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Brasil/Mundo

“Guedes come picanha enquanto eu almoço ovo”, diz vendedor de bala

Fala do ministro sobre dar resto de comida aos desamparados gera revolta

Sob um sol forte, na fila da Caixa para receber o auxílio emergencial de R$ 150, o vendedor de balas Éverton Brandão, de 28 anos, se indignou ao saber que o ministro da Economia, Paulo Guedes , havia sugerido, durante o Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento promovido pela Associação Brasileira de Supermercados, que a fome do Brasil é motivada pelo desperdício no prato da classe média. Pai de quatro filhos e com esposa desempregada, o trabalhador informal que já atuou em mercado, açougue, fábrica de roupas e firma de limpeza diz topar qualquer coisa , menos “entrar para a vida errada”. Porém, com pouco crédito no celular e sem internet em casa, só consegue distribuir currículos impressos, o que não gera resultado. Para ele, a responsabilidade pela desigualdade social empurrada para empresários e cidadãos é, na verdade, do governo.

“Não tem como a comida do rico parar no prato do pobre. Ele não come o que eu como. Paulo Guedes está ficando maluco. Ele come picanha, enquanto eu almoço ovo todo dia. Hoje, o cardápio vai ser fritada de salsicha. Pergunte a ele o que vai comer”, sugere o vendedor de balas: “Com esse valor do auxílio, não consigo nem comprar quatro bolsas de mercado. O que falta é dignidade para todo mundo. Emprego para os adultos e qualificação para os mais jovens.”

A argumentação de Guedes também não convenceu a desempregada Raiane Cândido Gomes da Silva, de 20 anos. A jovem, que é mãe solteira de uma bebê de um ano, conta que veio da Paraíba para o Rio de Janeiro há dois, em busca de uma vida melhor. Não encontrou. Mesmo com experiência como babá, cozinheira e formação em estética, não é chamada para ocupar nenhum posto de emprego. Para piorar, o crédito que recebia de R$ 180 do Bolsa Família foi bloqueado sem motivo aparente.

“Queria que cada político passasse uma semana na nossa pele, sem o dinheiro deles. Quem está no topo não se importa com quem está aqui embaixo. Além da falta de oportunidades, o preço de tudo aumentou. O feijão, o arroz e até o óleo, que já está custando R$ 10”, reclama.

A dona de casa Lenice dos Santos de Souza, de 53, também criticou a fala do ministro. Nessa sexta-feira (18), ela, que depois de 22 anos teve a aposentadoria por invalidez cortada pelo INSS, esperava atendimento bancário para resolver um problema em seu aplicativo Caixa Tem, enquanto o marido, com 60 anos, trabalhava como ambulante no trem.

“Os governantes têm auxílio terno, moradia, gasolina, com o salário superior a R$ 30 mil. E a gente é que tem que passar fome? Eu já tentei buscar emprego, mas quem vai dar trabalho para uma pessoa com mais de 50 anos e cheia de problemas de saúde?”, questionou Lenice.

A economista do Insper, Juliana Inhasz, avalia que Guedes minimiza um problema sério: a fome, com uma fala que chega a ser cruel. Para ela, a falta de uma visão mais empática pode ter impacto, inclusive, na disputa eleitoral de 2022:

“Quem não tem nada está fazendo malabarismo para poder pôr comida na mesa. As pessoas não estão desempregadas ou recebendo o auxílio porque querem. A gente voltou a ter no Brasil pessoas que passam fome, enquanto o governo se exime da responsabilidade e joga a culpa na população. É por conta dessa postura que acredito que a economia vai pesar negativamente para a próxima eleição presidencial.”