A onda de protestos contra o governador de Minas, Romeu Zema, por declarações depreciativas ao Nordeste tem um aspecto político inegável, mas tem também sua razão de ser. Chamá-lo, como fez o ministro da Justiça, o maranhense Flávio Dino, de traidor da pátria por supostamente pregar o separatismo é claramente uma retórica política que nada tem a ver com a realidade. Zema não pregou a separação do Sul e Sudeste. Defendeu que a sua região tenha vantagens por ser responsável pela maior parte da produção de riqueza nacional. Nesse aspecto, revela-se o olhar preconceituoso que merece todas as críticas.
O menosprezo pela região que tem “vacas que produzem menos” mostra falta de empatia e a visão restrita dos que consideram que o Sul e o Sudeste carregam nas costas o Nordeste. Como alternativa à sucessão de Lula pela direita, Zema pode ganhar apoio de um eleitorado que pensa como ele, mas certamente perderá os que têm preocupação com o conjunto do país, que não pode continuar sendo imensamente desigual como é hoje.
Além do mais, a cultura nordestina, assim como a nortista, faz parte da riqueza imaterial de um país chamado Brasil, com sua música, sua culinária, sua arquitetura. Um governador de estado, mesmo que não tenha intenção de ser candidato à Presidência da República, não pode ter essa visão tacanha do conjunto do país, pois, para que um estado cresça e produza, é preciso que os demais estejam pelo menos equilibrados. Um país jamais será uma grande nação se tiver partes segregadas pela pobreza.
No mínimo, Zema se mostra inábil com as palavras, não sabe se expressar bem, se o caso foi de um mal-entendido. Ou, se se expressa como realmente pensa, revela em atos falhos uma visão preconceituosa. Não é a primeira vez que comete este tipo de gafe. Já citou até Mussolini como exemplo, depois tentou dizer que queria fazer uma crítica à burocracia. Poderia ter achado outro autor. Não tem cuidado quando fala e cria problemas políticos sérios.
Tem até razão de ser a favor de um consórcio Sul-Sudeste. Os estados da região têm problemas comuns que poderão ser mais bem enfrentados em conjunto, como infraestrutura e segurança pública, assim como o Nordeste já tem seu consórcio para trabalhar a favor da região. Mas falar em vaquinhas que produzem menos ou fazer esse tipo de comparação menosprezando os nordestinos revela um preconceito inaceitável.
Se, ao contrário do que alega, for uma estratégia política pensada, para repetir seu líder Bolsonaro, conhecido por críticas aos nordestinos, que votam em Lula em sua maioria, Zema pode estar saindo de uma direita civilizada para aproximar-se da extrema direita que não faz bem ao país.
Outro governador que também é alternativa a Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, de São Paulo, andou namorando com extremismos nos casos das mortes no Guarujá e dos livros didáticos do MEC, que tentou excluir do currículo paulista. As eleições municipais no próximo ano revelarão exatamente a quantas anda essa polarização em que a política brasileira está estagnada.
A cidade de São Paulo já está se posicionando, com o PT apoiando Guilherme Boulos, do PSOL, e o prefeito Ricardo Barros buscando o apoio de Bolsonaro e dos partidos de centro-direita para combatê-los. Dificilmente o governo Lula conseguirá repetir nas coligações regionais o mesmo que pretende no Congresso, onde aumenta o balaio de gatos que teoricamente apoia seu governo. Os partidos do Centrão aumentam seu poder de barganha à medida que reforçam seu poder eleitoral, o que indica que a adesão à base de ministérios e emendas não significa aumento da força política do governo. Não creio que o fisiologismo desses partidos seja tão grande a ponto de apoiar o PSOL.
Merval Pereira, jornalista e escriitor
Fonte: https://oglobo.globo.com/