Aliados veem na parcela da Corte um ambiente mais favorável e articulam revisão criminal como nova frente de defesa
Mais do que uma disputa jurídica, a nova investida de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) é um movimento político de sobrevivência. Condenado a 27 anos de prisão pelo crime de golpe de Estado, o ex-presidente tenta, com o apoio de aliados e advogados próximos, reabrir o caso a partir de uma brecha regimental e de um cálculo que mistura técnica processual e conveniência política. A aposta é deslocar o processo da 1ª para a 2ª Turma do tribunal — onde o bolsonarismo enxerga um ambiente mais favorável para reverter, ou ao menos atenuar, a sentença.
A ofensiva, discutida nos bastidores desde a semana passada, passa pela apresentação de um pedido de revisão criminal, mecanismo previsto para reavaliar sentenças com trânsito em julgado quando há alegação de erro judicial. É o instrumento extremo da defesa penal — e, no caso de Bolsonaro, também o mais arriscado.
A aposta na brecha e o mapa das turmas
O movimento mira um detalhe do Regimento Interno do STF. Os artigos 75 e 76 estabelecem que, em determinadas hipóteses, o colegiado responsável pela revisão de uma decisão não deve ser o mesmo que a proferiu. Com base nesse argumento, aliados do ex-presidente defendem que o processo possa ser redistribuído para a 2ª Turma, formada por André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Nesse cenário, o cálculo político é evidente: Mendonça e Nunes foram indicados por Bolsonaro; Fux já havia votado por sua absolvição quando integrava a 1ª Turma. Toffoli é tratado como incógnita, e Gilmar Mendes, como a principal barreira a qualquer tentativa de reversão.
Entre os embargos e a revisão
A engrenagem da estratégia começa pelos embargos de declaração protocolados nesta segunda-feira (27) e ainda pendentes de análise na 1ª Turma, composta por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Flávio Dino. Embora esses embargos raramente alterem o conteúdo de uma decisão, sua rejeição é a condição necessária para abrir o caminho da revisão criminal.
Diferentemente dos embargos, que buscam esclarecer omissões ou contradições, a revisão criminal permite reabrir o mérito do julgamento, desde que demonstrados vícios graves ou erro judicial. É nessa segunda etapa que a defesa deposita suas maiores esperanças — e onde entra o jogo de distribuição processual que pode levar o caso à 2ª Turma.
A equação política e jurídica
Nos cálculos mais otimistas do bolsonarismo, a revisão cairia em um ambiente de maior equilíbrio interno, com chance real de revisão parcial da pena. Três votos — Mendonça, Nunes e Fux — são considerados prováveis; Toffoli seria o fiel da balança. Mas a estratégia esbarra na tradição do próprio Supremo, que tende a manter na mesma Turma todos os recursos e incidentes de um mesmo processo.
Mesmo assim, a tentativa tem efeito político. Ao reabrir o debate, Bolsonaro alimenta a narrativa de que é vítima de perseguição e que ainda há espaço para contestar sua condenação — dentro das regras, mas fora do alcance de Alexandre de Moraes, seu principal adversário no tribunal.
O jogo que se move no Supremo
Dentro do STF, a leitura é de prudência. Ministros reconhecem a possibilidade formal da revisão criminal, mas tratam sua chance de êxito como remota. Ainda assim, o gesto tem valor simbólico: mantém o caso em evidência, adia o desfecho definitivo e reforça a imagem de Bolsonaro como figura central de uma cruzada contra o “sistema”.
No campo jurídico, o efeito prático pode ser limitado. No campo político, porém, o movimento cumpre função estratégica: reorganiza o discurso bolsonarista em torno de uma ideia de resistência institucional e dá sobrevida à narrativa de que o ex-presidente ainda tem espaço para reagir dentro do próprio Supremo.
De olho em 2026
A ofensiva judicial no STF é parte de um roteiro mais amplo que mira 2026. Bolsonaro sabe que dificilmente reverterá a inelegibilidade, mas aposta na vitimização para seguir como referência da direita e influenciar a sucessão presidencial. Mantendo o foco na “batalha jurídica”, o ex-presidente busca unir sua base, transferir protagonismo a aliados e manter viva a polarização que o sustenta politicamente.
