Vladimir Medinsky diz que os dois lados estão ‘no meio do caminho’ sobre a proposta de desmilitarização, mas presidente acusa Ucrânia de “crimes de guerra”
O principal representante russo nas conversas sobre um cessar-fogo na Ucrânia e sobre um acordo que pavimentará as relações entre Moscou e Kiev, Vladimir Medinsky, afirmou que os dois lados estão “no meio do caminho” sobre os termos de uma eventual desmilitarização ucraniana, e apresentam posições similares em outros temas centrais.
Ao mesmo tempo, o presidente russo, Vladimir Putin, manteve a retórica elevada em conversas com líderes da Alemanha e França, e acusou a Ucrânia de cometer “crimes de guerra” no atual conflito.
Em entrevista à Interfax, Medinsky não deu detalhes sobre o que está sendo discutido no momento com os representantes ucranianos, mas sugeriu que as diferenças sobre o status neutro da Ucrânia e o compromisso do país de não entrar para a Otan, pautas centrais para os dois lados, estão dimunuindo.
Isso não significa, contudo, que um acordo possa ser anunciado da noite para o dia: desde o início das conversas, Kiev exige, em troca da desistência de uma candidatura à Otan, garantias de segurança por parte de outros parceiros da comunidade internacional, como forma de evitar uma nova invasão no futuro.
Esta semana, diplomatas ucranianos sugeriram que os países com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU — EUA, China, França, Reino Unido e China, além da própria Rússia —, ao lado de Alemanha e Turquia, dessem essas garantias.
Outro ponto mencionado por Medinsky foi a demanda russa pela desmilitarização ucraniana, algo que está diretamente ligado às garantias de segurança exigidas pela Ucrânia — segundo ele, as conversas estão “na metade”.
— O fato é que não estou autorizado a divulgar nenhum detalhe das negociações e não o farei, nem números específicos nem os argumentos das partes negociadoras, mas nesta parte estamos em algum lugar no meio do caminho — disse Medinsky à Interfax.
O representante do Kremlin mencionou ainda o diálogo sobre uma acusação feita pela Rússia, a de que o governo ucraniano é comandado por “nazistas”, argumento usado para justificar a invasão militar. Sobre este tema, não há avanços.
— A situação é bastante estranha, uma vez que nossos colegas ucranianos, do outro lado da mesa, consideram que não há formaçoes nazistas na Ucrânia, e que este não há formações nazistas na Ucrânia, e que esse não é um problema na Ucrânia moderna — disse Podolyak. Segundo especialistas, há de fato grupos e milícias neonazistas dentro da Ucrânia, que são de certa forma tolerados pela sociedade, contudo, seu papel dentro do governo e nos processos de tomada de decisão é considerado mínimo, se não inexistente.
Inicialmente realizadas presencialmente na Bielorrússia, país aliado de Moscou, as conversas entre Rússia e Ucrânia vêm ocorrendo a passos lentos, e ainda não apresentaram resultados concretos sobre um cessar-fogo amplo, e que garanta o fim da guerra iniciada há 23 dias. Até o momento, os dois lados concordaram com o estabelecimento de rotas para a saída de civis de áreas de conflito, como Kharkiv e Mariupol, para regiões mais seguras, incluindo em território russo.
Apesar das palavras até certo ponto positivas de Medinsky, algumas posições do lado ucraniano devem ser de difícil consenso: a começar pela definiçao do que será o território da Ucrânia depois do fim da guerra. Kiev vem pontuando desejar que os limites do país sejam os mesmos de 1991, ano da independência, o que significa que a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, e as províncias de Donetsk e Luhansk, autodeclaradas independentes no mês passado, voltariam a seu controle.
Moscou, por sua vez, não aceita a devolução da Crimeia, alegando que ela está integrada a seu território, e exige que a independência das duas regiões separatistas seja reconhecida pela Ucrânia.
Em publicação no Twitter, Mykhailo Podolyak, principal negociador ucraniano, disse que as posições defendidas pelo seu governo não serão modificadas, e aproveitou para fazer uma crítica ao outro lado.
“Status da negociação: as declarações do lado russo são apenas sobre suas demandas na mesa. Todas declarações são feitas para provocar tensão na imprensa. Nossas posições não foram modificadas. Cessar-fogo, saída das tropas e fortes garantias de segurança com modelos concretos”, escreveu Podolyak.
O vice-chefe de Gabinete da Presidência, Andrii Sybiha, também afirmou, nesta sexta-feira, que seu país não vai abrir mão de sua candidatura para integrar, no futuro, a União Europeia.
— Serei categórico, e isso é absolutamente inaceitável. É nossa escolha, a candidatura para a União Europeia foi enviada e agora está correndo seu curso — afirmou, em declarações transmitidas na TV ucraniana.
Acusações russas
Em conversa telefônica com o presidente da França, Emmanuel Macron, o líder russo, Vladimir Putin, detalhou as demandas russas nas negociações, segundo comunicado emitido pelo Kremlin, e os dois discutiram o atual estágio das conversas, sem dar detalhes.
Contudo, Putin manteve o tom elevado dos últimos dias, e acusou “as forças de segurança ucranianas e nacionalistas” de cometerem “numerosos crimes de guerra cometidos diariamente”, mencionando ataques contra cidades da região de Donbass, hoje controladas por separatistas pró-Moscou.
Macron, por sua vez, se disse “extremamente preocupado” com a situação em Mariupol, uma das cidades mais bombardeadas pelas forças russas: segundo o Palácio do Eliseu, o líder francês exigiu o fim das hostilidades, o acesso de ajuda humanitária à região e o “respeito imediato de um cessar-fogo”.
Em outra conversa, agora com o chanceler alemao, Olaf Scholz, Putin acusou os ucranianos de tentarem atrapalhar as negociações bilaterais.
“Observou-se que o regime de Kiev está tentando de todas as maneiras atrasar o processo de negociação, apresentando propostas cada vez mais irrealistas”, diz o comunicado do Kremlin. “No entanto, o lado russo está pronto para continuar a busca de soluções alinhadas com suas conhecidas abordagens de princípios.”
Assim como fez com Macron, Putin disse que suas forças estão fazendo “todo o possível para salvar a vida de civis, inclusive organizando corredores seguros para a saída da população das cidades na zona de combate”, algo que não é corroborado por moradores de áreas atingidas, e por imagens de prédios e casas atingidos por mísseis.