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Vamos usar o Fust! “It’s now or never!”

O projeto de lei (PL) nº 2388, de 2020, de autoria da senadora Daniella Ribeiro (PP/PB), tem o mérito de apontar uma solução factível para a garantia da conectividade das famílias inscritas no CadÚnico, ou pelo menos no Programa Bolsa Família. O benefício proposto teria duração na vigência das medidas restritivas adotadas com vistas a conter a propagação do novo coronavírus, com o objetivo de diminuir os efeitos catastróficos que a pandemia tem produzido. A senadora foi precisa ao identificar que a conectividade é essencial numa época em que tudo tem que ser feito de casa, desde o trabalho formal até o ensino regular das escolas públicas e particulares de todos os níveis. Também demonstrou rara sensibilidade ao perceber que são justamente as famílias de menor poder aquisitivo as que merecem atenção especial das políticas do governo. Se o isolamento causa impactos profundos na rotina das famílias de classe média alta, que têm boa conectividade, imagine o efeito causado às famílias que não têm acesso à internet para o acompanhamento das atividades escolares de seus filhos?

Habilitar o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – Fust para financiar o acesso das famílias de baixa renda à internet em banda larga durante o período da pandemia faz todo sentido. A essencialidade do momento é a banda larga. Atender à necessidade de as famílias permanecerem conectadas contribui para que elas fiquem em suas casas e não propaguem a doença. Trata-se de proposição inteiramente sintonizada com o esforço concentrado empreendido pelo Congresso Nacional (Câmara e Senado) com vistas à aprovação de medidas que contribuam para o enfrentamento das contingências impostas pela pandemia. Cabe aos parlamentares, primeiramente os senadores e depois os deputados, incluírem a matéria na pauta emergencial e fazerem os ajustes necessários para que ela tenha a máxima eficiência possível em termos de custo-benefício e operacionalização imediata.

Situação de emergência

O momento de aprová-la e implantá-la é agora. A emergência imposta pela crise do coronavírus o justifica. Mas a proposta precisa ser aperfeiçoada para que possa ser usada imediatamente no período da emergência. Trabalho de aprimoramento que os senadores podem fazer durante sua apreciação em plenário, já que as matérias emergenciais atinentes à crise do covid-19 não estão passando pelas comissões. Uma vez aprovado no Senado, ou até mesmo antes disso, cabe uma boa articulação com o presidente da Câmara para que também haja aprovação célere naquela casa.

Mas a matéria precisa provar sua relação com a situação de emergência para ser aprovada, e por isso requer alguns ajustes. A modificação mais importante diz respeito à instituição do Conselho Gestor para definir os projetos estratégicos a serem financiados com os recursos. Embora instrumento essencial para a gestão de uma política pública de longo prazo em época de normalidade, o Conselho Gestor é incompatível com a emergência, porque sua instituição, modelo de governança e definição de critérios de funcionamento podem tonar a política inviável. Falo isso com muita tranquilidade porque defendi a criação do Conselho Gestor na proposta de alteração da Lei do Fust que apresentei anexa ao Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações – PERT, aprovado por unanimidade no Conselho Diretor da Anatel em 2018. Mas é preciso deixar claro que, em se tratando de situação de emergência, as soluções precisam ser práticas, operacionais, desburocratizadas e amarradas de ponta a ponta, sob pena de não serem eficientes e efetivas. Simples assim: em situação de emergência, não cabe a instituição de Conselho Gestor!

Por isso, entendo que, no lugar do Conselho Gestor proposto no artigo 3º do projeto, que se institua algo como cartão banda larga, cartão conexão solidária ou vale conectividade, a ser operacionalizado pela Caixa Econômica Federal em parceria com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Esses órgãos do Estado Brasileiro têm extrema respeitabilidade e estão com suas redes presentes em praticamente todos os municípios do Brasil. A Caixa Econômica Federal, entre outras vantagens, possui uma expertise inigualável porque já efetua o pagamento dos benefícios do bolsa família e da ajuda emergencial de 600 reais para os trabalhadores informais. O Conselho será importante para o uso do FUST e outras iniciativas no futuro, mas nesse momento o próprio PL já define a política pública a ser implementada de forma emergencial

Projeto sintonizado

Dessa forma, o PL da senadora Daniella Ribeiro ficaria completamente sintonizado com o espírito das ações emergenciais de combate aos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Passaria a ter também o mérito incontestável de apresentar uma solução completa, de ponta a ponta, para o problema, sem deixar nada pendente. De um lado, habilita o Fust, um fundo que legalmente permanece preso à essencialidade de 20 anos atrás, no caso o serviço de voz da telefonia fixa, para financiar a conectividade em banda larga, que é a essencialidade atual, para milhões de famílias de baixa renda inscritas no Bolsa Família. Ou seja, identifica a fonte de recursos e aponta a forma de como operacionalizar a garantia da conectividade. Por outro lado, o projeto pode dar uma resposta efetiva para o risco de inadimplência que ronda o caixa das prestadoras de todos os portes, em especial as PPPs, prestadoras de pequeno porte, em todas as regiões do país. Principalmente naquelas regiões economicamente menos atrativas, nos municípios com menos de 30 mil habitantes, que são os mais assistidos pela rede de fibra dos pequenos prestadores.

E, não menos importante, recebendo a ajuda do vale banda larga, as famílias beneficiárias ficarão conectadas e garantirão as atividades escolares de suas crianças e poderão manter um nível de relacionamento social, virtual é claro, e ainda usufruir de formas de entretenimento, tão essenciais nesse momento de isolamento. Ao mesmo tempo, as pequenas empresas que garantem a conectividades nas áreas mais pobres do país manterão o ritmo dos investimentos que estão fazendo em plena pandemia, o que refletirá positivamente na manutenção da competitividade da economia. Como o cartão banda larga será exclusivo para custear serviços de telecomunicações nas tecnologias fixa e móvel, os beneficiários estarão aptos a contratar, tanto com pequenos prestadores quanto com grandes operadoras, os serviços de telecomunicações tão essenciais nesse momento. Terão liberdade para aderir ao plano que melhor atenda à sua necessidade. Inclusive, novos planos podem ser discutidos e negociados com os prestadores, para melhor implementar a política pública e melhor atender às demandas dos beneficiários.

Outro aspecto importante a ser considerado no projeto da senadora Daniella Ribeiro é relacionado ao valor a ser transferido para cada família beneficiária. A proposta prevê a transferência de R$ 100,00 mensais pelo período de duração da pandemia. Considerando as 25 milhões de famílias inscritas no CadÚnico do Governo, estamos falando de um investimento de R$ 2,5 bilhões mensais, o que representaria algo como R$ 15 bilhões até o final do ano. Se não for possível atender a todas as famílias do CadÚnico, que se estabeleça como corte um outro critério para reduzir o número de beneficiários para algo em torno de 13 milhões, que é o universo de famílias inscritas no Bolsa Família. Dessa forma, o investimento mensal seria de R$ 1,3 bilhão, representando um montante de R$ 7,8 bilhões até o final do ano. Em qualquer dos cenários, o valor ficaria bem aquém do montante arrecadado e não investido a título de Fust nos últimos 20 anos. É verdade que ultrapassaria o montante a ser arrecado em 2020, o que demandaria a identificação de outras fontes de recursos para a operacionalização completa do programa.

Feita a defesa da viabilidade do projeto, agora precisamos aplicar a vacina contra os argumentos da equipe econômica do Governo. Os técnicos fazendários vão dizer que o saldo do Fust não existe, que já foi todo consumido em outras prioridades, e que o Governo está lutando para reduzir seus custos e não tem recursos para bancar mais um programa assistencial. Pode ser que não exista saldo financeiro do Fust, mas o saldo orçamentário existe e está pronto para receber remanejamento de qualquer outra fonte, inclusive do Fistel, que é outro fundo bancado pelo setor de telecomunicações. O argumento de o Governo não ter dinheiro foi o mesmo utilizado para afastar a proposta de ajuda emergencial aos Estados, e ao final o que vimos foi a aprovação de uma ajuda de R$ 150 bilhões, 7,5 vezes maior que a proposta inicial que previa um valor de R$ 20 bilhões. Ou seja, para atender uma situação emergencial tecnicamente bem fundamentada e justificada, o dinheiro sempre aparece.

Aprovação

Mas, para que a equipe econômica debruce sobre o assunto em busca de viabilizar os recursos, é preciso que o Congresso Nacional faça a sua parte aprovando o PL nº 2388, de 2020. A começar pelo Senado, que agendou para o próximo dia 21 a apreciação da matéria. O presidente Davi Alcolumbre, que teve atuação exemplar na aprovação da ajuda aos governos estaduais, será um grande aliado da senadora Daniella Ribeiro e do relator do PL nº 2388 para que os ajustes a serem incluídos estejam em sintonia com a situação emergencial e o projeto possa ser aprovado diretamente em plenário.

Por ser um projeto de grande relevância e impacto na sociedade, é natural que haja muitas contribuições em forma de emendas por parte dos parlamentares. Espera-se que haja boa sintonia do presidente do Senado com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para que a matéria seja também aprovada emergencialmente naquela casa. Mas é fundamental manter o foco na situação de emergência e no objetivo principal, que é assegurar a conectividade dos beneficiários do Programa Bolsa Família durante a pandemia. Assim, o Brasil e, particularmente, as milhões de famílias beneficiárias da medida, terão um suporte a mais para enfrentar e vencer os efeitos catastróficos que essa pandemia está causando à vida de todos.