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Caso das joias: governo Bolsonaro acionou 15 servidores em ‘desespero’ para liberar itens

Caso das joias: governo Bolsonaro acionou 15 servidores em ‘desespero’ para liberar itens

A defesa de Bolsonaro afirma que o inquérito da Polícia Federal é “insólito”

A investigação da Polícia Federal mostra que o governo de Jair Bolsonaro (PL) mobilizou pelo menos 15 servidores nos últimos dias de seu mandato para tentar liberar as joias presenteadas pela Arábia Saudita e retidas na alfândega do aeroporto de Guarulhos (SP).

O relatório do inquérito sobre as joias indica que, em duas semanas, foram acionados sete altos funcionários da Receita Federal, quatro ajudantes de ordens da Presidência, três membros do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência e um funcionário da Secretaria-Geral da Presidência.

Na época, o chefe da Receita deu a seguinte ordem a um subordinado: “Bota todo mundo para trabalhar para a gente”.

Segundo os investigadores, houve “uma operação, até certo ponto desesperada, para tentar subtrair as joias femininas retidas pela Receita Federal, em tempo hábil a despachá-las no avião presidencial, que decolaria no dia 30 de dezembro de 2022, com destino aos Estados Unidos”. As informações são da Folha de São Paulo.

Tentativas do presidente

O governo de Jair Bolsonaro mobilizou um esforço coordenado para liberar joias retidas no aeroporto de Guarulhos. A operação começou em 14 de dezembro de 2022, após o ex-mandatário ser informado do caso pelo então chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes.

Vieira Gomes relatou à Polícia Federal que foi a primeira vez que ele teve conhecimento do assunto. Ele imediatamente discutiu o tema com sua chefe de gabinete, que encaminhou um email ao subsecretário de Administração Aduaneira para obter detalhes sobre as joias.

A demanda foi repassada à Superintendência Regional da Receita Federal da 8ª Região Fiscal em São Paulo, onde foi informado que as joias haviam sido perdidas devido à importação irregular e ao não cumprimento dos prazos de defesa.

Após o telefonema de Bolsonaro em 27 de dezembro, o tenente-coronel Mauro Cid da Ajudância de Ordens da Presidência ligou para discutir as medidas necessárias para incorporar as joias ao acervo da Presidência. Cid então contatou o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência, buscando formalizar a incorporação das joias ao acervo presidencial.

Apesar dos esforços, o pedido de incorporação foi negado pelo chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, que não tinha autoridade para fazer tal solicitação. Cid pediu que essa informação fosse repassada diretamente a Bolsonaro.

A operação continuou no dia seguinte, quando Vieira Gomes instruiu a confecção de um ofício para formalizar o pedido de liberação das joias. Ele solicitou urgência na execução, indicando que o documento deveria ser finalizado até o final do dia seguinte.

Durante esse processo, foram envolvidos o subsecretário-geral da Receita e o superintendente-adjunto da 8ª Região Fiscal. No entanto, houve ressalvas em relação à urgência da operação, considerando possíveis repercussões negativas para a imagem da instituição.

“Bota todo mundo para trabalhar para a gente de forma que a gente consiga cumprir isso daí e disponibilize isso amanhã às cinco da tarde”, disse Vieira Gomes em um áudio ao superintendente da 8ª Região

A Polícia Federal descreveu a ação como uma tentativa de “legalizar” as joias antes mesmo de sua liberação. Houve até uma solicitação de informações sobre o cadastro das joias por uma secretária da Ajudância de Ordens da Presidência ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica.

A tentativa final incluiu a participação de dois ajudantes de ordens de Bolsonaro, um dos quais viajou de avião da Força Aérea Brasileira até Guarulhos para entregar as joias. No entanto, os servidores da Receita recusaram a liberação das joias.

Relembre o caso

Durante uma viagem em outubro de 2021 do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, à Arábia Saudita, o governo Bolsonaro recebeu um conjunto de itens luxuosos da marca suíça Chopard, contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário islâmico conhecido como “masbaha” e um relógio.

Segundo a Polícia Federal, esses objetos de alto valor foram deliberadamente omitidos dos registros públicos e posteriormente vendidos, visando beneficiar o ex-presidente. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu autorização para a quebra do sigilo fiscal e bancário do presidente e de sua esposa, Michelle Bolsonaro.

Durante as investigações sobre essas joias, a PF solicitou a quebra de sigilo do casal. Moraes declarou existirem “fortes indícios de desvios de bens de elevado valor patrimonial” relacionados às joias negociadas pelo círculo próximo do ex-presidente.

Para a Polícia Federal, o Bolsonaro se aproveitou da estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor dados a ele por autoridades estrangeiras.

Indiciamentos

No dia 4 de julho, Bolsonaro foi indiciado, no inquérito sobre a venda ilegal de joias no exterior , por associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bens públicos. O ex-chefe do Executivo nega ter cometido todas as irregularidades.

Vieira Gomes, Marcelo Vieira e Mauro Cid também foram indiciados.

A defesa de Vieira Gomes afirmou não ter tido acesso ao relatório da PF.

“Foi com enorme surpresa e perplexidade que tomamos conhecimento, pela imprensa, do indiciamento. Temos convicção de que a inocência dele será reconhecida pelos órgãos competentes”, disse o advogado de Vieira.

O advogado de Marcelo Vieira disse que o indiciamento é resultado “de uma desmedida tentativa de perseguição a outras pessoas” e que as atividades de seu cliente no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica “foram realizadas no sentido de manter total zelo e cuidado” com bens públicos.

A defesa de Bolsonaro afirma que o inquérito é “insólito” e que o ex-mandatário “em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens que pudessem de qualquer forma, serem havidos como públicos”.