Aliança de esquerda será a segunda força política, seguida pelo partido de Marine Le Pen, que teve seu melhor desempenho histórico
O segundo turno das eleições parlamentares francesas deste domingo provou-se catastrófico para o recém-reeleito presidente Emmanuel Macron, que perderá a maioria absoluta na Assembleia Nacional. A aliança de esquerda Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes) será a segunda força política no país, mas a grande surpresa veio da extrema direita. O grupo teve não só seu melhor desempenho histórico, mas seus deputados pularam de oito para 89 cadeiras parlamentares.
A coalizão de centro-direita Juntos, de Macron, fez 246 cadeiras, bem menos que as 289 necessárias para manter a maioria absoluta com que governou pelos últimos cinco anos e forçando-o a negociar com a oposição para implementar sua agenda. Apenas a República em Marcha, partido de Macron e principal sigla da coalizão, havia conquistado 313 cadeiras em 2017.
“A situação nesta noite é inédita (...) e representa um risco para o nosso país diante dos riscos em escala nacional e internacional”, disse a recém-nomeada primeira-ministra de Macron, Elisabeth Borne, após uma reunião de três horas com o presidente. “A partir de amanhã, trabalharemos para construir uma maioria de ação.”
A Nupes, liderada por Jean-Luc Melénchon, do partido França Insubmissa, elegeu 142 deputados, representando as principais forças de esquerda do país, que se uniram após a eleição presidencial de abril. O resultado, segundo o político da esquerda radical, significa uma “derrota total” de Macron :
“Minha mensagem nesta noite é de luta”, disse ele, que não se candidatou para deputado e que, portanto, não terá uma cadeira na nova Assembleia. “Nem por um momento sequer vamos desistir de governar este país (...). Seremos uma oposição firme, mas com respeito às instituições.”
Confirmando o que especialistas têm chamado de “tripolarização” da política francesa, a ultradireitista Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, que disputou o segundo turno da eleição presidencial de abril com Macron, surge como a terceira força. Os 89 assentos darão à extrema direita a capacidade de formar uma bancada parlamentar pela primeira vez em 36 anos — o resultado é também mais que o dobro do recorde anterior de 35 deputados, na eleição de 1986.
“Apesar de uma votação injusta e inadequada, o povo decidiu enviar um grupo parlamentar muito poderoso à Assembleia, que se torna um pouco mais nacional”, disse Le Pen a apoiadores, referindo-se ao sistema eleitoral distrital em dois turnos no pleito legislativo, que costumava desfavorecer a direita radical. “Conseguimos nossos três objetivos: transformar Emmanuel Macron em um presidente minoritário, continuar com a necessária reorganização política, e constituir um grupo de oposição decisivo contra os destruidores que vem de cima, os macronistas, e de baixo, a extrema esquerda.”
No modelo francês, um partido ou coalizão que tiver mais de 15 deputados pode formar um “grupo parlamentar”. Agora, a sigla reinventada por Le Pen nos últimos anos terá mais tempo de fala e mais poderes no plenário, como o de convocar um recesso e apresentar moções de censura. Terá também maior acesso a dinheiro público, ponto importante para uma legenda que acumula mais de € 20 milhões (R$ 107 milhões) em dívidas.
O “tsunami azul” foi, segundo o atual presidente da RN, Jordan Bardella, uma “conquista histórica” — ascensão que coincide com o que tem sido chamado de “colapso da direita republicana”, com maior aceitação de discursos contra os imigrantes e a União Europeia. A direita tradicional, com Os Republicanos e a União dos Democratas e Independentes (UDI), conquistou 64 assentos, 55 a menos do que têm atualmente.
O Republicanos, partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy, perdeu o posto de maior grupo de oposição, sendo renegado à posição de quarta força política. O desempenho, ainda assim, é melhor do que as pesquisas indicavam na última semana e evita uma repetição do desastroso pleito presidencial, do qual a candidata os Republicanos, Valérie Pécresse, saiu com 4,8% dos votos.
“Continuaremos na oposição”, disse Christian Jacob, presidente da legenda, após o fechamento das urnas.
As eleições legislativas deste domingo confirmaram também a tendência de baixa participação, em especial nas eleições legislativas: cerca de 54% dos franceses optaram por não votar. A abstenção é menor do que a de 57,36% registrada nas legislativas de 2017, mas superior à registrada no primeiro turno deste ano, confirmando previsões. Na semana passada, 52,51% dos franceses aptos não foram às urnas, um recorde para a etapa inicial do pleito durante a V República, em vigor desde 1958.
O Parlamento fragmentado resultante do pleito, chamado informalmente de “terceiro turno” das eleições da França, fará com que Macron seja o primeiro presidente francês em 20 anos a não governar com uma maioria absoluta na Assembleia Nacional. Agora, ele não poderá mais depender exclusivamente do bloco formado pelo seu República em Marcha (que será renomeado Renascimento após o pleito legislativo) e pelos partidos de centro-direita Agir, Horizons e MoDem.
O presidente francês precisa da Assembleia Nacional para cumprir seus objetivos de política interna, aprovar gastos e fazer alterações na Constituição. Uma das pautas prioritárias de Macron é sua há muito prometida reforma de Previdência, com o aumento da idade mínima da aposentadora, de 62 para 65 anos. Para aprová-la, precisará forjar coalizões ou alianças temporárias.
A tendência é que o governo faça acenos para a sigla de Pécresse, buscando acordos com a direita tradicional. E, mesmo assim, as bancadas de ambos os blocos juntos não lhe darão uma margem folgada.
Se o resultado permite a Macron manter o controle de setores estratégicos como defesa e política externa, que no modelo semipresidencialista francês são prerrogativas da Presidência, ele terá problemas em outras áreas. Macron já havia anunciado que integrantes de seu Gabinete que não fossem reeleitos precisariam ser substituídos.
A ministra de Saúde, Brigitte Bourguignon, e a ministra da Transição Ecológica, Amélie de Montchalin, foram derrotadas em suas circunscrições eleitorais. O atual presidente da Assembleia Nacional, Richard Ferrand, amigo e aliado de Macron, perdeu na Bretanha. O chefe da maioria macronista, Christophe Castaner, também foi derrotado.