Famílias lutam por reparação três anos após rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale, na cidade mineira
Exatos três anos após o rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, cidade de Minas Gerais, familiares das vítimas seguem na luta para encontrar todas as joias , como chamam os atingidos, e também partes dos corpos das vítimas já localizadas.
Esse é o caso de Maria Regina da Silva, mãe de Priscila Elen, uma das funcionárias da Vale que foi soterrada pelos rejeitos. Funcionária do setor de compra e venda, Priscila era uma mulher de 29 anos que estava no trabalho, antes motivo de orgulho para a família, quando a barragem se rompeu. O “tsunami de lama” provocou a morte dela e de outras 269 pessoas, sendo duas gestantes.
“Eu enterrei minha filha duas vezes”, conta Regina ao iG. “Eu descobri que a Priscila me foi entregue sem a cabeça, sem a perna e sem um braço”, relata.
Regina lembra que a chamaram para reconhecer a filha no dia 12 de fevereiro, mais de duas semanas após a tragédia. Mas o baque emocional não a permitiu assumir o reconhecimento e uma de suas outras filhas prosseguiu com o trâmite. Um ano depois, ela afirma que estava “meio desorientada” e decidiu voltar ao IML. Foi quando encontrou um braço e uma mão de Priscila. A cabeça, outro braço e uma perna da vítima ainda não foram encontradas.
“O que essa empresa fez com a gente é muito triste porque nós entregamos trabalhadores responsáveis pra eles, pessoas dedicadas e eles nos devolveram pedaços”, destaca, acrescentando ainda que essa é a realidade de outras famílias que enterraram apenas parte do corpo de seus entes queridos, como um pé.
Diante de tamanho sofrimento, um dos pleitos da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão, a Avabrum, é a mudança oficial do uniforme da Vale. Também diretora da entidade, Regina afirma que o pleito não foi atendido.
Segundo ela, a empresa entregou uma nova farda de “péssima qualidade” e deixou o uso a critério dos trabalhadores. “Eu encontro várias pessoas no meu caminho com esse uniforme e, pra nós, ele significa morte”, pontua.
Questionada sobre isso, a Vale diz incentivar o uso do novo uniforme, na cor cinza, afirma que “boa parte dos empregados com acesso frequente a Brumadinho” não utiliza mais a farda verde e acrescenta que alterou o padrão gráfico plotado na frota de veículos que transportam os funcionários.
Reparação
Além dessas mudanças que prezam pelo respeito ao luto das famílias, a Avabrum reivindica reparações justas para todos os atingidos. A entidade hoje processa a Vale para que as indenizações considerem um cálculo da expectativa de vida feito pela própria empresa e posteriormente revisado.
“A Vale fez um cálculo errado. Não é errado de R$ 50 reais, é de R$ 100 mil, R$ 400 mil em cima da vida das pessoas. Então, a gente entrou com uma ação pra que fosse reconhecido esse erro e ela vai cada vez mais jogando pra frente. Ela não admite que está errada”, critica a diretora.
Em julho do ano passado, a Vale firmou um acordo com o governo do estado de Minas Gerais para o repasse de R$ 37,6 bilhões em 10 anos. A previsão é de que o montante seja usado em investimentos de infraestrutura como o novo anel viário, hospitais regionais, obras para garantir segurança hídrica à região metropolitana, saneamento básico nos municípios da bacia do rio Paraopeba e outras ações.
Essa negociação é alvo de críticas também por parte das Comissões de Lideranças de Atingidos da Cidade de Brumadinho. O representante legal desse grupo, Silas Fialho, ressalta que o interesse da gestão não é o mesmo das vítimas.
“A Vale é omissa da responsabilidade porque o estado deu a ela esse direito quando fechou um acordo e botou um número nesse acordo. Pra que ela vai querer conversar com Silas?”, brada o representante.
Ao iG, o homem contou que antes era assistente administrativo, mas hoje se dedica integralmente à reparação das vítimas. Residente do Parque da Cachoeira, um dos bairros mais atingidos pela lama, ele perdeu uma tia e um primo, além de “mais de 200 amigos”, como conta, para a tragédia.
“A gente ajudou a tirar mais de 15 mortos da lama”, lembra, ao comentar que participou da operação de salvamento por seu profundo conhecimento da região atingida. Desde aquele momento, Silas não abandonou as atividades que buscam ressarcir os direitos dos atingidos.
“A Vale não deu um centavo à minha tia que perdeu o filho. Foi um processo tão malicioso que não teve critério, a Vale selecionou quem ia indenizar”, acusou. “Quanto vale uma vida? Pra Vale, R$ 100 mil, que não traz seu parente de volta, a felicidade que se tinha com eles”.
De acordo com a mineradora, mais de R$ 2,6 bilhões foram dedicados à indenização de cerca de 12 mil pessoas que residiam em Brumadinho e territórios evacuados.
Silas acusa ainda a empresa de cercear seu direito de ir e vir, com caminhões de obras que fecham as ruas, de provocar constantes prejuízos que deixam a região sem água e sem energia elétrica, e também de processar moradores que organizaram protestos contra a empresa. “Eu me considero sobrevivente. Tem três anos que eu sou atingido, a gente é atingido todos os dias”, desabafa.
Em resposta, a Vale alega que discute no Judiciário “apenas as questões que podem comprometer a segurança das pessoas, inclusive trabalhadores, bem como a continuidade de atividades essenciais à população atingida, com as obras para captação de água e os cuidados com animais”.
O que mudou?
Em meio a essas críticas e acusações, o iG procurou a Vale e o governo de Minas Gerais para questionar, entre outras coisas, o que foi feito para evitar que a tragédia se repita. Brumadinho, vale lembrar, foi o segundo caso de rompimento de barragem nos últimos anos.
Mais de três anos antes, em Mariana, também no interior de Minas Gerais, a barragem do Fundão se rompeu em uma tragédia ambiental que impactou 39 cidades e matou 19 pessoas.
Procurada pelo iG, a Vale disse que trabalha na eliminação de todas as suas barragens alteadas a montante “no menor prazo possível, tendo como prioridade a segurança das pessoas, dos trabalhadores e do meio ambiente”. A previsão da empresa é concluir o processo para que nenhuma barragem esteja em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025, quando prevê que 67% das estruturas alteadas já terão sido eliminadas. Até o momento, foi feita a eliminação de sete estruturas do tipo de um total de 30 mapeadas.
Em nota, a mineradora ressalta ainda que os acordos individuais que têm firmado com as vítimas e seus familiares seguem parâmetros definidos pela Defensoria Pública do estado, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e por entidades sindicais. Outras ações que a empresa destaca são a concessão de estabilidade no emprego aos trabalhadores, garantia de assistência psicológica e psiquiátrica a eles até este mês de janeiro, seguro por acidente de trabalho, auxílio-creche e auxílio-educação aos filhos de funcionários falecidos e indenização por dano moral.
O portal também procurou o governo mineiro, mas a assessoria de comunicação não respondeu às perguntas feitas pela reportagem até a publicação desta matéria.