Cemitério tem sepulturas anônimas de 751 pessoas
Um cemitério com sepulturas anônimas de 751 pessoas foi encontrado próximo a um antigo internato para crianças indígenas na província de Saskatchewan, no Canadá. A descoberta ocorre apenas um mês depois ter sido identificada uma vala comum com os restos mortais de 215 crianças em Kamloops, na província de Colúmbia Britânica. Os eventos recentes geram onda de denúncias e testemunhos por parte de antigos alunos e sobreviventes dessas escolas.
O líder de um grupo indígena canadense confirmou, nessa quinta-feira (24), a descoberta de centenas de sepulturas não identificadas próximas a uma antiga escola para crianças indígenas. Trata-se do internato de Marieval, aberto entre 1899 e 1996, uma de mais de 130 escolas do país gerida pelo governo e a Igreja Católica com o objetivo de atender à população jovem indígena na sociedade.
“Não é uma vala comum. São sepulturas sem identificação”, disse Cadmus Delorme, chefe da Primeira Nação Cowessess. Ele adiantou ainda que não se sabe se todos os restos mortais são de crianças ou se há adultos também no local.
Alguns moradores locais disseram que as lápides foram removidas. “Não removemos essas lápides. Isso é crime neste país. Estamos tratando o local como uma cena de crime”, afirmou o líder do grupo indígena.
Delorme disse ainda que este é, até hoje, o local “mais significativo” de sepulturas não identificadas encontrado no Canadá e que a descoberta “reabre a dor” de muitos ex-alunos que sofreram em escolas como aquela.
“Sabes que te vão agredir”
Robert Kakakaway, sobrevivente da escola de Marieval em Saskatchewan, foi forçado a frequentar o internato a partir dos seis anos. Ao receber a notícia nessa quinta-feira, chorou enquanto cumpria os rituais diários, ligados à cultura indígena de que foi afastado quando criança. “Muitos desses túmulos são provavelmente de familiares”, afirmou.
Em entrevista à televisão canadense CBC, ele citou as famílias das quais crianças pequenas foram retiradas para que frequentassem essas escolas. “Sabiam que o fim estava próximo e não havia nada que pudessem fazer quanto a isso”.
“Sabes que te vão agredir, sabes que te vão dar murros, sabes que vão fazer alguma coisa”, lembrou. O ex-aluno recordou-se de ver um colega ser imobilizado pelo responsável pela escola, um padre. “Foi amarrado 15 vezes em uma mão, 15 vezes na outra. As mãos do pobre menino estavam vermelhas por ter sido espancado por aquele homem adulto”.
Muitos indígenas têm denunciado as marcas e o legado que as escolas deixaram e que ainda hoje se refletem nas comunidades, com alcoolismo e dependência química como principais exemplos.
“Muita da dor que vemos no nosso povo vem daqui. Eles fizeram-nos acreditar que não tínhamos alma”, afirma Florence Florence Sparvier, uma antiga aluna de um internato para indígenas.
Vala comum em Kamloops
Há apenas um mês, uma descoberta semelhante abalou o Canadá: foram encontrados os restos mortais de 215 crianças numa vala comum próxima a um antigo internato em Kamloops, na província de Colúmbia Britânica.
Entre 1883 e 1996, cerca de 150 mil crianças canadenses de comunidades indígenas foram forçadas a viver em 139 desses centros espalhados pelo país, administrados pelo governo e a Igreja Católica.
Nessas escolas, milhares de crianças foram forçadas a converter-se ao catolicismo e estavam proibidas de falar idiomas indígenas. Muitas sofreram negligência na doença, abusos físicos e verbais. Milhares acabaram por morrer.
Um relatório divulgado em junho de 2015 classifica o que se passou nessas instituições como “genocídio cultural” e que pelo menos 3.125 menores morreram nesses centros.