Partido teve candidato ao Planalto em todas as eleições desde sua fundação, mas perdeu espaço para o bolsonarismo
Com a desistência de João Doria de participar da corrida eleitoral, o PSDB pode ficar sem um candidato à Presidência pela primeira vez desde sua fundação, em 1988. Para além da crise interna que minou a candidatura do ex-governador de São Paulo, a ausência na urna carrega como simbolismo o declínio da sigla nos últimos anos, quando perdeu espaço e protagonismo na política nacional.
Desde a redemocratização, o PSDB foi o único a conquistar uma eleição presidencial no primeiro turno. E fez isso duas vezes, com Fernando Henrique Cardoso, em 1994 e 1998. Quando FH foi reeleito, o PSDB elegeu 99 deputados e 16 senadores, totalizando 115 parlamentares em Brasília. Hoje, são 28 congressistas, o que representa uma queda de 75%. O legado do passado, do Plano Real à Lei de Responsabilidade Fiscal (aprovadas no governo FH), contudo, não foi suficiente para garantir as vitórias do futuro. Desde o início dos anos 2000 a sigla passa por um processo de encolhimento nas eleições ao Legislativo e, a partir de 2014, nas disputas aos governos estaduais e prefeituras.
De 1998 a 2014, o partido sempre ficou entre as maiores bancadas do Congresso, com um número de parlamentares capaz de fazer frente ao PT. Mas isso mudou em 2018, quando deixou o posto de principal opositor da esquerda para o bolsonarismo, na época abrigado no PSL. A sigla de Doria e FH hoje amarga a nona colocação entre as bancadas da Câmara, atrás de PSD e Republicanos, o que a coloca no patamar de um partido médio.
O temor de perder mais cadeiras no Congresso e nos governos estaduais é um dos principais fatores que levaram a sigla a recuar na candidatura própria. Uma ala numerosa do PSDB representada por seu presidente, Bruno Araújo, e lideranças da Câmara e do Senado, como o deputado Adolfo Viana (PSDB-BA), defendem a tese de que o partido precisa dar “um passo atrás para depois dar dois à frente”. Em outras palavras, investir todo o dinheiro (leia-se fundo partidário e eleitoral) e energia para eleger deputados, senadores e governadores em 2022. Só assim, na visão desse grupo, será possível pensar em uma candidatura presidencial em 2026.
A ala formada por tucanos mais antigos, chamada internamente de “cabeças brancas”, que incluem políticos como o ex-presidente FH, o senador Tasso Jereissati, o ex-ministro Pimenta da Veiga e o ex-deputado Marcus Pestana, entre outros, é contrária a ideia de não lançar candidato próprio ao Palácio do Planalto.
Eles entendem que “não discutir o Brasil em âmbito nacional” é praticamente uma traição aos princípios que fundaram o partido a partir de uma dissidência interna do antigo MDB. Por esta visão, a sigla deveria entrar na disputa para marcar posição e mostrar a sua visão de país, mesmo que fosse para perder.
“Se o PSDB não tiver candidatura própria vai caminhar para ser um partido pequeno qualquer, sem personalidade”, afirmou Pestana. “Estamos muito distantes do partido que eu ajudei a fundar”, acrescentou Pimenta da Veiga.
Mesmo crítico a Doria, o deputado Aécio Neves (MG) também defende a necessidade de o partido ter um nome próprio na disputa presidencial e comanda a resistência interna por um acordo da sigla em torno da candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS). “É hora de aproveitarmos esses últimos acontecimentos para reconstruirmos a unidade do PSDB em torno do único caminho que permitirá que o partido continue a cumprir sua trajetória em defesa do Brasil, ou seja, com uma candidatura própria à Presidência da República”, disse Aécio, ontem, em nota após a desistência de Doria.
Falta de identidade
Para cientistas políticos que estudam as movimentações partidárias no país nas últimas décadas, a falta de uma identidade própria é uma das principais razões que levaram à desidratação do PSDB.
“Depois do governo FH, o partido se ateve muito mais a fazer a críticas aos governos do PT do que elaborar o seu próprio programa, e reafirmar a sua social democracia. E ele foi se descaracterizando, se fragmentando em várias correntes e perdeu a identidade. E aí se transformou num partido bastante comum. A política é cruel, quando você não tem uma marca, você sucumbe”, afirmou o professor do Insper e cientista político Carlos Melo.
A perda do protagonismo no campo da direita para o bolsonarismo no período pós Lava-Jato e o “choque geracional” também explicam a derrocada da legenda, segundo o cientista político Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências.
“A perda do monopólio da centro-direita é quase sinônimo da desidratação do PSDB. (...) Tem um custo ficar na oposição durante muito tempo. A questão que fica é se o partido conseguirá resgatar esse legado, mesmo não sendo protagonista na campanha presidencial, como o DEM e o MDB já fizeram”, disse Cortez.