Aprovada no mesmo dia na CCJ da Câmara, PEC de Cacá Leão (PP-BA) abriria janela a nomes do STJ e TCU próximos a Bolsonaro e pode abrir efeito cascata de nomeações
Analisada no mesmo dia que a “PEC da Vingança” pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a idade máxima de indicados a tribunais superiores abriria uma nova chance para favoritos do Centrão a vagas no Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta, apresentada pelo deputado federal Cacá Leão (PP-BA), permitiria a indicação de pessoas com até 70 anos para o STF, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tribunais regionais federais (TRFs) — bem como seus equivalentes hierárquicos na Justiça do Trabalho — e também para o Tribunal de Contas da União (TCU). Hoje, o teto é de 65 anos de idade.
Na medida em que aumenta o rol de selecionáveis para tribunais superiores, a PEC também pode gerar um efeito cascata de abertura de vagas nas cortes de origem. O STJ, por exemplo, é composto em parte por desembargadores egressos dos TRFs, cuja reposição também passa por nomeações do presidente Jair Bolsonaro.
Por ser conflitante com a “PEC da Vingança”, que reduz de 75 para 70 anos a idade de aposentadoria compulsória no serviço público, a proposta de Cacá Leão é tratada como uma alternativa, com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A análise das duas PECs na mesma sessão da CCJ foi fruto de um acordo com a presidente do colegiado, Bia Kicis (PSL-DF), autora da “PEC da Vingança”.
A partir de agora, cada uma deve tramitar em comissão especial própria. Lira sinalizou, contudo, que não criará por ora a comissão da “PEC da Vingança”, por falta de acordo na Casa, mas dará prosseguimento à outra proposta.
Com o limite de 70 anos para indicações em vigor, nomes como o ministro do STJ, João Otávio Noronha, e o atual presidente da Corte, Humberto Martins, voltariam a ter condições de ocupar vagas no STF. Na regra atual, como completaram 65 anos em agosto e em outubro, respectivamente, Noronha e Martins tiveram sua última chance quando o ministro Marco Aurélio Mello se aposentou, em julho.
Bolsonaro indicou para a vaga seu ex-advogado-Geral da União (AGU), André Mendonça, que enfrenta resistências do Centrão e até hoje aguarda sua sabatina na CCJ. A sabatina deve ocorrer na próxima semana. Depois disso, caso passe pela CCJ, a indicação de Mendonça ainda tem de ser votada no plenário do Senado.
Outro nome que já foi citado pelo próprio Bolsonaro ao Supremo, e que poderia ser beneficiado pela PEC, é o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes. O prazo para Nardes é mais apertado: ele completa 70 anos em outubro de 2022. Além de precisar que a PEC estivesse aprovada e promulgada até lá, os únicos cenários em que Nardes poderia entrar na corrida pelo STF seriam em caso de rejeição ou desistência do nome de Mendonça, ou ainda se algum outro ministro da Corte decidisse antecipar a aposentadoria.
“Diferentemente da PEC que reduz a idade de aposentadoria do STF, o que viola direitos adquiridos e a independência entre Poderes, não vejo esta segunda PEC (da ampliação de idade de indicações) como algo que atinge cláusulas pétreas. A idade máxima sempre foi de 65 anos, mas não é cláusula pétrea. Isso permitiria que mais pessoas concorram a cargos de ministro de tribunais superiores. Estranho seria se as duas PECs fossem aprovadas”, avaliou o constitucionalista e professor da Uerj, Gustavo Binenbojm.
Alianças no Senado
Humberto Martins foi um dos nomes defendidos por Lira nos bastidores para ocupar a vaga de Marco Aurélio no STF. Enquanto Mendonça era considerado “lavajatista” por lideranças do Centrão, Martins é tido como um nome com maior trânsito na classe política. Martins e Lira são conterrâneos de Alagoas. Em 2018, Lira obteve uma liminar, que depende de análise no STJ, para concorrer a um novo mandato na Câmara mesmo após ter sido condenado em segunda instância pela Justiça alagoana, o que o enquadraria na Lei da Ficha Limpa.
Apesar do apoio do Centrão, Martins acabou rifado da disputa em meio à resistência de pastores e líderes de igrejas próximos a Bolsonaro, que cobravam do presidente um nome “terrivelmente evangélico” ao Supremo. Martins é membro da Igreja Adventista. Mendonça, que é pastor presbiteriano, reuniu o apoio de lideranças pentecostais e neopentecostais, com maior representatividade em número de fiéis.
Outro fator para resistências a Martins foi sua relação de longa data com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que apoiou sua indicação ao STJ em 2006, no governo Lula (PT). A abertura da vaga de Marco Aurélio coincidiu com o início da CPI da Covid, em que Renan foi o relator e rivalizou com o governo.
Já Noronha, que foi indicado ao STJ no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), tem se aproximado de Bolsonaro em paralelo a decisões favoráveis a seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), em recursos do caso da “rachadinha” que chegaram à Corte. No início deste mês, em sessão da Quinta Turma do STJ, depois de o ministro relator Jesuíno Rissato votar contra um pedido da defesa de Flávio para anular todas as decisões de primeira instância do caso, Noronha fez um voto divergente, acompanhado pelos demais colegas, e concordou com a anulação.
Na prática, a decisão faz com que a investigação da “rachadinha” volte à estaca zero. Por ter aberto a divergência, Noronha assumiu a relatoria do caso de Flávio no STJ. Nesta terça, ele proferiu nova decisão determinando que, para o caso voltar a andar, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) deverá apresentar nova denúncia.
O ministro do STJ foi também o responsável por apresentar a proposta de criação do novo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), sediado em Minas Gerais, estado natal de Noronha. A proposta foi aprovada pelo Senado com apoio da bancada mineira da Casa, incluindo o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), que relatou o projeto. Para o TRF-6, serão nomeados por Bolsonaro 18 novos desembargadores a partir de listas tríplices que serão elaboradas pelo próprio tribunal, um desmembramento do TRF-1.
O ministro do TCU Augusto Nardes, que não figurou entre os mais cotados para o STF antes da indicação de Mendonça, foi lembrado duas vezes recentemente por Bolsonaro. Em setembro, durante evento em Arinos (MG), Bolsonaro elogiou o ministro do TCU e disse ter certeza que se Nardes “fosse ministro do Supremo Tribunal Federal, ele votaria contra (a revisão do) marco temporal” de terras indígenas.
Em outubro, desta vez em São Roque (MG), Bolsonaro agradeceu a presença de Nardes e lembrou que ambos foram “colegas de Parlamento”. Nardes foi deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul até 2005, quando assumiu o posto no TCU. Em 2015, ele foi o relator que abriu o caminho para a rejeição unânime pelo TCU das contas da então presidente Dilma Rousseff (PT), o que tornou-se a base do processo de impeachment.
Ao agradecer as menções, Nardes disse que estava nos eventos “não como ministro, mas como produtor rural”, e elogiou os atos antidemocráticos do 7 de Setembro promovidos por bolsonaristas, dizendo a Bolsonaro que o movimento “mostrou a sua liderança”.
Tribunais já têm vagas em aberto
Eventuais movimentações de Martins, Noronha ou Nardes para o STF exigiriam recomposições do STJ e do TCU. No caso do tribunal de contas, a vaga caberia a indicação feita pela Câmara dos Deputados. Bolsonaro já nomeou no TCU em 2020 seu indicado entre os sete membros da Corte, o ministro Jorge Oliveira.
O TCU terá ainda outras duas vagas até 2022: a da presidente da Corte, Ana Arraes, que completa 75 anos em julho e abrirá outra vaga da cota da Câmara, e a do ministro Raimundo Carreiro, apontado por Bolsonaro para a embaixada em Portugal, deixando uma cadeira que cabe ao Senado.
No caso do STJ, a vaga de Martins corresponde ao terço oriundo dos Tribunais de Justiça estaduais, enquanto a cadeira de Noronha entra na cota de indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O STJ já tem hoje duas vagas em aberto, que precisam ser preenchidas por desembargadores federais. Em todos esses casos, cabe ao próprio STJ eleger a lista tríplice final que é submetida à escolha do presidente. A eleição das listas para as duas vagas atuais, com indicações oriundas dos TRFs, ocorrerá em fevereiro de 2022.