Exibicionistas, voluntários posam carregando armas pesadas, vestidos com uniforme militar com as bandeiras da Ucrânia e do Brasil
As primeiras mensagens surgiram logo no início da invasão russa à Ucrânia, há pouco mais de um mês. Em grupos de WhatsApp que reúnem integrantes da comunidade russófona, brasileiros começaram a pedir informações sobre como se juntar às forças ucranianas no combate às tropas da Rússia. O Ministério da Defesa ucraniano tinha acabado de anunciar a criação de uma legião internacional de resistência que nada tinha a ver com o movimento crescente no exterior que atraía doações e voluntários à fronteira para ajudar refugiados. O grupo é formado por estrangeiros que lutam uma guerra a milhares de quilômetros de casa, ao lado dos ucranianos. E brasileiros também estão lá.
Não há números oficiais, mas estima-se que cerca de cem brasileiros tenham se oferecido para integrar a legião internacional contra a ofensiva russa. O perfil é similar ao de combatentes de outras nacionalidades. São, em sua maioria, homens com histórico de carreira na polícia ou nas Forças Armadas. Alguns saíram do Brasil, outros já residiam na Europa e se deslocaram para a Ucrânia. Mas o que tornou a presença dos brasileiros conhecida para além do círculo militar local foi a ação intensa também nas redes sociais, com postagens frequentes de fotos e vídeos do front.
Nas imagens, posam carregando ou montando armas pesadas, vestidos com uniforme militar com as bandeiras da Ucrânia e do Brasil. São usuais também referências aos “caveiras” do Bope ou à famosa música da “Tropa de Elite”.
Vídeos mostram a destruição de cidades ucranianas, tanques, transporte de armamento militar e alguma ação de campo, com barulhos de tiros e bombas ao fundo. Muitas vezes, as publicações são também acompanhadas de orações e outros textos de cunho religioso.
Em um dos vídeos recentes postados por um brasileiro, aparecem alguns combatentes escorados em árvores. Com o som de disparos e bombas, eles abaixam no chão cheio de folhas. A legenda: “19h de combate, infiltração em uma pequena vila de Kiev. Resumo: três blindados e inimigos destruídos”.
Elogios e críticas
Com o arrastar da guerra, não demorou para posts desse tipo viralizarem e os brasileiros ganharem milhares de seguidores. Só que ao lado de elogios e comentários de heroísmo surgiram críticas de que eles tinham ido à Ucrânia também caçar curtidas. E que, com a intensidade de postagens, ainda estariam expondo informações sensíveis de localizações de tropas e bases. Afinal, se os posts eram acompanhados por tantos seguidores, nada impediria que também estivessem no feed da inteligência russa.
A polêmica cresceu com a série de ataques aéreos russos que causou dezenas de mortes há duas semanas em um centro de treinamento ucraniano na cidade de Lviv, no Oeste do país, perto da fronteira com a Polônia, que reunia integrantes da Legião estrangeira. Internautas de várias nacionalidades culparam os brasileiros pela ofensiva, atribuindo a precisão do ataque às publicações assíduas nas redes sociais.
“É incrível como são descuidados e estúpidos os ‘voluntários’ brasileiros na legião estrangeira. Outro mercenário, capturado anteriormente perto de Lviv, também mantém discretamente um perfil aberto no Instagram, deleitando frequentemente seus seguidores com novas histórias”, escreveu um internauta em inglês.
No post, esse mesmo internauta publicou fotos de um brasileiro com mais de 42 mil seguidores, que descreve no perfil ser integrante das forças estrangeiras da Ucrânia, bombeiro na Europa, policial penal e com passagem no Exército brasileiro. Na conta aberta no Instagram, o brasileiro aparece com uniforme militar, sozinho ou com outros combatentes, carregando armas ou com máscara de caveira. Diz que chegou à Ucrânia com documento italiano, por ter dupla nacionalidade, e que investiu dinheiro próprio para estar lá.
“(...) Eu vou falar pela última vez (se aqui está pagando ou não eu não sei te responder) pois nunca fui atrás de saber se vou ganhar e quanto vou ganhar! Até hoje não recebir (sic) 1 euro e isso para me (sic) não importa! Pois o que importa são as vidas que estão perecendo em meio a isso tudo! (...) Aqui não é lugar para mercenários e sim para quem está disposto a dar a vida para proteger os fragilizados! (...)”, escreveu em postagem recente. Nas publicações, ele e outros brasileiros em combate também negam facilitar informações de localização às tropas inimigas pela atuação frequente nas redes.
O grupo deixou Lviv pouco antes do bombardeio russo. Um instrutor de tiro de Maringá, no Paraná, que disse ter presenciado o ataque, gravou um vídeo assustado, que também logo viralizou: “Lá tinha militares das forças especiais do mundo inteiro. Da França, toda a Europa, Coreia do Sul, Chile, Estados Unidos, Canadá (...) As informações que a gente tem é que todo mundo morreu. Eles (os russos) conseguiram acabar com tudo. Vocês não estão entendendo o que é um caça soltar um míssil em cima da gente, acabou, acabou. A Legião foi exterminada de uma vez só. Graças a Deus eu saí de lá. (...) Eu não imaginava o que era uma guerra”, disse à época, enquanto se deslocava à Polônia.
Novas regras para alistamento
Recentemente, a Legião afirmou que só vai aceitar estrangeiros com experiência em combate. Disse ainda que brasileiros, com ou sem experiência, não seriam mais aceitos. A informação veio de um grupo de 35 brasileiros que estavam de malas prontas para embarcar e que teriam sido informados, às vésperas, de que não seriam mais aceitos.
Procurada pelo GLOBO, a Legião Internacional respondeu, também por meio de rede social, que não pode “comentar decisões administrativas nem números de recrutamento”.
Há poucas informações sobre números de estrangeiros, se há remuneração e de quanto seria a brasileiros ou outros estrangeiros na Ucrânia. O governo ucraniano chegou a criar há algumas semanas um site para facilitar o recrutamento de interessados em se juntar às forças contra os russos. Para os brasileiros, o contato era o da Embaixada ucraniana em Brasília. Por telefone, um funcionário disse à reportagem que a embaixada não comenta alistamentos, nem números de brasileiros que foram para a Ucrânia. A embaixada não retornou os e-mails da reportagem até o fechamento desta edição.
Enquanto isso, as publicações de brasileiros na guerra ucraniana assumiram um tom mais defensivo, por vezes também provocativo, convocando os mesmos críticos às postagens a falarem menos e se juntarem ao grupo no front. Um deles, contatado pela reportagem, disse que desde “a publicação de fake news” preferia ficar em silêncio e “guardar as coisas”, pois estavam “em movimento constante” de combate.
Em uma das postagens mais recentes do perfil oficial da própria Legião, dois militares posam armados em um campo com um tanque ao fundo. A legenda: “Nossos rapazes curtindo um dia de sol depois de dar uma boa surra nos agressores putinistas. Bem-vindos à América!”.
A guerra, assim como as postagens, continua.