É bastante sintomático que expressões como revisão judicial, anistia, perdão, indulto ou graça sejam, há semanas, as mais usadas pelos advogados dos denunciados pela trama golpista do governo Jair Bolsonaro. Isso bem antes da sessão de ontem, em que ficou evidente a tendência de que a Primeira Turma do Supremo Tribunal torne o ex-presidente e seus companheiros réus por 5 a 0.
Versados em mensalão e Lava-Jato, representantes de algumas das mais estreladas bancas de advocacia do Brasil contam com as reviravoltas jurídicas, judiciais e políticas — de que a História está salpicada de exemplos — para apostar que seus clientes serão condenados e provavelmente presos, mas não cumprirão suas penas integralmente porque alguma maré poderá virar.
A tendência a receber na íntegra a denúncia de Paulo Gonet para o “núcleo crucial” ficou explícita no primeiro dia de análise. Mesmo as divergências sutis abertas pelo ministro Luiz Fux não parecem sugerir que ele vá poupar algum dos oito integrantes dessa primeira leva de denunciados.
A presença de Bolsonaro no plenário da Turma foi pensada para produzir comoção nas redes sociais e tentar provocar algum constrangimento nos ministros, mas também evidencia que o capitão está ciente de que, judicialmente, não há esperança para ele, e será preciso construir uma narrativa em muitas etapas, já mirando lá na frente.
Até aqui, Bolsonaro vinha desencorajando qualquer discussão sobre passagem do bastão no campo da direita e reafirmando que o candidato em 2026 será ele mesmo. Pode até continuar com a cantilena, mas sua inelegibilidade já aprovada, a deserção do filho Eduardo e o avanço das muitas frentes em que é alvo de investigações e que se transformarão em ações penais, uma delas agora, tornam esse discurso menos crível para uma massa cada vez menos mobilizada a segui-lo cegamente.
E, principalmente, também ele já olha lá na frente e traça cenários de como poderia reverter uma provável condenação e possível prisão e, se viável, ir à forra contra aqueles que vê como seus algozes. Embora o Senado seja um palco que vem obsessivamente preparando para essa revanche, Bolsonaro passou a ver a necessidade de que seu grupo leve a Presidência como condição sine qua non para que anule as condenações.
Isso porque nem ele, em seus devaneios autoritários e megalômanos, acredita que, ainda que faça maioria no Senado, conseguirá o impeachment de uma quantidade enorme de ministros do STF e sua substituição por outros aliados para que a anulação das penas e mudança de entendimento sobre a tentativa de golpe de Estado partam da própria Corte, como aconteceu na Lava-Jato. Bolsonaro e aliados passaram a admitir que tanto perdão, graça ou indulto quanto a eventual indicação de ministros, aí sim encorajando um Senado majoritário, teriam de partir do Executivo.
Daí por que o antes inflexível Bolsonaro tenha passado a andar com o governador Tarcísio de Freitas para cima e para baixo. O próprio aliado deixou de descartar com veemência a candidatura. Quem mais tem dado bandeira de que o cenário mudou é o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, que já lançou publicamente a própria candidatura para o lugar de Tarcísio nesta segunda-feira, em evento do grupo empresarial Lide.
Tarcísio tem dado todas as demonstrações de lealdade possíveis a Bolsonaro, assumindo até o desgaste de subir num carro de som na manifestação esvaziada de Copacabana, correndo o risco de se indispor com o Supremo. Só falta saber se o governador, que sempre tenta aparentar ser mais moderado que seu mentor e líder, toparia assinar o pacote premium da candidatura, com perdão, indulto, com tudo.
Bolsonaro nem se tornou réu, ainda ouviremos horas de “data venia” e “Excelência”, mas, desde já, as conversas na política e nos meios jurídicos miram 2026 e além.
Vera Magalhães, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/