Os números da última pesquisa DataFolha mostram que Jair Bolsonaro está longe de representar o país. O contingente de brasileiros e brasileiras que definem seu governo como ruim e péssimo é claramente superior àqueles que classificam como bom e ótimo -- 36% a 30%.
Essa situação não chega a ser novidade, mas, na comparação com antecessores no cargo, Bolsonaro conseguiu bater o próprio recorde. Tornou-se o pior presidente desde 1990, na volta das eleições diretas -- bate até Fernando Collor, que confiscou a poupança logo depois da posse.
Num ponto do levantamento que aponta para o caráter do presidente, aquele traço da personalidade que acompanha uma autoridade em todas as horas, podendo auxiliar ou atrapalhar na travessia de momentos difíceis, o resultado é um desastre.
Nada menos que 43% da população diz que não confia naquilo que Bolsonaro diz. Outros 37% dizem que confiam -- às vezes. Mesmo entre sua base, a palavra de Bolsonaro não vale muito. Embora 30% aprovem o governo, apenas 19% acreditam sempre no que o presidente diz.
Longe do carnaval produzido pelos aliados do governo para celebrar um leve respiro numa economia que permanece no fundo do poço, 55% da população acredita que a crise "deve demorar para acabar".
Numa demonstração de que a população tem clareza para distinguir seus interesses e reivindicações, apontando responsabilidades na direção de quem não cumpre suas obrigações com a maioria, o governo é rejeitado por 48% dos desempregados, 46% dos pretos, 43% dos mais pobres e 41% das mulheres.
Numa queda vergonhosa para quem fez do combate a corrupção uma grande promessa de campanha, nem Sérgio Moro escapa. Nesse quesito, onde o governo já acumula um impressionante conjunto de escândalos, a aprovação caiu de 34% para 29%, e hoje se encontra no mesmo patamar (28%) da cultura, onde nem o bolsonarista mais fanático imaginaria receber boas notas.
Não surpreende que Bolsonaro só tenha um apoio sólido entre aqueles setores que seu governo beneficia ou promete beneficiar. Muito felizes estão os empresários, que apoiam Bolonaro num grau de alegria poucas vezes exibida -- 58% -- mas inteiramente compreensível pelo projeto de transferência de renda a favor dos mais ricos, jamais realizado em nossa História.
Entre os assalariados, apenas aqueles acima dos 5 mínimos, faixa que concentra classe média alta e executivos, chega a 44%. Entre os religiosos, o maior apoio (39%) se encontra nos evangélicos pentecostais. Como os números demonstram, Bolsonaro não faz nem pretende fazer um governo dirigido à nação. O desempenho deixa clara a origem da chamada polarização. Ela começa no governo Bolsonaro e é consequência de sua política.
Não há dúvida de que a pesquisa assegura um oxigênio novo para Paulo Guedes. Estamos num país onde uma elevação de 0,6% no PIB do trimestre chegou a ser apontada como um fósforo no fim do túnel.
"Torcida oficial e oficialista cresceu mais do que o Pibinho", registrou Vinícius Torres Freire, colunista da mesma Folha.
Ao funcionar como um reforço para o Posto Ipiranga, a pesquisa não é aquilo que interessa ao governo. Nos últimos dias, Bolsonaro vinha emitindo sinais indiscretos de impaciência com o desempenho pífio de uma economia com desemprego em alta e consumo em baixa -- até o preço da carne e do lombo de porco ameaça estragar o Natal do brasileiros e brasileiras.
A experiência ensina que, num governo sem apoio da maioria da população, o crescimento econômico pode ser a última chance para se evitar novas quedas e desastres, previsíveis até 2022. O problema é que, mesmo pensadores que concordam com as ideias gerais da política econômica em vigor, alimentam uma desconfiança cada vez maior em relação a Paulo Guedes.
Na mesma viagem aos Estados Unidos na qual referiu-se à ditadura do AI-5 com naturalidade maligna, o ministro fez uma palestra descrita sem piedade pela economista Monica de Bolle, em artigo na Epoca (2/12/2019). Apresentou uma "lista de desejos" como se fosse relação de novas reformas em curso, escreve de Bolle, justificando o fato de que em determinados círculos costuma ser apontada como uma espécie de Laura Carvalho do pensamento conservador -- diferente pelo viés político, mas equivalente pela originalidade e pela erudição. "Foi errático, pulou de um tema para outro, divagou e falou bobagem", descreveu, com bagagem intelectual para afirmar o que você pode ler em seguida: "o pensamento econômico moderno abandonou as teses de Guedes sobre crescimento e pobreza há tempos. Também abandonou a idéia de estado mínimo por ele apregoada". Em nova definição do perfil do ministro, a professora registrou: "Guedes é adepto do clubismo na troca de ideias. Fala para si e para os que querem ouví-lo, sem capturar aqueles que operam em frequências distintas".
Nesta conjuntura, dar um alívio a Paulo Guedes e seu projeto de entrega e destruição é tudo que o país não precisa.
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