Levantamento do Idec mostra que o problema é nacional e prefeituras não estão conseguindo resolver sem ajuda do governo federal
Um levantamento feito pelo Idec mostrou que, entre março de 2020 e julho de 2021, ao menos 14 Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) foram abertas em Câmaras Municipais pelo Brasil para investigar ilegalidades nos sistemas de transporte público. Além disso, entre dezembro de 2020 e maio de 2021, ocorreu uma série de greves, rompimentos contratuais ou intervenções no serviço de transporte público, somando 56 ocorrências no país (ver mapas abaixo).
De acordo com a entidade, a situação caótica tem como causa a pandemia da Covid-19, que aprofundou problemas já existentes em contratos de concessão do serviço e evidenciou conflitos de interesses entre o setor público e a iniciativa privada.
O isolamento social exigido para contenção da doença resultou em uma grande queda no número de passageiros reduzindo drasticamente a arrecadação das empresas de transporte coletivo. Com isso muitas entraram em crise financeira e exigiram aumentos de tarifa ou abandonaram as operações, obrigando as prefeituras a assumirem o serviço em caráter emergencial. Houve também uma onda de greves, visto que as empresas tampouco cumpriram suas obrigações trabalhistas.
“São cada vez mais numerosos os casos de suspensão do serviço de transporte coletivo, redução de frota, greves de funcionários e aumentos de tarifas. Essa discussão tem ficado restrita a cada município. Mas trata-se de um problema nacional e estrutural, que vem de muito tempo e se acentuou com a pandemia”, explica Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec.
CPIs
De acordo com a pesquisa, há neste momento CPIs instaladas em duas capitais: Belo Horizonte (MG) e Teresina (PI). Em outras duas já se obteve assinaturas para abertura da Comissão: Palmas (TO) e Campo Grande (MS). Já em Porto Alegre (RS) foi instalada uma Comissão Especial na Câmara Municipal para discutir a situação do transporte coletivo. Além dessas, as comissões também estão em funcionamento em: Blumenau (SC); Campos dos Goytacazes e Nova Friburgo (RJ); Conselheiro Lafaiete (MG); Ponta Grossa (PR) e São José dos Pinhais (PR); Mauá, São José do Rio Preto e Valinhos (SP). As cidades de Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG) e Umuarama (PR) já concluíram suas respectivas CPIs sobre transporte no período de pandemia.
Rafael Calabria explica que o serviço de transportes já vinha sendo objeto de questionamento social há vários anos, como em São Paulo (2013), Rio de Janeiro (2018) e Niterói (2013). Segundo ele, em geral, os principais fatos que motivam a abertura de CPIs são a falta de transparência e irregularidades sobre o cálculo das tarifas, além do descumprimento de itens do contrato de concessão. Com a chegada da pandemia esses problemas se aprofundaram.
“A piora dos serviços foi acompanhada de propostas de aumentos abusivos de tarifa ou subsídios pelas prefeituras, o que levou muitas câmaras municipais a criarem CPIs a fim de investigar os custos e lucros das empresas concessionárias no período”, ressalta Calabria.
Algumas das CPIs já concluídas encontraram irregularidades mas, até o momento, não foram implementadas medidas pelo poder Executivo para resolver os problemas. No caso de Belo Horizonte (MG), a análise de documentos apontou erros estruturais no contrato de concessão e desencadeou a criação de outra comissão que dará diretrizes para que sejam feitas correções. Em Presidente Prudente (SP), a situação foi a mesma, sendo que o relatório final da CPI recomendou a rescisão do contrato com a empresa concessionária. A cidade segue enfrentando problemas e nomeou um interventor para lidar com a situação do transporte coletivo.
De acordo com Calabria, o número elevado de CPIs revela o tamanho do problema que o setor de transporte público enfrenta, já que o processo de abertura de uma comissão em geral é demorado e polêmico. “Elas mostram ainda que há uma percepção da sociedade para o problema e a tentativa de indicação de soluções pelo Legislativo. Mas as prefeituras raramente corrigem as irregularidades. Em muitos casos isso ocorre porque o poder público mantém práticas de trocas de favores com as empresas de ônibus, rifando os interesses da população”, critica Calabria.
Como chegamos até aqui
O cerne do problema do transporte no Brasil está na forma de financiamento do sistema, baseada apenas na tarifa paga pelo usuário. Além disso, a remuneração das empresas é calculada sobre o número de passageiros transportados e não sobre o custo real da operação do sistema. “Esse é um problema nacional e estrutural, que não pode mais ser pensado por cada cidade separadamente, mas sim por uma política nacional de transportes”, reivindica Calabria.
O ideal seria rever esses contratos de concessão, contemplando outras fontes de financiamento e refazendo a fórmula de cálculo da tarifa, com maior transparência e prevalecendo o interesse público. “Porém, estamos agora em um momento de emergência, precisamos garantir o serviço para a população. A grande maioria das prefeituras não consegue bancar o prejuízo no setor. A única saída é a injeção de recursos do governo federal, obrigando as prefeituras a darem contrapartidas”, defende Calabria.
Em diversos países os governos federais socorreram financeiramente as cidades para resguardar o setor. No Brasil foi aprovado pelo Congresso Nacional um projeto de lei neste sentido, com importantes contrapartidas das prefeituras para melhorar a qualidade do serviço. “No entanto, o projeto foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Assim, as cidades ficaram sem apoio e uma crise se disseminou”.