Solar Baeta Neves, do século XIX, era tombado pelo Iphan e chegou a receber restauração orçada em mais de R$ 370 mil em 2010
A queda de dois casarões históricos na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, após um deslizamento de terra no Morro da Forca , na manhã desta quinta-feira (13), era um risco que pairava há dez anos na cidade colonial de 74 mil habitantes, patrimônio mundial da Unesco.
Apesar de o desmoronamento não ter deixado nenhuma vítima, pois os prédios estavam desocupados pela Defesa Civil desde 2012, a perda histórica possivelmente é irreparável, segundo especialistas. A perda mais importante é do Solar Baeta Neves, construído no século XIX, o maior dos prédios atingidos.
O professor de Engenharia Geológica da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP-MG), Mateus Oliveira Xavier, explica que sabia-se do risco que as construções corriam há quase dez anos, quando foram esvaziadas pelo município. Segundo ele, a decisão foi acertada, o que acabou evitando uma tragédia. No entanto, faltou, posteriormente, um estudo para construção de algum tipo de contenção que evitasse a destruição dos patrimônios.
“O Morro da Forca já é conhecido há anos como uma região de instabilidade. Aqueles casarões atingidos não eram ocupados desde 2012 justamente porque houve movimentos de massa naquela época e, então, prefeitura e Defesa Civil acharam melhor, por segurança, retirar as ocupações. Também não tivemos fatalidades ali hoje porque a Defesa Civil foi avisada previamente quando notou-se um movimento de terra e fez um isolamento de toda a região que poderia ser atingida, de forma preventiva e correta”, explica.
O professor conta que a encosta, naquela área que deslizou, é de muito difícil acesso. Para que qualquer tipo de prevenção fosse instalada, seria necessária uma análise profunda.
“Algumas formas de contenção poderiam ter sido aplicadas ali antes, como muros de contenção, tirantes, redes de proteção caso algum bloco rochoso pudesse cair, então, existem inúmeras formas de proteção. Mas, para isso, é necessária uma avaliação geotécnica mais pontual, local e detalhada, para saber qual seria a melhor opção. Como aquela encosta é de muito difícil acesso, eu acredito que o primeiro passo foi dado, que foi a desocupação das edificações, o que salvou vidas, mas posteriormente deveria ter sido feito, sim, um estudo para alguma forma de contenção”.
O geólogo explica também que, em épocas de chuva, Ouro Preto sofre historicamente com as próprias características: de solo, vegetação e habitação, o que põe em risco tantos patrimônios tombados que residem na cidade.
“Ouro Preto, de forma geral, tem grande parte de seu território em regiões suscetíveis aos movimentos gravitacionais de massa. Ou seja, as características naturais, a geologia, uso e ocupação, vegetação, todas as condições relacionadas à região se demonstram suscetíveis a esse tipo de movimento. Porém, ele só acontece quando há algum gatilho, e esse gatilho é ativado no período das chuvas. Acontece uma saturação no solo, e esse excesso de água provoca esses movimentos de terra. Foi justamente o que aconteceu em 2012, e existem registros históricos de 1979 com movimentos muito semelhantes aos que estão acontecendo agora”.
Solar Baeta Neves
O maior casarão destruído pela terra, contam pesquisadores locais, era o Solar Baeta Neves, erguido no final do século XIX por uma tradiconal família de comerciantes da região. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o mais antigo registro sobre elel indica que o terreno foi adquirido em 1890, pela família Baeta Neves. O casarão foi construído nos dois anos seguintes, às margens do Córrego do Funil, próximo à Estação Ferroviária, local que mais se desenvolvia na cidade, ainda antes da transferência da capital para Belo Horizonte.
“Duas casas foram destruídas. Uma delas era um sobrado com dois pavimentos, que era uma construção consideravelmente mais importante, construída no final do século XIX, onde residiu uma importante família de Ouro Preto, e que ficou conhecido como Solar Baeta Neves. Era de uma época em que a cidade estava se expandindo para aquele lado onde tem a Estação da Estrada de Ferro. Era interessante porque, apesar de ser do século XIX, tinha um aspecto da arquitetura colonial. No interior, havia alguns forros, peças bem trapalhadas que era muito interessante que tivessem sido preservadas”, lamenta Tito Flavio Rodrigues de Aguiar, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFOP.
Ele conta que o imóvel chegou a sediar uma pasta municipal antes de ser esvaziado, enquanto o prédio vizinho serviu como alguns tipos de comércio, como mas recentemente uma barbeara. Em registros do Iphan é possível observar que em julho de 2010, serviu de palco para o anúncio de reformas feitas pela entidade em algumas construções históricas de Ouro Preto. Nessa ocasião, uma última reforma feita no solar custou R$ 373,5 mil,
“O prédio chegou a ser sede de uma das secretarias municipais de Ouro Preto e, em 2012, a casa foi esvaziada quando houve um deslizamento ali mesmo, no Morro da Forca, também em janeiro e em época de fortes chuvas. Na época, houve um deslizamento sobre a Estação Rodoviária. Desde então, a casa estava fechada, desocupada e condenada. Para que fosse preservada, deveria ter sido feito um trabalho de contenção na encosta, que acho que nunca houve condição de ser feito”, afirmou, corroborando o que disse o professor de geologia.”É uma pena porque, de alguma maneira, já vinha compondo a paisagem da cidade. Pelo visto, foi totalmente perdido”.
Sobre reconstrução do imóvel tombado, Tito diz não ser impossível, pela quantidade de registros que existem sobre o casarão, mas que o primeiro passo seria estabilizar a encostas do Morro da Forca.
“Tem muita documentação dele no escritório técnico do Iphan, na prefeitura, era um casarão que tinha muita informação documentada, com desenhos, planta, levantamentos etc. Mas não sei se tem condições de ser reconstruído. Antes de tudo, teria que se tentar estabilizar a encosta que, ao que parece, vai continuar levando problemas”, disse o professor, acrescentando que faltam soluções para problemas que todos os órgãos competentes já conhecem na cidade. “É uma situação muito difícil, porque o mapeamento sobre os riscos existe, a consciência de que o problema está aí existe, mas as condições políticas e administrativas para poder lidar com isso estão cada vez menos presentes. O município até tem tido uma ação importante, mas historicamente a preservação de Ouro Preto tem dependido muito da instância federal, e o Iphan tem passado por situações extremamente delicadas”.