A Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do inquérito que apura a participação de um grupo de parlamentares bolsonaristas e apoiadores do governo na organização, financiamento e divulgação das manifestações de cunho golpista havidas em abril do ano passado. Dificilmente o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, recusará o pedido do parquet. A jurisprudência do STF prevê que um pedido desta natureza é “irrecusável”.
Mas, caso acolha o pedido, como se prevê, o ministro relator poderá determinar a abertura de novos inquéritos contra os investigados, caso julgue necessário o aprofundamento das investigações para elucidação dos fatos. É o que a Nação espera. É fundamental identificar, processar e responsabilizar quem patrocina e promove atos contra o Estado Democrático de Direito, numa intolerável afronta às leis e à Constituição.
Evidentemente, o pedido de arquivamento de um inquérito é um dos caminhos naturais que o Ministério Público pode trilhar ao analisar o conjunto probatório fruto das diligências realizadas pela polícia judiciária em determinada investigação. Dito isto, causa estranheza a enorme discrepância entre as visões da PGR e da Polícia Federal (PF) no curso deste inquérito em particular, bastante sensível por envolver parlamentares próximos ao presidente Jair Bolsonaro. Afinal, o que a PF viu que a PGR não viu?
Depois de cinco meses desde que foi instada a se manifestar, a PGR não requereu novas diligências e pugnou pelo arquivamento do inquérito por concluir que as investigações da PF “não apontaram para a participação de deputados e senadores nos supostos crimes investigados”. Segundo o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, que assina o parecer, o “inadequado direcionamento da investigação impediu a identificação de lacunas e dos meios necessários, adequados e proporcionais para alcançar a sua finalidade”, além de ter impossibilitado a “delimitação do problema”.
Ora, o parecer da PGR é diametralmente oposto aos achados da autoridade policial. No curso das investigações, a PF identificou nada menos do que 1.045 acessos a “contas inautênticas” ligadas a aliados de Bolsonaro – derrubadas pelo Facebook há quase um ano por violação das regras da plataforma – feitos a partir de computadores de órgãos públicos como a Presidência da República, a Câmara dos Deputados, o Senado e até, pasme o leitor, o Comando da 1.ª Brigada de Artilharia Antiaérea do Exército.
O relatório com as conclusões da delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, enviado ao STF em dezembro passado, teve como base apurações do Atlantic Council, instituição independente que analisa remoções de contas feitas pelo Facebook. Ao longo de 154 páginas, a delegada descreve em detalhes as artimanhas da rede de desinformação que se instaurou no País sob o beneplácito da Presidência da República. Por meio da identificação de endereços IP, a PF concluiu pela existência do que chamou de “Grupo Brasília”, a partir do qual foram realizados os acessos às contas inautênticas que promoveram os atos antidemocráticos “de forma coordenada”.
Desde que o jornal O Estado de São Paulo revelou a existência do “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto, sabe-se da participação de auxiliares de Bolsonaro na articulação de uma rede de desinformação e de ataques a seus adversários. O Facebook é uma das plataformas utilizadas pelo grupo para turvar o debate público ao confundir as noções de fantasia e realidade. Em boa hora, a empresa anunciou que passará a moderar o conteúdo das publicações feitas por políticos no mundo inteiro, que antes eram mantidas no ar em decorrência de uma alegada natureza “noticiosa”. Mas tantas são as mentiras e distorções propagadas por líderes como Bolsonaro que a empresa parece ter-se dado conta de sua responsabilidade.
A higidez do debate público e o fortalecimento da democracia dependem do cerco às redes de desinformação, nas esferas pública e privada.