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Premier da Nova Zelândia anuncia renúncia: ‘Sem mais combustível’

Premier da Nova Zelândia anuncia renúncia: ‘Sem mais combustível’

Jacinda Ardern, mulher mais jovem da História a chefiar um governo, aos 37 anos, assumiu o posto em 2017 e ficará até 7 de fevereiro; eleições serão em outubro

A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, surpreendeu nesta quarta-feira, 19, ao anunciar que renunciará no dia 7 de fevereiro, oito meses antes das eleições gerais, previamente marcadas para 14 de outubro. Ela está no poder desde 2017, quando virou um fenômeno global ao transformar-se na mulher mais jovem da História a ser eleita para chefiar um governo aos 37 anos.

Em um discurso emocionado durante a reunião do seu Partido Trabalhista, ela disse que não se sente mais apta para governar o país. Afirmou crer que liderar uma nação “é o trabalho de maior privilégio que alguém pode ter, mas também um dos mais desafiadores” e que ninguém deve assumi-lo “sem que tenha o tanque cheio e mais um pouco na reserva para os imprevistos”.

“Estou saindo porque com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Inclusive a responsabilidade de saber quando você é a pessoa certa para liderar e quando não é”, disse ela durante o evento na cidade de Napier. “Eu sei o que esse trabalho exige. E sei que não tenho mais o combustível necessário para fazê-lo da melhor forma. É simples assim”, afirmou Ardern.

Segundo Ardern, o Partido Trabalhista fará uma eleição para eleger seu novo líder em três dias — figura que também governará a Nova Zelândia ao menos até a eleição de outubro, já que no modelo parlamentarista neozelandês é o líder da legenda majoritária que ocupa o cargo de chefe de governo. O vice dela, Grant Robertson, que seria o favorito, já afirmou que não concorrerá.

Pelas regras trabalhistas, se ninguém conseguir dois terços dos votos dos correligionários no Parlamento, a votação será ampliada para os filiados da legenda. O cronograma exato para tal hipótese, contudo, ainda não está claro e pode abrir margem para disputas partidárias que prejudiquem mais as chances de uma sigla já atrás nas pesquisas para as eleições de outubro. 

Ardern afirmou também que ponderou durante seu recesso de verão se tinha a energia necessária para continuar no governo e concluiu que a resposta era negativa. Disse também que os últimos cinco anos e meio foram os “mais recompensadores” de sua vida, mas que era a hora de deixar o cargo.

“Eu sou humana, políticos são humanos. Damos tudo o que podemos até quando podemos. E então é hora”, disse Ardern, comentando que deseja ser lembrada como “alguém que sempre tentou ser gentil”. “Espero deixar os neozelandeses com a crença de que você pode ser gentil, mas forte. Empático, mas incisivo. Otimista, mas focado. E que você pode ser seu próprio tipo de líder. Alguém que sabe a hora de ir”, completou.

Fenômeno global

Ardern tinha 37 anos quando, em 2017, tornou-se a mulher mais jovem da História a ser eleita chefe de governo, fato que lhe deu popularidade internacional. Em junho do ano seguinte, rendeu manchetes pelo mundo por ser a segunda mulher a dar a luz enquanto chefiava um país — a primeira foi a paquistanesa Benazir Bhutto. Três meses depois, levou sua bebê para a Assembleia Geral da ONU.

Seu progressismo e boa comunicação, por vezes contrastavam com os perfis de presidentes e primeiros-ministros contemporâneos: entre eles, Jair Bolsonaro, Donald Trump e Boris Johnson.

Foi em 2019, contudo, que Ardern tornou-se uma das líderes mais proeminentes do planeta por sua resposta ao massacre de Christchurch, um ataque terrorista contra duas mesquitas que deixou 51 mortos. Ela se referiu ao episódio como um incidente de violência “extrema e sem precedentes”, se recusou a dizer o nome do suspeito, um nacionalista branco, para não dar notoriedade a ele. Foi veemente em suas condenações à xenofobia e na defesa da diversidade.

Quase de imediato, Ardern anunciou o endurecimento das restrições à venda de armas. Em seguida, o Parlamento votou para proibir a circulação e o uso da maioria das semiautomáticas, além de peças que convertem armas regulares em semiautomáticas, e algumas espingardas.

Ela também esteve à frente do país durante a condução da Covid-19, bastante celebrada durante os meses iniciais da crise sanitária: agiu de forma rápida e eficiente, fechou as fronteiras ainda em março de 2020 — só voltaram a ser reabertas no ano passado — e implementou um sistema de alerta. Enquanto boa parte do mundo vivia sob restrições sanitárias antes das vacinas, os neozelandeses levavam vidas praticamente normais.

A boa resposta levou seu Partido Trabalhista a uma vitória acachapante nas urnas em 2020, dando-lhe um segundo mandato de três anos. A legenda à época teve 49,1% dos votos, conquistando 65 dos 120 assentos do Parlamento, uma rara maioria em um sistema de representação proporcional mista, que combina voto distrital e proporcional, o que reduz as chances de uma legenda governar sozinha.

A popularidade de Ardern, contudo, reduziu com a reabertura e a explosão de casos causadas pelas variantes mais contagiosas do coronavírus — algo que ocorreu quando a vacinação anti-Covid já era extensa no país. A própria premier adiou o casamento com seu namorado no ano passado devido às restrições. 

As últimas pesquisas de 2022 mostravam o Partido Trabalhista com cerca de 33% das intenções de voto, menos que os 38% do opositor de centro-direita Partido Nacional. São alguns dos piores números desde que ela chegou ao poder, após os trabalhistas apostarem na juventude e na boa comunicação da até então pouco experiente deputada e conseguirem uma vitória que até então parecia improvável.

“Não estou saindo porque acho que não conseguiremos vencer a eleição, mas porque acredito que podemos e iremos, e precisamos de gente nova para esse desafio”, afirmou ela, dizendo também que continuará a representar a cidade de Auckland no Parlamento até abril para evitar uma eleição extraordinária.

Um dos fatores que fez a “Jacindamania” perder força em casa foi a economia. O aumento da inflação e do custo de vida, apesar de similares ao resto do mundo, pesaram para a premier. A variação anual da inflação no segundo trimestre do ano passado chegou a 7,3%, pico em 32 anos, taxa que reduziu 0,1 ponto percentual no trimestre seguinte.

O preço dos alimentos é o mais caro em três décadas e a previsão dos especialistas é que o Estado entre em recessão neste ano. Se no início de 2021 cerca de 70% dos neozelandeses acreditavam que o país caminhava na direção certa, no fim de 2022 o percentual havia caído para cerca de 30%. Alguns episódios de crime bem noticiados também ajudaram a disseminar uma opinião de que seu governo era fraco no combate à violência.

As ameaças também cresceram frente à insatisfação com as quarentenas anti-Covid, mandados de vacinação e teorias conspiracionistas. Por semanas, manifestantes ocuparam os jardins do Parlamento, com alguns deles inclusive pedindo que a premier fosse enforcada. Ela afirmou, contudo, que nada disso influenciou a decisão.

“Não quero dar a impressão de que as adversidades que você enfrenta são a razão pela qual as pessoas deixam a política. Sim, tem um impacto. Nós somos humanos acima de tudo. Mas não foi isso que fundamentou minha decisão”, disse ela, afirmando ainda não ter planos futuros além de passar mais tempo com sua família.