Ministro disse representantes do Fundo ficam no país porque “gostam de feijoada”
Um dia após ser criticado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o Fundo Monetário Internacional (FMI) confirmou em nota, na manhã desta quinta-feira (16), que fechará seu escritório de representação no Brasil. A unidade em Brasília funciona como uma espécie de embaixada da instituição.
“O FMI fechou um acordo com as autoridades brasileiras para encerrar o Escritório de Representação do FMI em Brasília até 30 de junho de 2022”, informou o Fundo, lembrando que esta é a data do fim do mandato do atual representante do Fundo no país.
Nesta quarta-feira (15), Guedes antecipou que a missão do FMI no Brasil seria encerrada e disse que havia assinado o documento para terminar a cooperação internacional com o Fundo.
“Vou dizer até com delicadeza que nós estamos dispensando o FMI. Eles estão aqui há bastante tempo, havia bastante desequilíbrio. E eu assinei: pode voltar, pode passear lá fora. Vieram aqui para prever uma queda de 9,7%, e a Inglaterra ia cair 4%. Nós caímos 4%, a Inglaterra, 9,7%. Achamos melhor eles fazerem previsões em outro lugar”, afirmou Guedes, em evento na Fiesp.
Na prática, o governo deixará de reconhecer o escritório do FMI no Brasil a partir de 30 de junho, quando o atual representante deverá ser substituído.
Escritório ‘obsoleto’
Ao GLOBO, o Ministério da Economia disse que comunicou ao Fundo Monetário Internacional que não será mais necessário manter escritório em Brasília. Na visão do ministério, a representação estava obsolta.
“O Fundo mantém escritórios apenas em países com os quais tem programa ativo, o que torna obsoleta a manutenção de um escritório no país. No caso brasileiro, o último acordo financeiro com o FMI ocorreu em 2002 e foi pago antecipadamente em 2005. O Brasil hoje é credor do FMI”, diz a nota.
A pasta também afirma que valoriza o FMI. “O Brasil valoriza o diálogo construtivo com o FMI, participa ativamente das atividades e iniciativas do Fundo, inclusive as que resultaram em auxílio internacional aos países vulneráveis durante a pandemia, e permanece comprometido em continuar trabalhando para garantir um relacionamento frutífero com organismo”, afirma o texto.
A medida pode ser vista como uma expulsão do FMI do país, na visão de diplomatas ouvidos pelo GLOBO, e ocorre em meio às reclamações sobre as estimativas econômicas da instituição.
As representações do FMI nos países atuam como elo entre o Fundo e o governo local. Para as nações que não têm empréstimos da instituição, caso do Brasil, isso pode significar focar nas políticas e recomendar as melhores práticas econômicas.
A decisão do Brasil de encerrar a representação do FMI em Brasília é fruto de uma insatisfação com a instituição que já vinha se formando há meses, de acordo com fontes do governo.
Tudo começou quando a organização publicou suas estimativas econômicas de 2020 para o Brasil. Depois de várias discussões com o corpo técnico do FMI sobre métricas e modelos para estimar o PIB em um momento de crise como uma pandemia, Guedes sentiu que o Fundo não levou em consideração os pontos do Brasil, de acordo com a fonte. O FMI projetou uma queda de mais de 9% do PIB, enquanto o país caiu cerca de 4,1%.
Guedes também não gostou dos comentários recentes sobre as perspectivas econômicas do Brasil feitos pelo ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, que agora está assumindo como diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental. Em entrevista na terça-feira (14), Goldfajn criticou o governo e disse que os investidores já saíram do Brasil. “Se temos um brasileiro bem preparado no FMI criticando o país, não preciso de outro crítico do Fundo aqui”, disse Guedes.
Futebol e feijoada
Guedes disse que há muitos anos não haveria mais necessidade de o Fundo manter seus representantes no Brasil e que eles “ficaram porque gostam de feijoada, de jogo de futebol, de conversa boa, e, de vez em quando, criticar um pouco e fazer previsão errada”.
O FMI informou que o escritório foi aberto em 1999, quando o país ainda recorria aos empréstimos da entidade para obter liquidez internacional. “Embora o acordo do FMI com o Brasil tenha terminado em 2005, o escritório foi mantido aberto para facilitar o diálogo entre o corpo técnico do Fundo e as autoridades”.
A nota ainda indica que pretende manter uma boa relação com o Brasil, apesar das críticas de Guedes. “Esperamos que a alta qualidade do envolvimento do corpo técnico do Fundo com as autoridades brasileiras continue, à medida que trabalhamos de perto para apoiar o Brasil no fortalecimento de sua política econômica e configurações institucionais”, conclui a nota.
‘Lambança’
O ministro já fez diversas declarações públicas contra o Fundo. Numa audiência na Câmara, disse que não dava bola para o Fundo. “Eu não dou muita bola para o FMI, não. Eu conheço o FMI desde que eu era jovem. Eles vinham aqui. Eles gostavam muito de goiabada, feijoada, futebol. Eles adoravam vir ao Brasil. E ficavam assinando acordos que nós nem cumprimos e eles também não estavam muito interessados se nós íamos cumprir ou não”, disse.
Também disse que o FMI fez uma “lambança” no ano passado com previsões do desempenho da economia brasileira: uma queda de 9,1%, quando o dado efetivo foi uma retração de 4,1%, afirmou. “O FMI fez uma lambança”, afirmou ele, acrescentado: “O FMI veio ao Brasil. E eu descredenciei a missão”.