coreanos caminham de forma resoluta em direção a uma ambulância enquanto o país luta contra um surto de Covid-19 usando antibióticos e remédios caseiros, já que não tem vacinas.
O país isolado é um dos dois únicos que ainda não iniciou uma campanha de vacinação e, até a semana passada, insistiu que estava livre da Covid. Agora, mobiliza forças, incluindo o Exército, e uma campanha de informação pública para combater o que as autoridades reconheceram ser um surto “explosivo”.
Em entrevista à televisão estatal na segunda-feira (16), o vice-ministro da Saúde Pública, Kim Hyong Hun, disse que o país mudou de uma quarentena para um sistema de tratamento para lidar com as centenas de milhares de casos suspeitos de “febre” relatados todos os dias.
A emissora mostrou imagens da equipe responsável por materiais perigosos e trabalhadores mascarados abrindo janelas, limpando mesas e máquinas e pulverizando desinfetante.
O líder do país, Kim Jong-un, disse no domingo (15) que as reservas de medicamentos não estavam chegando às pessoas e ordenou que o corpo médico do Exército ajudasse a estabilizar os suprimentos em Pyongyang, onde o surto parece estar concentrado.
Nesta sexta-feira (20), foram registradas mais 263.370 pessoas com sintomas de febre e mais duas mortes, elevando o número total de casos de febre desde o final de abril para 2,24 milhões, incluindo 65 mortes, segundo a agência de notícias estatal KCNA. A agência, contudo, não informou quantas infecções suspeitas deram positivo para Covid.
Autoridades na Coreia do Sul dizem que é difícil tirar conclusões, em parte porque não está claro como a Coreia do Norte está calculando o número de pacientes com febre e Covid. Os casos de febre relatados pelo governo têm diminuído na capital, mas aumentaram nas províncias rurais.
Grande parte das mortes, segundo o governo, deve-se às pessoas “descuidadas com medicamentos devido à falta de conhecimento e de compreensão” sobre a variante Ômicron e o método correto para tratá-la.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) enviou alguns kits de saúde e outros suprimentos para a Coreia do Norte, mas não disse quais medicamentos contêm. Os vizinhos China e Coreia do Sul se ofereceram para enviar ajuda se Pyongyang solicitar.
Medicação “alternativa”
Para tratar a Covid e seus sintomas, a mídia estatal incentivou os pacientes a usar analgésicos e redutores de febre, como ibuprofeno, amoxicilina e outros antibióticos — que não combatem vírus, mas às vezes são prescritos para infecções bacterianas secundárias.
Enquanto anteriormente menosprezou as vacinas como nada além de “panaceia”, a mídia recomendou gargarejar água salgada ou beber chá de madressilva ou de folhas de salgueiro três vezes ao dia.
“Os tratamentos tradicionais são os melhores!”, uma mulher disse a emissoras estatais enquanto o marido descrevia ter feito os filhos gargarejarem água salgada todas as manhãs e noites.
Segundo a agência de notícias estatal, “milhares de toneladas de sal” foram enviadas a Pyongyang para fazer uma “solução antisséptica”. Alguns estudos sugerem que gargarejos com água salgada podem ajudar a combater os vírus que causam o resfriado comum, mas há poucas evidências de que eles retardam a propagação da Covid.
Uma moradora idosa de Pyongyang disse que foi ajudada pelo chá de gengibre e pela ventilação de seu quarto.
“Fiquei assustada com a Covid, mas depois de seguir os conselhos dos médicos e receber os tratamentos adequados, não foi grande coisa”, disse em entrevista televisionada.
Embora não afirme que antibióticos e remédios caseiros eliminarão a Covid, a Coreia do Norte tem um longo histórico de desenvolvimento de tratamentos cientificamente não comprovados, incluindo uma injeção feita de ginseng cultivado em elementos de terras raras que poderia curar tudo, desde aids até impotência.
Alguns têm raízes em medicamentos tradicionais, enquanto outros foram desenvolvidos para compensar a falta de medicamentos modernos ou como exportações “ made in North Korea “.
Apesar de um grande número de médicos treinados e da experiência na mobilização para emergências de saúde, o sistema médico da Coreia do Norte está com falta de recursos, dizem especialistas.
Em um relatório de março, um investigador independente de direitos humanos da ONU disse que o país é atormentado por “subinvestimento em infraestrutura, pessoal médico, equipamentos e medicamentos, fornecimento irregular de energia e instalações inadequadas de água e saneamento”.
Kim Myeong-Hee, 40 anos, que trocou o Norte pela Coreia do Sul em 2003, disse que essas deficiências levaram muitos norte-coreanos a recorrer a remédios caseiros.
“Mesmo se formos ao hospital, na verdade não há remédios. Também não havia eletricidade, então os equipamentos médicos não podiam ser usados”, disse ela.
Quando contraiu hepatite aguda, ela disse que foi orientada a tomar minari — uma salsa-de-água que ficou famosa pelo filme de mesmo nome de 2020 — todos os dias e a comer minhocas quando afligida por outra doença desconhecida.
Os remédios caseiros às vezes não conseguiram evitar a perda de vidas durante as epidemias na década de 1990, acrescentou Kim.